Joaquim e Ana


Santana do Ipanema àquela manhã de sábado alvorecera efusiva. A Praça do Monumento vivia efervescência de festa. Motoqueiros a todo instante chegavam às suas motos possantes. Exibição de potentes máquinas barulhentas. Espetáculo a luz do dia, a céu aberto. Evoluções acrobáticas na via pública para deleite de um público extasiado. Toda sorte de acessórios pras máquinas caríssimas vendiam-se nas barracas. Consortes de corpos tatuados, exibindo parafernália de adereços metálicos. Vestimentas negras. Acessórios extravagantes enfiados na língua, orelhas, nariz, supercílio, ventre e braços. Legião de estranhos cavaleiros do asfalto.

Na Galiléia do tempo de Jesus, também era assim. Vez por outra, da aridez do deserto surgiam nas pequenas aldeias dos cristãos, tropas de soldados do exército de Roma, montados nos seus cavalos negros reluzentes, ostentando suas robustas armaduras impondo respeito, medo e admiração. Aqueles da Praça em Santana, montados em seus cavalos de aço empinavam, e relinchavam, e davam coices, e roncavam, e cuspiam fogo das ventas feito cavalo e cavaleiro do apocalipse.

Pedro e Madalena foram a Praça de Santana, assistir o show. O açougueiro e a professora gostavam de festa. Ele, ainda mais de vaquejadas. Ela verdadeira paixão por MotoCross. Aceitavam, e respeitavam o gosto um do outro. Todo ano, de moto iam a Juazeiro do Norte, em romaria iam ver padrinho Cícero Romão Batista, mas isso era pouco, diante do que pretendiam. Ir um dia ao Oriente Médio. Ela acalentava o sonho de um dia visitar a terra natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Andar nos lugares que Jesus andou. Visitar a gruta da natividade. Subir no monte Horebe. Sentar-se numa pedra, naquela montanha, onde Cristo pregou o Sermão da Bem-Aventurança. Caminhar pela Via Dolorosa, subir ao Golgotá. Madalena dizia que se um dia fosse, levaria consigo dois vidrinhos vazios. Um pra trazer um punhado da terra, do chão do Getsemâni o Jardim das oliveiras. No outro colocaria um pouco da água do rio Jordão.

Tinha quase certeza que mesmo estando lá, se sentiria como se estivesse aqui. Achava tudo tão parecido. O calor do deserto semelhante ao clima da nossa caatinga, do nosso sertão, Nossa Senhora pra uma longa jornada, ia sempre, no lombo de um jumento. Igualzinho aos jegues que tanto aquele casal conhecia. Ambos nasceram e foram criados a um sítio da região sertaneja. Jesus gostara tanto desse povo, que os daria a viver, num ambiente semelhante ao que ele viveu, enquanto esteve entre nós. De sua avó o nome pra denominar nosso lugar, Sant’Anna. Alarido das vibrantes caixas de som, dos diversos carros estacionados, competia com o som, vindo de um palanque montado, onde um locutor muito exaltado tentava através de sua narração, traduzir pra o público presente, as emoções provocadas pelas evoluções acrobáticas dos motoqueiros. Barulho ensurdecedor.

Apesar do estado eufórico das pessoas que os cercavam, Pedro tinha olhar fixo no nada. Parecia sempre pensativo. Preocupado com algo indecifrável, na iminência de acontecer. Algo que apenas ele sabia o que era. Talvez não. O semblante serrado, por nada franzia a testa. Como se angustiado. Um sofrimento muito pesado, além de suas forças, parecia haver desbotado sua alma. Não dava pra dizer de que cor eram seus olhos. Seu estado de espírito confundia o corpo. Ainda jovem, gostava de folhear a Bíblia. Seu aspecto era de alguém sempre na iminência de choro. Choro que não saía. Ar de preocupado, sorumbático. Como se tivesse aguardando a vinda do anjo que ia anunciar o fim do mundo. Naquele momento sem saber o porquê Pedro lembrava-se de Felipe apóstolo. No dia que àquele perguntou a Jesus. -Mestre! Quando acontecerá a consumação dos tempos? E Jesus, respondera: -Nem mesmo àquele sentado à direita do pai, lá na Corte Celeste, lhe é dado conhecer. E agora, Pedro de Madalena. Estava ali, a refletir a resposta que Jesus lhe dera, naquele dia, lá no mar da Galiléia. Prometeria que guardaria segredo, não era de falar muito, ficaria fácil guardar. Só assim acabava com aquela angústia.

