A Mulher de Branco

A lua, majestosa, imponente estreando a noite. Languida, debruçando-se por inteira sobre o serrote do Pintado. Enquanto derreando pras bandas de Riacho Grande, ia cortina do dia. Despedindo-se de Santana do Ipanema. Ainda num tempo que homens e mulheres, de duque, passeavam a praça, e iam ao café.

Quão esguia iam as mulheres, em seus longos vestidos ornados de laços, babados e poesia. As madames desfilavam graciosas de sombrinhas em trajes elegantes. Os homens ao passeio, de paletó, broches na lapela, calçados em sapatos de couro trabalhado. Se nobres, ostentariam luvas e bengala. O chapéu, a depender do tipo e ocasião, estabelecia o grau de importância social do dono. Cartolas e chapéu coco, ricos comerciantes, abastados pecuaristas e donatários assim iam às novenas e festividades civis. Chapéu de massa, comerciantes e aventureiros, ao frequentarem cassinos e rodas de boemia. As classes mais pobres camponeses, almocreves e escravos, chapéu de couro e de palha, na labuta diária.

Nesse tempo Isabel Cristina era apenas uma menina, filha do senhor Guilherme Bernardino e dona Maria Joaquina, a mais nova de uma prole de mais de doze. Senhor Guilherme, era tido por toda Santana como um homem muito austero. Severo por assim dizer. Criara sua família de modo isolado. Ninguém, além dele, jamais teria ido à cidade. O velho considerava a urbe antro de perdição. Uma vez por mês o padre Augustinho Barros ia rezar na capela da fazenda, missa comprada a contos de réis. As vidas daquelas criaturas, desde a infância, a adolescência, relegados a habitarem por sua eternidade a “Fazenda Flor do Banguê”, imponente casa grande, assentada na encosta do riacho gravatá.

Ao lado da capela, a catacumba construída quando o patriarca Arquimedes Bernardino morreu. A casa grande toda caiada era antiga, o piso de tijolo batido. Decorada com peças rústicas. As paredes eram ornadas de pinturas a óleo e fotografias da parentela. Quase tudo que de necessitavam, era produzido na própria fazenda. As roupas que vestiam vinham do algodão cultivado, tecidas nas rocas pelos escravos e arrematadas por alfaiate contratado. Num imenso celeiro construído de madeira calafetada, enormes vasos de zinco duas vezes a altura de um homem, cheios de feijão, milho e arroz. A mandioca na casa de farinha. Numa pequena usina se produzia garapa, rapadura e cachaça. Uma vez por quinzena era abatido um bovino, suíno ou caprino. Pra conservação da carne, uma porção era tratada com salmoura e outra parte recoberta de cinzas, após certo tempo, transformava-se em farinha de carne. Senhor Guilherme, os filhos homens e alguns escravos passavam o dia na lida do campo.

Teve um dia que Ana Clara, irmã mais velha de Isabel Cristina, amanheceu queimando-se em febre. Isabel seria encarregada de ir até o casebre do preto velho pai Benedito, um ermitão que morava na ribanceira do riacho. Chamá-lo-ia a impor benzeduras e infusões à irmã. Bernardo, um menino, filho de escravos da fazenda, acompanhou Isabel, de volta os dois brincavam de esconde-esconde, a menina deixando a vereda se embrenhou na mata. De repente estava de frente a um garoto que ela jamais vira, perguntou seu nome, chamava-se Alberto. Bernardo em surdina presenciou o encontro, e manteve pra si o segredo da sua ama.

As roldanas do tempo giraram e giraram, nas hélices do cata-vento com um galo, no alto da casa grande. Isabel tornou-se formosa donzela. As curvas perfeitas de seu lindo corpo evocavam a deusa grega do amor. A paixão pela cor branca vinha desde a infância e assim vivia trajada. O que acentuava ainda mais sua pele rosácea, os olhos e os longos cabelos negros.

Isabel Cristina nunca esquecera Alberto. Chamando em particular o escravo Bernardo, contou-lhe o que ele já sabia, e falou da pretensão de ir a cidade procurar o rapaz. O negro com veemência recusou-se ajudá-la, pois temia os castigos do seu amo. Isabel, porém tinha um plano, pretendia ir, em segredo e protegida pela escuridão da noite. E assim o fez. E por muitas noites vagou, pelas ruas de Santana do Ipanema, na esperança de encontrar Alberto seu amado. Se alguém lhe via, montava em seu belo cavalo branco e partia. E nunca ninguém soube dizer se real ou imaginário o mistério da mulher de branco.


Fabio Campos

2 comentários:

  1. Olá amigo, sou coordenador do portal www.minutosertao.com.br do Cada Minuto (www.cadaminuto.com.br), preciso falar contigo. Tem algum meio?

    Att,
    Jota Silva

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    1. Jota Silva

      Sou filho do escritor do blog e faço a manutenção do mesmo.
      O senhor pode entra em contato com Fabio Campos através do e-mail fabiosoacam@yahoo.com.br

      Obrigado pela visita!

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