Nossa Senhora da Assunção (Apocalipse 12)

O padre Manoel Capitulino, aspergia com água benta, o interior e as paredes externas da pequena capela de Senhora Assunção, enquanto, frei Augusto Boaventura de Medeiros, bispo da arquidiocese de Penedo, incensava o altar e pronunciava a benção sacramental. Era o dia da inauguração. Em seguida seria rezada missa. O celebrante punha-se de frente pro altar, e dava as costas à assembléia e recitava o breviário litúrgico em latim. Fazia-se presente àquela manhã solene, os alunos da professora Sinhá Rodrigues, a banda Santa Cecília com todos os seus integrantes, devidamente paramentados em seus paletós azuis marinhos e calça branca. O Intendente Municipal Capitão Capistrano Barros. Ladeado do pelotão de soldados do quartel da polícia em fardas cáqui. Caracterizados como integrantes da laboriosa policia Militar de Alagoas. Além de um número considerável de citadinos. A igrejinha então edificada pra marcar a virada do século dezenove pro século passado. Tal evento daria de iniciar uma nova página na história de Santana do Ipanema.

Na charola, orquídeas, tulipas e rosas, emprestavam ainda mais beleza à imagem de Nossa Senhora Assunção. Aroma de flores, incenso e parafina das velas, misturado ao cheiro de pólvora queimada dos fogos de artifícios, que explodiam vez outra, no céu do Largo do Monumento. Cores esmaecidas de propósito, na arte sacra em estilo gótico da santa Madona. Um pouco do azul celeste, vislumbrado no manto da Virgem Santa, que tinha o olhar voltado pro alto. Aos fiéis, que naquele momento a contemplava, vinha-lhes tal visão, como resquícios de renovadas esperanças no porvir. Querubins de mimosas asinhas, cabelos encaracolados, bochechas rosadas e lábios de doces meninas, emergidos de brancas nuvens. Como que sorriam pra eternidade, daquele e de outros momentos.

Para que tudo isso estivesse acontecendo com toda aquela beleza e exuberância, uma longa jornada haveria de ter acontecido, tanto com aquela imagem de Nossa Senhora da Assunção quanto ao momento político que vivia a cidade de Santana do Ipanema. Houve uma reunião para escolha do local da construção da capela. Eis que isso ocorreu no ano de 1898, no dia 15 de agosto. Encontrava-se reunidos na Intendência Municipal o padre Capitulino, o senhor intendente capitão Barros e os conselheiros que eram em número de sete. O capitão fez uso da palavra abrindo a sessão, ao tempo que passou a palavra ao vigário da freguesia de Senhora Santana. Sendo tudo o que fora dito, registrado em ata, conforme constaria dos livros de registros. O padre tomando a palavra disse:

-Hoje grandes decisões serão tomadas nesta reunião. Vamos pois, decidir sobre a escolha do local onde será construída, a capela de Senhora Assunção, em nosso município. Permitam-me, que eu leia o que, inspirou-me o divino Espírito Santo neste momento.

E abrindo a Bíblia, aleatoriamente declamou para os que ali se encontravam:

“Apocalipse 12, versículos 01 a 06. Execução dos Decretos do Pequeno Livro Aberto. A Mulher e o Dragão. E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz. E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho.E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono.E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias.”

Caríssimos! Eis que estas palavras bíblicas já se fizeram à luz dos evangelhos. Sabe-se que a mulher citada no livro da revelação de São João, trata-se de Nossa Senhora, mãe do Salvador Jesus Cristo. O que ainda não teríamos conhecimento do significado seria pra que deserto aquela mulher havia fugido, por mil duzentos e sessenta dias? Hoje podemos dizer que já sabemos! Isso acaba de nos ser revelado! A mãe santíssima veio para o nosso sertão! E a cada virada de século, caros irmãos! Pelo menos um santuário, deverá ser erguido pela igreja, para homenageá-la.

Dez anos antes, o Marechal alagoano Floriano Peixoto, não havia proclamado a República ainda. O príncipe regente do Brasil Dom Pedro II, encomendara a um artista da cidade do Minho, em Portugal, chamado Arthur Belvedere e Carvalhal, um lote de imagens sacras para doar aos conventos de Olinda em Pernambuco e Penedo em Alagoas. Estas imagens chegaram ao Brasil justo no período em que o Marechal proclamaria a instalação do Estado Republicano no Brasil. Não dando tempo ao príncipe vir, ele mesmo, fazer as doações, e as imagens foram levadas pro Museu Nacional na cidade do Rio de Janeiro. Permaneceram lá até o bispo primaz do Brasil Dom Antonio Souza de Sá, decidir entregá-las as mais prósperas freguesias criadas no nordeste. Duas imagens vieram pra Alagoas, uma pra Águas Belas das Alagoas que depois elevada à categoria de cidade passaria a chamar-se Porto de Pedras. Pra lá iria uma imagem de Nossa Senhora da Piedade. Esta não tinha sido feita pelo artista minhoto, este havia guardado a relíquia construída por seus ancestrais, era uma imagem de 1603. A outra, de Nossa Senhora da Assunção veio pra freguesia de Santana do Ipanema. Estas imagens vieram de navio do Rio de Janeiro até o cais do porto de Recife. Chegaria a cidade de Maceió nos caminhões do exército brasileiro, envoltas em sacos de panos de algodão, acondicionadas em caixotes revestidos de areia. De Maceió a imagem de Nossa Senhora Assunção viajou de trem até a cidade de Viçosa. Pra finalmente, no dia 15 de novembro de 1899, em lombo de burro, chegar a Santana do Ipanema onde permanece até hoje.


Fabio Campos

Um comentário:

  1. .

    Fábio,

    sua escrita poética retrata com humor refinado o cotidiano santanense visto da Pça do Monumento. De vez em quando apareço aqui no blog.

    Abç,
    João

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