Graf Zeppelin em Santana do Ipanema

Santana do Ipanema de meados da década de trinta. Tinha por essa época, Doutor Joel Marques à frente do poder municipal. A antiga Intendência ficava no centro da cidade. A rua da cadeia dava acesso ao Bebedouro. Igreja de Senhora Sant’Anna, dum lado o velho sobrado, o casarão azul e branco, do outro. Edificada sobre a encosta do rio, a bela matriz já constava de escadaria. Ruas que desciam pro rio, iam formigando pelas encostas. O casario enfileirado, três empórios, uma escola e uma casa noturna faziam o coração da cidade. Em derredor desse cenário nasceria a feira, no meio do passeio público.

Sábado nublado, de julho de 37. À mesa do Bar Lira D’Ouro, capitão Francisco de Campos folheava o Jornnal do Commércio. Chegava da capital pernambucana, no lombo dos muares dos mascates. Um exemplar do periódico ia primeiro à casa do padre Bulhões, em seguida outro à prefeitura. Depois era vendido na feira. O capitão arqueando as sobrancelhas, por cima dos aros dos óculos, leu para os que estavam com ele à mesa:

“O dirigível Graf Zeppelin chegou ao Recife, pousando no Campo de Jequiá em sua sesquicentenária viagem. Em terra aguardava-o, entre outras autoridades, o sociólogo Gilberto Freire. O professor fez breve discurso sobre o solene momento, comentaria do primeiro vôo daquela aeronave, de Salvador à Recife. Lembraria que naquele dia, 22 de maio de 1930, estaria àquele mesmo local, mais de 15.000 pessoas, e o próprio. Também o então governador do estado de Pernambuco Estácio Coimbra estaria presente. Contou breve histórico da aviação de dirigíveis no Brasil. E que o primeiro brasileiro a fazer o percurso, da Europa para o Brasil, foi o engenheiro Vicente Licínio Cardozo. Aquela seria apenas mais uma, de uma longa carreira de vôos que o LZ 127 Graf Zeppelin ainda tinha a realizar pela frente.”

Jornal à mão, o capitão dirigiu-se até o Paço Municipal. Ali ficou sabendo de uma notícia ainda mais interessante. No telégrafo que funcionava numa salinha anexa ao gabinete do prefeito, o administrador mostrou ao militar, pra que ele mesmo pudesse ler, o telegrama que tinha acabado de chegar da capital do estado:

“Ilustríssimo Senhor Prefeito, Doutor Joel Marques,

Eu, Doutor Osman Loureiro de Farias, governador do estado das Alagoas, levo ao conhecimento de vossa senhoria, que o dirigível LZ 127 Graf Zeppelin, fará no dia 08 de agosto do corrente ano, uma viagem de Maceió até a cidade de Água Branca, consta no plano de vôo que a aeronave sobrevoará a cidade de Santana do Ipanema, estará à bordo por ocasião desta náutica jornada, este que vos dirige esta missiva e comitiva, na data aprazada. Ao tempo que solicitamos que divulgue entre os munícipes, o acontecimento vindouro. Faço saber. Tome ciência.

Tenho dito e assino, Dr:. Osman Loureiro de Farias”

O povo ficaria sabendo da história da passagem do dirigível Graf Zeppelin pelos céus de Santana do Ipanema, nos sermões do padre Bulhões, pelo novenário da padroeira Senhora Sant’Anna. Mas quão variadas seriam as versões criadas na boca do povo. Uns comentaria que em agosto, tido como o mês mais carregado de maus presságios, viria a besta-fera sobre Santana do Ipanema. Outros, ainda mais premonitórios falariam em final dos tempos, da vinda do cavaleiro do apocalipse em forma de nave. No imaginário fértil dos estudantes teriam os alemães, criado uma nave espacial que sobrevoaria o sertão, numa missão secreta. Falariam até num possível acordo entre países. O presidente Getúlio Vargas, teria recebido apoio do governo nazista Alemão, de Adolf Hitler, num projeto secreto e audacioso, pretendia localizar o bando de Virgulino Ferreira “O Lampião” com a ajuda do dirigível Zeppelin.

Não faltou larápios vendendo binóculos falsos, pra o povo observar melhor a passagem da aeronave. Ao Largo do Monumento pra onde um dia Santana se expandiria, foi tido como o melhor local pra se observar a trajetória do objeto voador. O professor de geografia José Rodrigues da Rocha apontava ser pras bandas do Bebedouro o leste da cidade, de onde deveria surgir o aeroplano, naquela direção ficava a cidade de Maceió. O fazendeiro e comerciante, Abelardo Falcão contrataria trabalhadores pra limpar uma área de sua propriedade em frente a capela de Nossa Senhora da Assunção, e construiria uma grande palhoça elevada do solo, onde pretendia vender guloseimas, espumante e quitutes, no dia do acontecimento tão esperado. Cobraria uma taxa pra quem quisesse observar o espetáculo do seu planetário improvisado.

Chegou o grande dia. Diante da polvorosa causada pela expectativa do evento histórico, viu-se o prefeito obrigado a decretar feriado no serviço público municipal. Não tinha como ser aquele um dia comum. A bandeira brasileira foi hasteada no Paço e no prédio da Cadeia. A professora perfilou os alunos diante da escola pra assistirem ao evento, e no momento da passagem, estavam orientados a entoar o hino nacional.

E a cidade quedou perplexa diante da cena. O imenso charuto cor de prata surgido flutuante no céu do Nascente. E foi passando. Passando lentamente por sobre a cidade. Por alguns instantes pareceu Santana do Ipanema, pavorosamente congelada. A lavadeira nas pedras do rio, como se transferida a uma pintura a óleo. O gari estático, no ato de catar o lixo. Os pássaros silenciados em seus gorjeios, como se entendessem e respeitassem o momento solene. Incólume ia a inflada nave no seu vôo, sem carecer de asas. As nuvens branquinhas estáticas. O sol por aquele instante esquecido, deixado de ser rei sol. Ofuscado no seu brilho pela esplêndida cena nunca dantes imaginada. Daqui de baixo, pensavam como seria a tripulação a ocupar o monstro acéfalo. Os soldados à porta da cadeia faziam continência pro imenso projétil em seu trajeto rumo ao horizonte. A cabroeira do cangaço entocado nas malocas dos lajedos, feito calango sardão, temendo que da parafernália voante lhes viesse uma bala ou qualquer outro artefato bélico. E o dirigível foi se afastando, em direção ao poente. Ia pras terras de Delmiro Gouveia.


Fabio Campos

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