Pátria! Ó Pátria amada!


Sesquicentenário da Independência. Quarenta cívicos calendários civis se gastaram desde então. À época, o general Emílio Garastazu Médici, comandava o país da recente capital do planalto, cheirando a concreto e arte ainda. O estado das Alagoas governado pelo magistrado, Afrânio Salgado Lages, fosse o mais recôndito sertão - de baixo destes céus, desse solo mãe gentil – teria que vivenciar a data histórica.  Jamais se permitiria que em brancas nuvens passasse o marco extraordinário.

Santana do Ipanema, Praça da Bandeira. Efusiva sete de setembro - manhã de quinta-feira - de 1972. Estudantes, garbosamente perfilados, perante os pavilhões, nacional, estadual e municipal. O público respeitoso, solene, acompanhava das calçadas. Profusão de cores, flâmulas, broches, fardas. Bandeirolas, verde e amarela, passarinhavam sobre o Largo do Monumento. Autos-falantes tonitruantes inundavam o passeio de melodia varonil. Tragicênicas folhas, verde oliva, dos pés de figos saldavam a pátria, enquanto fugidios e atônitos pardais revoavam. Bandeira brasileira, de Alagoas e de Santana do Ipanema salvaguardadas em ternos colos. Tudo tornado túrgido, de hinos retumbantes que evidenciavam os feitos heróicos, de vultos históricos. Salva de tiros e arranjos de flores - orvalhado de lágrimas - aos desconhecidos soldados, que com bravura lutaram, e derramaram seu sangue, pela pátria ultrajada em seu valor.

 “Já raiou a liberdade/ No horizonte do Brasil
Brava gente brasileira/ Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil”

Estremecendo o calçamento, o forte compasso cadenciado dos coturnos, um pelotão de soldados da polícia militar, seguia adiante da banda filarmônica. Jeeps camuflados, com imensas antenas de radioamador, cães pastor alemão, amplamente treinados, à guisa de seus guardas passavam no paço. Farda cáqui do pelotão militar, camuflagem na caatinga. A imprescindível continência, o rosto rispidamente voltado perante o palanque oficial. O capacete ovulado dos soldados do exército brasileiro estimularia a criação da alcunha “soldado de cuia”, pecha rechaçada, odiada em caserna, digna de severa ação punitiva. Na televisão, se repetia a cena, pela rede Tupi de Televisão, o desfile militar na Avenida Paulista, ovacionado por milhares de pessoas.    

“Salve lindo pendão da esperança
Salve símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz!”

 “Este é um país que vai pra frente!” “Brasil Ame-o ou Deixe-o!” alguns, dentre outros, chamamentos, que o governo federal veiculava com veemência, via emissoras de rádio, televisão, jornais, cartazes nas repartições públicas e adesivos nos carros, era preciso deixar claro quem mandava. Autoridade não se conquistava se impunha pela força. Por trás das idéias progressistas, no ano anterior, deram de iniciar a construção da estrada Transamazônica. “Brasileiros Unidos Constroem Estrada Trans Amazônica” escreviam os meninos do Grupo Escolar Padre Francisco Correia, nas paredes dos banheiros, destacando as iniciais para formar o apelido da vulva feminina. Já o  presidente ganharia o simpático apelido de "Garrafa Azul". Transamazônica, obra descomunal, cujo verdadeiro intuito era encobrir manobras militares. Tropas do exército e da aeronáutica rastreavam um foco de dissidentes políticos na região do Araguaia. Marco desextraordinário! Mancha aos brios imaculados da nação brasileira! Guerrilha do Araguaia, como ficaria conhecida, desencadeada na região de Xambioá, norte do antigo estado de Goiás, bem aos fundos do quintal do palácio do planalto! Nas barbas, severamente escanhoada do presidente. Ato vil, inconcebível! Militantes do partido comunista PC do B, líderes políticos, estudantes universitários, bancários demissionários, ex-guerrilheiros e camponeses. Iniciaram movimento com objetivo de destituir do cargo, o presidente da República do Brasil. Havia um plano, um golpe de estado, implantar um governo civil comunista. Um nome e um episódio ficaram, Osvaldo Orlando da Costa. Enquanto abria uma trilha na mata “Osvaldão” deparou-se repentinamente com uma patrulha do exército, foi alvejado no peito com um tiro de espingarda 12. Amarrado pelo pé foi arrastado pela selva, içado por um helicóptero da FAB. Ao alcançar altura, largaram o corpo de “Osvaldão”.

“Nós somos da pátria amada
Fiéis soldados por eles amados
Nas cores da nossa farda
Rebrilha a glória, fulge a vitória”

Santana do Ipanema, assim como em todo lugarejo do país também tinha seus comunistas, considerados revolucionários pelo governo. De modo pacífico protestavam contra o odioso regime militar, deixavam crescer o cabelo, cultivavam longas barbas. Dessa forma se diziam simpáticos aos ideais do socialismo. A bandeira de Cuba, a foice e o machado cruzados, o charuto de havana, cumprimentar o colega por “camarada”, isso era pro militares indícios de que se tratava de um subversivo. A classe dos artistas era a mais perseguida, escritores, atores, cantores. Elis Regina, por ter feito declaração maldosa a imprensa, dizendo que vivíamos num país governado por gorilas, foi obrigada a cantar o hino nacional durante as festividades daquele ano.  Chico Buarque de Holanda voltou do exílio na Itália, e faria uma música, que para sua surpresa, não foi vetada pela censura, pois dizia ao presidente da República: “apesar de você/ amanhã há de ser outro dia...” E foi.

Fabio Campos

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