Padre Francisco Correia

Daremos de iniciar o que temos pra contar, sobre este homem santo de Deus, na cidade ribeirinha de Porto da Folha, hoje Traipu. Mais precisamente na Matriz de Nossa Senhora do Ó. Erguida em meados do século XVIII, sede da primeira paróquia do então recém ordenado, padre Francisco José Correia de Albuquerque.

Escaldante manhã de um domingo de verão. 10 de março de 1782, o bispo Dom Tomaz da Encarnação Costa Lima, mandou chamar o padre Francisco em seu gabinete. Havia acabado de assinar e colocar a marca d’água com seu anel, no expediente, que nomeava o jovem padre de vinte e poucos anos, ao cargo de visitador das sesmarias fincadas ao sul da Capitania de Pernambuco, no sertão das Alagoas. Isso incluía as devolutas terras concedidas pela corte portuguesa, sediada no Rio de Janeiro, aos irmãos Martinhos. Ato contínuo, fez cair um gomo de cera quente entre o encontro das dobras do papel e lacrou, sobrepondo a ferro em alto relevo, o brasão da Ordem dos frades franciscanos da Arquidiocese de Penedo, sob a égide da Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana. Enquanto fazia a genuflexão, o bispo Concedeu-lhe a benção clerical sobre a fronte do missionário. Encaminhou-o em nome de Deus e da igreja, desejando-lhe boa viagem. O padre beijou-lhe a mão que continha o anel episcopal, e saiu quase sem dar as costas.

No dia seguinte à bordo da “Gaiola” de nome Estrela D’Alva, subiria o rio São Francisco até Pão de Açúcar. A expedição até a Vila da Ribeira do Panema, se daria à cavalo, e duraria dois dias e meio de viajem. Teve a companhia de dois frades franciscanos, chamados Cosme e Damião, irmãos de sangue. De um cavalo e três mulas se compunha o comboio. Ao longo de todo o percurso puderam ver colonos lavrando a terra com uso do trabalho escravos, e animais, que puxavam rústicos arados. À encosta do rio Ipanema, também se lavrava a terra. Dali a uma semana seria dia de São José, rezava a tradição que devia plantar-se milho à época para colher em meados de junho. Antes de atravessar o Ipanema, ficariam bom tempo, observando da margem direita, o maciço onde se assentava a vila. Um filete de fumaça negra, saindo do meio da exuberante vegetação indicava a presença humana pras banda dum lugar que chamariam mais tarde de Bebedouro. A paisagem que se descortinava a frente, causaria grande impressão nos religiosos desbravadores. O fascinante bailado das águas nas pedras fazia desprender espuma transformada em gotículas d’água tornando o ar ainda mais úmido, etéreo. Fazia-se um céu fofo, de nuvens brancas contrastadas com o fundo azul. Magnífica sinfonia ecoava da selva branca, belo canto dos inúmeros pássaros, dava a se ouvir vindo de todas as direções. Muito da obra do Criador ali tão evidente, nas conchinhas, nos seixos, nos insetos, na riqueza de cores das plantas. Tudo em derredor deitava admiração nos religiosos. De humano mesmo, só suas presenças, senão a vista de alguns casebres cor de barro, muito distante e a cantiga renitente das negras d’África, na lavagem de roupas longe no baixio. A densa vegetação era o cenário predominante. O rio por aquela ocasião encontrava-se manso e com pouca água no leito, dava até pra atravessar sem a necessidade de embarcação. O missionário chefe da expedição, abaixando-se fez concha com as mãos e provou da água salobra. Erguendo a cabeça, vislumbrou no maciço batente do rio, imponente igreja com torre de 60 côvados, tendo em volta muitas edificações. O padre era visionário.

Ao chegar a vila, o cortejo dirigiu-se a fazenda Ribeira do Panema. À medida que avançavam chamavam atenção dos trabalhadores no campo, dava pra perceber que lá dentro dos casebres olhavam. As crianças estacionados do ato de brincar, olhavam. Os missionários faziam questão de cumprimentar a todos que encontravam. Estivesse na lida com os serviços do campo ou sentado no umbral de suas casas. No alpendre da sede da fazenda Dom Martinho já os aguardava. Trajado de branco, dos pés a cabeça. Trazia uma bengala herança do patriarcado,que segurava como um rei sustenta seu cetro. Na cabeça o chapéu. Desfrutava dos prazeres proporcionados pela paisagem. Tão familiar que fazia em conta, que tudo aquilo, tivesse sido feito por Deus, com exclusividade pra ele. Degustava um café feito por uma preta velha, torrado a caco, socado num pilão, com tacos de rapadura de mel de engenho. A infusão recém saída do bule que permanecera no braseiro espalhava doce aroma no terreiro. Não demoraria e acenderia seu cigarro de fumo picado especialmente preparado pra tal ocasião.

