O Quinto Dia

“...Deus criou os monstros do mar, e todas espécies de seres vivos que em grande quantidade se movem nas águas, e criou também todas espécies de aves que voam no céu. A noite passou e veio a manhã. Esse foi o quinto dia. Gênesis 20-22” 

Essa é uma história bem antiga. O que vamos contar se sucedeu há trezentos mil anos atrás. Sobrevoando iremos por toda a extensão do vale do Caiçara, por ali vamos. De cima dava pra ver bem, o delta do rio Ipanema, deitado eternamente em berço fulgurante. Dantes, coberto por esplêndida vegetação. Aonde um dia, surgiria o município de Santana do Ipanema. Uma floresta tão densa que não dava pra ver o solo da primitiva pátria mãe. E a flora era dum colorido fantástico, reluzente. Como se briófitas e liquens emitissem raios de luz, produzindo um efeito etéreo, mágico. Como se lá no meio da mata escura, cogumelos luzidios alumiassem aldeias, algumas imaginárias. Não fazia muito tempo, e estávamos na Era do Gelo. 
Imagine que o céu, se apresentava em duas tonalidades, no horizonte uma nuance violácea, no firmamento um azul de um céu profundo, se tornando cada vez mais escuro à medida que afastava da estratosfera do recém criado, novo mundo. Deus, por essa época, se ocupava, experimentando a Criação. Os planetas, já Ele os havia feito, porém ficaram muito próximos da Terra, de modo que ao observar o céu, dava perfeitamente pra vê-los, sem necessidade de aparelho algum. Saturno com seus anéis, multicoloridos, alternando camadas de pequenos meteoros, e nuvens de gás neon. Plutão, imenso, misterioso, como se a qualquer momento fosse sair de lá dentro, da sua superfície gasosa, um ser mitológico, alado, dotado de três cabeças com potentes chifres, a boca demasiadamente aberta com presas ofídicas, uma couraça revestindo seu corpo, e a ponta da calda terminando em seta. Ameaçava atacar a Terra, porém passava, rente, de modo que se alguém escalasse uma montanha e estirasse o braço seria capaz de tocá-lo. Mas o dragão seguia seu caminho. Ia pela via láctea espalhando as estrelas, deixando um rastro de poeira cósmica. 

O sol, uma gema em fogo, mais parecia uma lua vermelho-alaranjada. A quentura mal chegava a terra, E sua luz parecia iluminar somente a ele próprio. A lua ao seu lado, ainda maior do que se apresenta hoje, parecia soprar sobre a terra, uma brisa cor de prata, gélida, que tornava o ar rarefeito, metálico. Deus havia feito tudo isso. Ele o fez. E todas essas coisas estavam muito próximo da terra. De modo que ao longo de muitos milênios lentamente iria se expandir, indo ocupar o lugar, onde se encontram hoje. Essa proximidade de todos os astros e estrelas com o nosso planeta, acabaria por tornar a gravidade da Terra inconstante, de modo que imensas porções de terra e pedras flutuavam na atmosfera. Olhando o horizonte, via-se ilhas de blocos de terra e pedras, como que navegando feito balões. E eram habitadas por gigantescas aves de penas, bico e garras, mas havia também aves com características de répteis, que ao voar emitiam um canto, um longo silvo estridente, como se comunicassem com outros da mesma espécie. Dentre todos eles o mais temido era um que tinha cabeça semelhante ao cavalo, e que lhe cairia bem o nome de Pegassus bucefalus. Dotado de patas que permitia cavalgar, e asas que atacava outras espécies em pleno vôo. 

Briófitas que emitiam luzes de cores variadas que correspondiam e identificavam cada uma das espécies. Colibris e mariposas específicas para fecundar cada espécie. Plantas com sensibilidade ao toque, que se abriam somente em determinados momentos e fechavam-se ora pra facilitar os animais alados que promoviam sua fecundação, ora pra capturar suas presas. Escaravelhos que eram atraídos por feromônios. Essas plantas revestiam o solo sedimentar. E possuíam sensibilidade tanta que se recolhiam ao simples toque de elementos invasores. Pterodófitas se elevavam a muitos metros do chão. Os elementos mais presentes ali era oxigênio e hidrogênio. E em menor quantidade enxofre liberado de algumas fendas que existiam no solo. Angiospermas e gimnospermas rica em flores e frutos, de variadas espécies. Ananás, de nuance vária, que brotava nos cardos e pântanos. Árvore de frutos nodosos e atraentes que muitas vezes escondiam armadilhas biológicas, seivas leitosas, resinas odoríficas. Algumas possuíam glândulas por onde liberavam nuvens de pigmentos e tinturas, caso se sentissem ameaçadas. Enormes tapires, javalis e porcos selvagens habitavam as margens do rio e cavavam tocas onde moravam e se refugiavam de tigres de sabres, jaguares e lobos do gênero Canis lupus. Micos habitavam as copas das árvores, e para se camuflar escolhiam árvores de acordo com a cor de sua pelagem. Azuis, amarelos e vermelhos. 

Mamíferos, de linhagem mais evoluída que os símios habitavam palafitas ao longo do delta do rio Ipanema. Tribos de primatas, homens das cavernas. Havia os que moravam nas grutas, e outros que para se protegerem das feras, moravam em palafitas, assim era. Ao contrário do homem de Neanderthal, nossos ancestrais não possuíam o corpo coberto de pelos, provavelmente por não viverem em terras geladas. Nossos primeiros habitantes tinham o corpo liso, cabelo espesso e duro, eram pardos. O crânio levemente achatado. Olhos fundos, bocarra, e não tinham barba. Tronco e tórax e membros superiores bem desenvolvidos. Eram exímios nadadores. Viviam da caça e da pesca, da extração de frutos e tubérculos. Já moldavam suas armas e utilizavam o fogo. Feições de homens e mulheres eram muito semelhantes, somente as mamas desenvolvidas nelas, os diferenciavam. 

Nesse paraíso viveu Joaracy e Coaracy, um casal de nativos. Nas imediações das terras onde um dia seria o Sítio Laje dos Barbosa. Teve uma ocasião que veio uma tempestade, o rio Ipanema avançou sobre as palafitas, afogando muitos primatas. Joaracy e Coaracy estavam caçando, interromperam a caçada e retornaram a gruta que habitavam. Os afluentes do Ipanema também transbordaram. E as águas soterraram a gruta onde o casal de nativos se abrigava. E o mundo girou, e o tempo avançou. Trezentos mil anos depois, e chegamos a Era Cenozóica da Terra. Período Quaternário, Idade Contemporânea. Lá estava Inácio, professor de história, estudioso de arqueologia, realizando escavações naquele mesmo local. Passou quatro dias escavando, sem nada encontrar, estava pra desistir daquele lugar. E eis que no quinto dia, encontrou. Os corpos fossilizados de nossos heróis, e a ossada de outros monstros que também pereceram na grande tempestade. 

Fabio Campos

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