O Fim do Fim do Mundo em Santana

João teve uma visão. Ele viu o sol, completando sua derradeira jornada no firmamento, ocasionando o ocaso mais aterrador e resplandecente que se contemplara até então. A caatinga do sertão, pra adiante da região das lagunas, fundia-se e confundia-se como o próprio astro de fogo. Aqueles que haviam tornado-se impuros, já tinham ido banhar-se na piscina sagrada. Pois temiam morrer retendo em si alguma falta. E João dizia: -Eu vi o fim do mundo. Tendo a fronte, curvada ao solo, voltada para o oriente, nem bem havia terminado de recitar a oração, e foi acometido dum profundo sono, e dormiu. E um mancebo revestido de tanta luz, que ofuscava suas vistas, apareceu-lhe. E arrebatando-lhe até o pináculo do templo, mostrou-lhe os quatro pilares da terra. 

E os pilares estavam abalados pelas iniquidades dos homens. Sobre a primeira coluna havia um ancião com vestes brancas. E segurava um cetro de fogo flamejante que apontava as terras ameríndias, com seu povo miscigenado. E havia ali ranger de dentes, cobiças e desentendimento. A ganância dos homens proporcionava tanto prazer ao demo, que sua baba, em fios asquerosos, descia dos seus caninos. E ao tocar o solo ressecava dois terço da terra, tornando árida e improdutiva, por metade de cada milênio passado, em espaços de tempo alternado. Gado grande e miúdo sob as labaredas de calor volatilizado.E as chamas tranlúcidas tornavam o cenário tremeluzente. E o calor abrasador consumia as forças, as energias, as carnes dos que tinham vida. Uma vez que tombavam, agonizariam e expirariam, e a morte viria lamber seus couros e ossos. Homens e mulheres, angustiados e desnutridos, tendo cingido o ventre, tentavam soerguer os animais que padeciam. Criam que de pé, o bicho ajuntaria forças pra sobreviver, não se entregando aos abutres, desistindo de viver. Tiravam de sua fé, a esperança de saírem da miséria em que se encontravam. Havia fartura sobejante, somente nos lares dos exploradores. Sob o teto dos que dominavam os povos havia empáfia, tédio, preguiça, desconfiança. E desprezo pelos que, apesar de pobres, se isentavam de atitudes vis, e punham sua honra e vida no temor de um só Deus supremo. Nesse ínterim quatro impérios ascenderam e caíram, iniciando em Roma e terminando no Novo Mundo. 

Sobre a segunda coluna, um profeta de longa barba e cabelos brancos, de olhos fechados, recitava premonições que aconteciam à medida que seus lábios se moviam. E duas guerras ocorreram em dois segundos, e a Europa se banhou em sangue. E quatro anti-cristos brotaram do ventre de mães amaldiçoadas. E desde a primeira descendência foram esconjuradas pela santa inquisição. Como flores de horror e gemidos aterradores tiveram seus filhos. Um deles nasceu nos Países Baixos, outro na Ásia Menor, outro no Oriente Médio e outro na Península Ibérica. Um deles quis conhecer as entranhas onde havia sido gerado, donde havia saído. E sua mente doentia o faria deslumbrar-se com a visão cesariana, que ocasionaria a morte de sua genitora. Outro sonhou possuir a terra. E um outro, quis tornar a terra povoada apenas pela raça ariana. Precisaram de dois mil anos para que sua geração até a quinta potestade perecesse. 

A terceira coluna estava fincada sobre a cortina e o mar de fogo, em que havia se transformado a Oceania. Encimava o pilar, um cavalheiro do zodíaco. O braço esquerdo apoiado ao peito trazia na mão um livro com capa de couro de búfalo, enlaçado por um cinturão de couro de serpente, cuja tranca era as ofídicas presas encravadas no lóbulo da capa, ali havia a inscrição em latim, em letras douradas: “ Timor Dominis Initum Sapientiae Est” que quer dizer “O Temor de Deus é o Princípio da Sabedoria”. À destra, apoiada a um dos rins cingido, trazia uma ampulheta, que vertia do bulbo de cima sangue em pó, que caía sobre as montanhas nevadas no bulbo de baixo. E o Filho do Homem fugiu para o deserto, e ali foi tentado pelo “tinhoso” por três vezes. E Ele escorraçou o “Coisa Ruim”, e foi servido pelos anjos. 

A Quarta Coluna brotava no sertão das Alagoas. Mais precisamente na cidade de Santana do Ipanema. O profeta que estava de pé sobre esta coluna, ora ficava translúcido, e passava por três estados da matéria, água, gelo e vidro, em seguida tornava-se de carne e osso e finalmente de barro terracota, se fazia. E suas vestes eram como de um monge malaio. E portava um objeto estranho, parecido com uma balança, ou um astrolábio. Talvez servisse para mensurar almas. E foi atingido por um raio de prata, feito fio de espada, vindo de uma nuvem negra, espessa, que parecia ter vida própria, saída de um vulcão que vomitava larva de fogo. E o profeta se desmanchava por completo, para em seguida se soerguer e iniciar tudo outra vez. E João gostaria muito de saber o porquê de aquele pilar se suplantar justo na terra de Santa Ana. E um querubim apareceu-lhe no céu com uma faixa branca trazendo-lhe a explicação. Dizia a faixa em várias línguas: Os espinhos do mandacaru são para que nunca esqueçamos a coroa de espinho que pusemos sob a cabeça de Cristo. A cana, para que nunca esqueçamos de que com ela bateram na cabeça de Cristo. A terra árida para não esquecermos o caminho do golgota, onde Cristo verteu seu sangue precioso. 

Ororubá era um gigante de pedra, na serra talhado. Os índios o veneravam, no tempo de sua descendência. O gigante havia adormecido, desde que os nativos pereceram. E deveria acordar no dia do juízo. Ele encerrava em seu ventre, um terço das águas do dilúvio. E João viu o terceiro profeta abrindo o Livro da Revelação, e o vento das nuvens do céu soprou sobre as páginas, e parou na página que mostrava o fim. Orurubá acordando do seu sono profundo, ao bocejar deixava escapar a água do seu ventre, e o rio Ipanema virava um mar revolto que seguia destruindo tudo que existia as margens do seu curso. A torre da igreja matriz partindo-se ao meio pela força das ondas, foi a última cena que João viu. O cavaleiro do apocalipse abruptamente fechou o livro, e tudo voltou à calma de antes. E o céu antes tenebroso tornou-se límpido imensamente azul, tranquilo. Ainda não é chegada à hora do fim. Disse a voz retumbante, vinda do cosmo infinito. 

Fabio Campos

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