Dom Martinho tendo ao lado a esposa e filhos, dariam as boas vindas à comitiva de religiosos. Fazendo as honras da casa, ofereceu-lhes estadia. De pé prometeria perante os que ali se encontravam, que de muito bom grado se colocaria a serviço dos representantes do Clero, tanto a sua pessoa, quanto a digníssima esposa, também sua parentela. A criadagem segundo suas palavras, eram todos cristãos católicos e tementes a Deus. Por extensão colocaria a disposição as terras de sua posse, a sesmaria Martinho e Vieira. Ainda sem se sentarem, o padre teria declarado qual seria sua missão naquela expedição. Sob a ordem da santa madre igreja católica, apostólica, romana, e tendo sido encaminhado pelo Bispo Dom Tomaz da Encarnação Costa e Lima, também em nome do Imperador do Brasil Dom Pedro II, estaria ali em missão de paz, de pregar e doutrinar almas cristãs, de educar na fé os irmãos em Cristo Jesus. Tinha os missionários tal missão.

O padre percebeu a existência de uma capela no lado leste da casa grande. Era uma igrejinha de quatro metros por cinco, com duas caídas d’água laterais, uma cruz no frontispício e uma campânula suspensa numa trave logo no início do lance de alguns degraus. Após ocuparem os aposentos a eles designados quis conhecê-la. Comentaria da construção, de que aquele, não teria sido o melhor local para assentarem a edificação. Virada pro sul, como se encontrava, recebia as águas da chuva pela porta da frente, como de fato o donatário já havia constatado, muito embora não confirmasse, só pra não reconhecer o erro. Ao donatário perguntaria o porquê, da devoção a São José naquela sesmaria. Dom Martinho esclareceria que se tratava de herança de família, vinha dos bisavôs paternos. A fazenda estava em festa, se aproximava a novena do santo. Ali mesmo nas bancas da capela, os missionários dariam de iniciar as primeiras aulas, aos filhos dos colonos e habitantes da vila. Dava-se a ensinar-lhes gramática, retórica, canto e catequizavam em nome de Deus.
  
Padre Francisco comentaria com ele da escolha do santo para estar sob a égide da Vila da Ribeira, que seria Senhora Sant’Anna. A escolha teria se dado desde o momento que ele fora nomeado pelo bispo, explicou que teria recebido a designação da própria virgem Santíssima. A mesma em pessoa, teria lhe aparecido em sonho dizendo: “Francisco! Tantas freguesias já existiam sob a denominação de meu nome, te peço, que seja uma, criada com o nome de Sant’Anna, minha mãe querida”. E o padre com a ajuda de Dom Martinho daria de iniciar, no centro da vila, a construção da igreja que seria futuramente a Matriz de Senhora Santana. O padre faria a planta da edificação e ele próprio escolheria o local. O padre tinha noções de arquitetura. Teve um dia, em que os pedreiros entrariam noite a dentro trabalhando, precisaram ir ao rio pegar água pra colocar na argamassa. E eis que avistaram, mesmo não sendo noite de lua, o padre Francisco andando sobre as águas do Ipanema. Muito anos se passaram. O padre, vez outra partia, mas sempre voltava a Vila da Ribeira do Panema. Num desses retornos, trouxe numa das mulas, gesso, vindo da província de São Vicente, queria ensinar as crianças de Sant’Anna a arte de modelagem. O padre que nunca fora bom nas aulas de artes no Convento de Nossa Senhora dos Anjos em Penedo, cidade natal, onde seus pais pobres o entregariam aos quatro anos de idade, para ser educado pelos frades. Agora se propunha a ensinar e aprender arte sacra, a esculpir no gesso. E de suas mãos com que por milagre belos crucifixos se fizeram. Um deles permaneceu na Matriz de Senhora Santana por muitos anos.


Fabio Campos

Um comentário:

  1. FabioCampos Cro leitor ao final deste Conto deixamos no ar um questionamento: Onde será que foi parar aquele grande crucifixo tão belo, que existia na Matriz de Senhora Santana nas décadas de 60,70? O que está hoje em dia lá no altar não é aquele, que foi feito pelo padre Francisco Correia pouca gente sabe disso. Com interesse foi tirado? Por quem? Com que direito?

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