Corrida no Sertão


Santana do Ipanema, sertão das Alagoas no ano de 1962. Ainda que longe da Califórnia e do Arizona, tinha as características de uma cidade do oeste americano daquela época. Um posto de gasolina na entrada. Uma lanchonete. Uma avenida quase deserta. A cidade crescia à beira de uma rodovia. Lugar aonde se ia por dois motivos, para rever os familiares, ou apenas de passagem. Reduzido casario enfileirado. De fachadas coloridas, ainda mais coloridas se verão. O pó de barro vermelho levando pelo redemoinho acabava por ir deitar-se sob os móveis das casas, nos birôs das repartições. Melancolia se fazia no cantar do pássaro na gaiola. O cão latindo no quintal. O cantarolar da negra Bá vindo lá da cozinha. A única atividade que punha algum movimento aquela paisagem estática, era os meninos jogando bola no areal do rio. Alguns deles se ocupavam de atirar pedras tentando derrubar castanholas, do frondoso pé de amêndoas na foz do Camoxinga. Outros cuidavam de reconhecer formas de animais e seres fantásticos se metamorfoseando nas belas e alvíssimas Nimbus, Cirrus e Cúmulos no véu azul do firmamento. Santana do Ipanema no início da década de sessenta era assim. Isso se fosse verão.

Se inverno, esmorecia as cores das coisas. A paisagem de verde exuberante e doirado alegre do sol, dava lugar a um céu plúmbeo ameaçador. Tudo se envolvia de umidade. Os fungos faziam a festa, esverdeando o pote de barro, as telhas das casas. Cobria-se de musgos a portinhola da cisterna. Os vitrais e janelas bufos, retesavam-se de frio, como se as casinhas cochilassem sob a aragem das manhãs friorentas de julho. Uma preguiça boa descia pela rua principal, levada pelo halo gélido da serração. A monotonia só seria quebrada, caso aparecesse um viajante. Se ali chegasse um forasteiro. Se apontasse no horizonte um automóvel, e acordasse a cidade com o ronco do motor. Naquela época só alguns poucos possuíam carros. De modo que a chegada de um carro estrangeiro era imediatamente percebida. As pessoas mesmo dentro de suas casas reconheciam os carros, pelo som que os motores produziam. Identificavam assim, a quem pertenciam.

No bairro Monumento possuía automóvel, o pecuarista Leopoldo Oliveira, uma caminhonete Chevrolet. O promotor de justiça Aderval Wanderley Tenório um Jipe e um Sedan. O empresário Domício Silva, um Candango e uma caminhoneta, os médicos Doutor Jório e Doutor Clodolfo Rodrigues de Melo. Doutora Nícia possuía um Carmanghia, o professor Ernandes Brandão uma Lambreta, Eugênio Teodósio, José Francisco e Milton dos Anjos eram caminhoneiros. Abílio Pereira, Izaías Rêgo, Alberto Agra e Idelzuito Melo eram pecuaristas e comerciantes, também estes possuíam carros. Bem como alguns professores e bancários do Banco do Brasil, Esdras, Elias, Mardônio Brandão, Djalma Carvalho, Zé Pinto entre outros. Santana já dispunha de alguns poucos “carros de praça”, na verdade os americanizados táxis. Entre os taxistas havia o negro Manolo, Zé “V8”, Zé Carlos e Zé Nobre.

A maioria dos filhos de proprietário de veículos, moravam e estudavam em Maceió. No mês de julho - mês das férias escolares - retornavam a Santana do Ipanema pra passar as férias, rever os parentes, e participar da grandiosa festa em louvor da excelsa padroeira da cidade, Senhora Santa Anna. Foi numa fria e aconchegante noite do mês de julho daquele ano, que alguns destes jovens reuniram-se no Tênis Club Santanense para deliberarem sobre como preencher, com uma atividade recreativa, aqueles dias de marasmo naquela cidade provinciana. Entre estes estavam, Nenoi, Marcio e Josa Pinto, Floriano Silva, Jonas Pacífico, Zé Panta, Zequinha Caiçara, Praxedes, Zé “V8”, João Neto entre outros. Influenciados pelo grande sucesso do cinema “Juventude Transviada” vivido pelo ator de Indiana, Estados Unidos, James Dean decidiram que o melhor seria promover uma corrida automobilística.

Tudo foi acertado naquela assembléia noturna. Uma equipe de organizadores foi formada. Primeira Corrida da Juventude, foi o nome escolhido para o evento que seria no dia da juventude. O que aqueles jovens pretendiam, nem era tanto garantir o troféu de primeiro lugar, ou mesmo o rateio da bolsa de apostas que se formou. Ou mesmo, criar entre si o clima de competição, o que queriam de verdade, era impressionar com suas performances, as jovens normalistas. As moças que estudavam na Escola Santo Thomaz de Aquino.

E eis que chegou o grande dia. Nada podia tirar o brilho daquela festividade. Nem mesmo o frio que obrigava os participantes da corrida, e a resumida platéia nas calçadas e na Praça do Monumento, a se agasalharem ou abrigarem-se sob sóbrios guarda-chuvas, capas pretas e galochas. O Largo da igrejinha de Senhora Assunção seria pra toda posteridade, palco do grandioso espetáculo, desde o início. Ponto de partida, e de chegada dizia a faixa esticada sobre a via. Uma bandinha de tocadores de pífano sobre o coreto da Lanchonete “O Pinguim” dava um tom alegre, e o insistente pipocar de foguetes dava um ar de quermesse. Um prazeroso jeito de festa de interior. A fina garoa que teimava em cobrir de orvalho a pintura dos possantes carros que iriam disputar o certame, combinava com as suadas canecas de cerveja nas mãos dos rapazes. Foi dado início a corrida. As autoridades todas ali presentes num palanque improvisado. O padre Fernando Medeiros, o prefeito Adeildo Nepomuceno Marques, O Juiz de Direito e o promotor. Os professores e os alunos e seus pais. Entusiasmado assistiam a primeira corrida de automóvel que presenciavam em suas vidas. Os carros um a um, deviam ir até o início da Rodovia BR 316 – nas imediações que dava acesso a capital do Estado, Maceió – deveriam contornar a Praça das Coordenadas, e voltar ao ponto de partida que era o de chegada.Vivas! Vivas! E aplausos! À Zé V8 o grande vencedor! O que completou o percurso em menor espaço de tempo.


Fabio Campos

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