Ainda na Praça, a consumação dos fatos. Entrou em cena Marta, a jovem garota tivera um caso com Pedro. Chamando-o à parte, teria lhe revelado que o filho, de apenas dois meses de idade, que ela deixara em casa, com sua mãe, enquanto estava à festa, era dele. E que ia reivindicar na justiça uma pensão para que ele a ajudasse a criá-lo. Pedro não gostara de ouvir tal história. Peão era assim mesmo, não gostava de ninguém. Era desses que não têm senso de humor. Não entendem que a vida, a vida é moleque encrenqueiro, cutuca a gente. Faz cócegas. Tira brincadeiras. Jesus Cristo, o mestre, nas suas aulas, cansou de dizer “Se vós, não te tornares igual a um desses pequeninos nem pense que irão alcançar o reino de meu Pai”. Ora, tornar-se igual a um pequenino, era ser como a criança, pura inocente e, claro, brincar. Mas tem gente, como Pedro, que simplesmente não entende. Fecha a cara. Pra vida tornam-se ranzinzas.

Vários dias, talvez alguns meses, depois da festa da Praça se passaram. Pedro teve sua audiência marcada com o Juiz de Direito da Comarca de Santana do Ipanema, para decidir o valor da pensão a ser paga a Marta que não tinha emprego fixo e morava sozinha. Alguns fatos declarados por Pedro relacionados à vida promíscua e de bebedeira que levava, fez com que a moça perdesse a custódia de Joaquim. Marta pelo juiz acabaria sendo considerada incapaz de criar e educar seu filho Joaquim. Pedro não tendo outra opção teve que ficar com o menino. Madalena, porém, não quis aceitar aquele inocente, fruto de um caso de amor de seu esposo, no seio de seu lar conjugal. Mais uma personagem desta feita entraria em cena, dona Ana a mãe de Pedro. Coube a sexagenária viúva, a responsabilidade de cuidar do seu primeiro neto. E por sua avó Ana foi Joaquim criado com carinho, teve educação esmerada e tornou-se um jovem estudante apaixonado por informática, MotoCross e Rapel. Joaquim na escola conheceu uma jovem chamada Maria do Rosário por quem se apaixonou perdidamente. E numa festa de motoqueiros, ao som de muito rock, vestidos à caráter, jaquetas pretas e muita badalação Joaquim e Maria se deram em matrimônio. Prometeram diante do celebrante, se amar e se respeitarem pro resto de suas vidas. Enquanto amigos aceleravam suas máquinas. Enchendo o ar de fumaça, estridente ruído de buzinas e estouros festivos dos canos de escapes das motos.

Fabio Campos

2 comentários:

  1. Fernando Soares Campos29 de fevereiro de 2012 às 12:45

    Aí, Fábio, mandou ver, muito bonita essa sua crônica.
    Como está mamãe? Tô com saudades, mas já marcamos com Selma, parqa irmos aí em outubro.
    Abraços
    Fernando

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    1. Alô!Alô! Caro mano Fernando Soares Campos. Grato pelo comentário. Mamãe está com a idade, cada vez mais sensível e remanescente, vive de recordações (eu me beneficio dessa situação pois encontro nela, inspiração para escrever), recorda do tempo de infância com uma nitidez incrível, bem como vez outra, fala dos filhos e da infância de cada um inclusive lembra de fatos sobre você. E chega a doer fundo quando diz, do quanto gostaria de estar com um filho que está distante. Tentarei confortá-la com essa notícia de sua vinda, fará com queira viver para vê-lo. Um abraço.

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