As Doze Parábolas

Zé Cajé Alencar, sabendo-se um homem canceroso, em estado quase terminal. Resolveu dar uma festa. Pensou. A vida inteira, vivera, quase sem sair de Santana do Ipanema. Chegara aos oitenta anos de idade, e por todo esse tempo, se ocupara apenas em acumular bens. E constatava, com certeza dose de tristeza, que agora, infelizmente, os recursos que tanto e tanto possuía. Não lhe servia, infelizmente, para lhes dar, o bem que mais cobiçava no momento, sua saúde restabelecida. Para despedir-se da vida, dos amigos e de alguns, não tão amigos assim. Resolvera que o melhor a fazer, era convidar a todos, para uma festa de confraternização. De forma que tentava, como recurso derradeiro, num esforço findo, redimir-se com o Criador e deixar, ao menos de último, uma boa impressão aos que compartilhara com ele, dos percalços da sua turbulenta existência. Ele próprio se considerava um homem difícil. Quer fosse, na vida conjugal e familiar. Ou, na vida social e de relacionamentos meramente comercial. 

E é chegado o grande dia. Escolheu o salão do Tênis Club Santanense para o evento. Os convidados, aos poucos, chegaram, um a um. Meio ressabiados. Preparados para uma possível surpresa. Daquele velho ranzinza, tudo podia se esperar, todos o sabia. Cedo chegaram, o padre, o pastor, e o tabelião. Em seguida, os nove vereadores, o prefeito da cidade e a digníssima primeira dama. O Promotor de Justiça e o juiz de Direito. Os amigos maçons, rotaryanos, leoninos e diversos representantes de clube de serviço. Comerciantes importantes. A imprensa e os fotógrafos, registravam tudo. Enfim, está ali a nata da sociedade santanense. Os convivas são servidos e o baile tem início. Todos buscam com seus olhares, pelo salão e pelo palco, o nosso anfitrião que faz suspense, e ali, ainda não se encontra. 

Já passava de uma hora da madrugada quando ele chegou. A banda cessou de tocar e todos ocuparam suas mesas. Devido ao estado avançado da enfermidade era conduzido em uma cadeira de roda. Expectativa geral. Ele fez-se ao microfone, com voz pesada e ar abatido, falou: 

- Senhoras e senhores!... Boa noite!... Primeiro quero agradecer, por terem atendido ao meu convite, a estarem aqui esta noite. Todos devem estar se perguntando o porquê, dessa festa. Promovida logo por um que já está “com o pé na cova”!... 

Risos geral. E continuou: 

- Na verdade, quero me redimir diante das pessoas com quem convivi toda minha vida. Reconheço que sou uma pessoa difícil...Quem sabe com isso, não ganhe uns créditos especiais ( e com o dedo indicador apontado pra cima) com o mestre “lá de cima”... 

Novos risos. Novamente ele: 

-Mas quero também, nesta noite. Propor uma pequena brincadeira com vocês!... 

Silêncio sepulcral. 

-Calma gente, não é nada grave. Está providenciado para que todos recebam um envelope, quem ainda não recebeu aguarde o garçon. Pois bem. Quero que abram. Dentro do envelope encontrarão um cartão. A brincadeira é a seguinte: A cada um, que chamarmos. Deve vir até aqui. Lê o que está escrito no seu cartão. E dizer o que quiser sobre o que está escrito ali. Ao final, proporemos um brinde. Podem ter certeza! O que acontecerá hoje aqui, será bom. Será muito bom, para cada um de vocês. Pra mim. E porque não, também, pra nossa Santana do Ipanema. 

