Senhora da Assunção,Senhora da Glória!


Ao Largo do Monumento, em Santana do Ipanema, singela igrejinha. Pelo padre Manoel Capitulino, erguida, pra marcar a virada do século passado. Arquitetura simples. Um lápis de carpinteiro apontando pro céu. Encimada por cruzeiro negro a um florão incrustado, sobre cúpula piramidal. Munida de aberturas ovais, abóbada quadrilateral – de onde quer que se olhasse, via - dizendo: Eis a campânula! Ainda no alto, aos flancos arquitraves ornadas de quatro pequenos castelos. De cima a baixo, uns doze metros. Paredes de três por três descendo ao solo. Nas laterais, dois vertedouros de ar - tímpanos finos retangulares - assemelhados a aberturas de cofrinhos, assim a criança concebia. Assim é a torre-igreja.

No frontispício imenso portal, frisado em duas arcadas ogival, ostentando um querubim a arquivolta. As folhas das portas, quase sempre serradas, trazem duas janelinhas de vitrais ovóides, como se os dois olhos da igrejinha, olhando.  A escadaria tinha história só sua. Depois da carnificina de Angicos, teria servido pra expor as cabeças dos cangaceiros, trazidas pra Santana. Testemunha plena de tantos episódios. Desfiles cívicos, certames de atletas, motos, carros. Passeatas, bandas e clarins - feitos sublimes – Procissões, folguedos, troças de carnavais - fatos históricos - Comícios, manobras militares, movimentos grevistas, féretros. A tudo presenciou. Inspirou artistas, cancioneiros, pintores e poetas:

Aberta ao público a capelinha, novo cenário pros olhos doa! A imagem da virgem Santíssima resplandecente entoa! Bálsamo, refrigério pras almas suplicantes! Senhora Nossa na glória radiante! Seu olhar sereno, volvido aos céus. Azul e branco suas vestes e véu. Assenta os pés a nuvens risca d’anil. Esmagando a cabeça da serpente vil. Anjos e querubins dizendo: - Ó! E a lua crescente ao arrebol. Castiçais e jarros, velas e óleo, remetendo-nos a visão de um oratório.

Se agosto, as festa de Nossa Senhora Assunção. O altar sob um batente de mosaicos erguido ornamentado até o cleristório. Às novenas, átrio tomado pelo povo. Charola formosamente enfeitada de flores, enchendo de largo o perfume de flores. Majestosamente tornado cheio de alegria, e de louvor o paço. Explosão dos fogos, vibrantes floreios de entre os cânticos. No seu interior talvez mal desse pra acomodar seis fiéis, ao presbítero. Guarnecido de colunas, púlpito e capitel. Contrafortes pares em estilo gótico remetendo ao trifório. Lá da praia dava pra ouvir:

“Salve ó virgem da Glória
Por vosso povo foste escolhida
Para nossa padroeira
Abençoai-nos ó mãe querida
Ó Glória de Nossa terra
Velai por nossa cidade
Que a vós foi confiada
Protegei-nos ó mãe de bondade”

Antes mesmo de ser, e crescer o menino, Nossa Senhora conhecia seu destino. Um dia partiria, Ela já peregrino o sabia. Estaria sempre presente a protegê-lo, pois nascera sobre sua égide, por isso o zelo. Grupo Escolar Padre Francisco Correia e Nossa senhorinha rezando, depois Ginásio Santana, e Ave Mariazinha velando! Ora partia, pra longe do natal abrigo. Sem que soubesse santa Mãezinha ia contigo! No litoral também Ela a Rainha que no altar o povo a tinha. Venerada pelo povo do mar, gente do labor na cana, gente embrenhado da mata. Cheiro de antigamente e maresia em tudo havia. De causos contados com espanto, de constantes chuvas que molhavam até os ossos, de mulas e tropeiros resvalando no barro encharcado. De ruas enfadadas, que ainda dormiam e tinham sonhos coloniais, debaixo do sol, sonhavam com cartas vindas da corte, enviadas por El Rei! Capitães e jesuítas se foram, mas deixaram seu legado. Tesouros enterrados na praia, pra resgatar depois da revolução. Rua da Salina, erguida sobre uma gleba pertencente ao acerbispado, espólio de Nossa Senhora da Piedade. Assim diz a data, ainda na velha fachada em estilo barroco: “fundada em 1603”. Donatários Cunha e Lima, agraciados pela coroa portuguesa, deixaram posses à posteridade. O usineiro, extemporâneo da herdade, firmou compromisso com a Santa, promessa de família pela saúde restabelecida. E soergueu o que em ruínas estava. Novo púlpito, novo altar. Fez nova a catedral. De velho só o padre. Ia a procissão, de povo agradecido a mãe da Glória, ia o povo, uma só família, o tirador de coco milagrosamente sustentado pela peia evitando a queda fatal, o barco pesqueiro a deriva, encontrado dias depois. Ela olhava por todos eles.  

Senhora Assunção, Senhora da Glória. Milagres concedidos na praia, também no sertão. Seu Zé Santana, no passeio de toda tarde, subia os degraus da igrejinha, fechava os olhos, encostava a cabeça na porta da igreja, e rezava, e a dor de cabeça passava. A moça com sudorese excessiva nas mãos. Ensinaram-lhe, se passasse as mãos na parede da igreja ficaria curada. Passou e ficou.
De navio, veio a imagem da santa, de Portugal, até o cais do porto de Jaraguá, em Maceió. De trem levada a Viçosa. Sobre o lombo de mulas chegou a Porto da Folha, de lá trazida a Santana do Ipanema, mas isso é outra história.

Fabio Campos

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