E iniciou chamando o vereador Edmilson Edilson. Este, portou-se ao microfone, e disse: 

- Meu caro Ze Cajé! Primeiramente quero parabenizá-lo pela iniciativa de fazer esta festa. E dizer que eu sou um homem agraciado por Deus! Muitas e muitas vezes, agraciado! Fui eleito vereador desta cidade, como o mais votado, de toda a história das eleições desse município. Sou agraciado por tê-lo como amigo. E a graça maior veio sobre mim, também esta noite, ao ler o que continha o meu envelope: O SEMEADOR; Lucas, capítulo 8, versículos 11 a 15. Ora, meu caro Zezé. Vê-se aqui que se trata de uma parábola. Eu sou um homem de Deus. Medito todo dia na palavra. E sei da história; Jesus pregando em certa ocasião disse: Eis que um semeador saiu a semear. E ao semear, parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu a comeram... 

Depois de narrar toda a parábola o vereador, concluiu dizendo que se considerava, ele próprio, a semente que caiu em solo bom, porque toda sua vida, só o bem, havia praticado. Agradeceu mais uma vez. Foi ovacionado. E retornou à mesa. E Zé Cajé chamou o segundo: 

- Convidamos o Senhor Augusto Algodãozinho. Meu maior concorrente no setor têxtil, em nosso município. 

E Augusto, leu seu cartão: 

-OS TALENTOS; Mateus, capítulo 25, versículos 14 a 28. Muito Boa noite a todos, agradeço ao empresário Zé Cajé pelo convite. Não sou tão religioso como o nobre vereador Edil, mas entendo um pouco, só um pouquinho da bíblia. Se eu não estiver enganado. E aí, eu peço desculpas antecipadas, ao padre e ao pastor, caso esteja. Essa parábola fala de um empresário, que viajava muito. E deixou uma parte de seus recursos com três empregados. E teve um desses três, que não aplicou esse recurso, com medo de perder, e de seu patrão lhe castigar. Esse empresário na certa, era assim igual a Zé Cajé... 

Risos Geral. 

Despediu-se e voltou pra mesa. 

E Zé Cajé chamou o Padre Sílvio Silva. Este, muito sorridente declarou da sua satisfação de estar ali. E leu o escrito do cartão: 

- O FARISEU E O REPUBLICANO; Lucas capítulo 18, versículos 9 a 14. Esta parábola, caríssimos, fala de dois homens que subiram ao templo para orar. O fariseu, de pé, em frente ao altar bradava suas qualidades, e apontava pra o Republicano acusando-o. Enquanto que este, mal ultrapassara os batentes do templo. Tinha o corpo ao chão, e baixinho pedia apenas misericórdia, por ser um pecador. E Jesus conclui dizendo que este último, voltou pra casa justificado. Porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado. São palavras de salvação! Glória a vós senhor! 

Aplausos geral. E o vigário retomou seu lugar à mesa. Zé Cajé chama o pastor Bonifácio Benvindo: 

-Bom noite meus irmãos! Gente, será só coincidência? Vejam só o que tem no meu cartão: O BOM PASTOR; João 10, 1 à 6. Foi de propósito mesmo, Zé Cajé? 

Risos. E o pastor continua: 

-Pois bem. Em verdade em verdade vos digo, quem não entra pela porta, no aprisco das ovelhas, mas entra por outra parte, é ladrão e salteador. O pastor abre a porta, ele chama as ovelhas pelo nome, estas reconhecem sua voz e seguem-no. E não ouvem a estranhos! Aleluia irmãos?! Irmão Zé Cajé, Jesus é o bom pastor, e vos sois a ovelha que ele chama, atende teu chamado irmão!... 

Zé Cajé. Interveio. 

-É pastor! Ele está mesmo me chamando. E que chamado, Enh?! Não vai demorar muito, vou ter que ir mesmo, né? 

Novos risos da platéia. E chamou o doutor Placidônio Pacheco, Juiz de Direito. 

- O JUIZ INJUSTO; Lucas, capítulo 18, versículos 1 à 8. Agora, pastor Bonifácio, acabamos de ter a certeza que é de propósito. Público aqui presente meu muito, Boa Noite! A leitura da bíblia, pra mim foi mais por uma obrigação do curso de Direito. E dessa parábola eu jamais poderia esquecer: Conta de um juiz que não atendia as súplicas, de uma pobre viúva, que pedia justiça. Tempos mais tarde, pra se ver livre da coitada, ele a atende. Assim é o reino dos céus. Suplicamos e parece que Deus não nos ouve. A justiça de Deus é diferente da dos homens, tarda, mais não falha! 

Apupos para o juiz. E Zé Cajé chama o doutor Felisberto Felix Promotor de Justiça. Que se faz ao microfone: 

-O BOM SAMARITANO; Lucas, capítulo 10, versículo 25 a 36. Boa Noite a todos e todas! Assim como Doutor Pacheco, ler a Bíblia pra mim, foi por ossos do ofício. No colegial, fugia das aulas de religião. Creio que essa parábola é conhecida de todos. Um homem foi assaltado, ficou na estrada moribundo. Todos passam e nada fazem, só o Samaritano o socorre. Se for de propósito, Zé Cajé, consideramos sim, o Ministério Público a casa do bom Samaritano. 

Foi aplaudido. Retornou pra mesa. E Zé Cajé chamou em seguida: O Doutor Veridiano Veras, presidente da Câmara de vereadores, em cujo cartão lia-se: A VIDEIRA OS RAMOS; João, cap. 15, Vs. 1-8. Logo em seguida, foi a vez de outro vereador Adonias Dias, o popular “Moto Bôi”, ex-presidente da associação dos mototáxicistas, o seu assessor foi quem leu, ao microfone o que tinha no seu cartão: A OVELHA PERDIDA; Lucas cap.15, VS. 3-7. Nada falou da parábola. O vereador pedia desculpas, através dele, pois estava afônico. Agradeceu,e ensejou a todos, uma Boa Noite. Hiran Iridônio, empresário, dono da maior rede de lojas de eletros e supermercados “A Preciosa”: O RICO E LÁZARO; Lucas,cap.16, VS. 19-31. O vice-Prefeito, senhor Marcondes Macário tinha o cartão com: O FILHO PRÓDIGO; Lucas, cap. 15, Vs. 11-31. Disse que muito se identificara com a parábola. E que o fato de estar hoje desentendido politicamente com o senhor prefeito, não o considerava inimigo, de forma alguma. E pra finalizar, foi a vez do senhor, Adenail Adenildo Prefeito Municipal que tinha no cartão a parábola: O ADMINISTRADOR INFIEL; Lucas, cap. 16, VS. 1-13. O prefeito confessou ser leigo no assunto. E quem o salvara naquela ocasião havia sido a esposa. Em poucas palavras narrou sua versão. E concluiu dizendo: 

-Zé Cajé, cão danado, depois que tu adoeceu, virou santo foi? É festa! Palavras de Jesus! 

Zé Cajé retomou ao microfone e declarou: 

-Bem! Estamos chegando ao final da festa pessoal. Doze foram os que vieram aqui pregar as parábolas. Doze apóstolos, tinha Jesus Cristo. Tirando Adonias, que não veio, mandou o secretário. Esse é nosso Judas. Quero que os doze, todos venham até aqui no palco. Proponho um brinde. 

Uma bandeja com doze taças circulou entre os que estavam no palco. E Zé Cajé Alencar, providenciou uma grande garrafa de champanhe verde escura. Abriu-a com um estampido. Encheu os copos dos doze. Providenciou uma taça para si, e também a encheu. Exigiu que todos brindassem, tocando as taças, de uma vez só. E assim o fizeram. Tudo fotografado, ato contínuo, levaram a taça à boca para sorver o líquido, todos ao mesmo tempo. Talvez, trinta segundos tenha sido o tempo decorrido até que começassem a cair no palco. Um a um, os doze. Mortos. 

A foto, estampada no jornal de Alagoas, no dia seguinte, trazia Zé Cajé, erguendo uma taça com champanhe, tinha no rosto um olhar diabólico e um largo sorriso na boca. Tendo aos pés doze cadáveres. Letras negras e garrafais anunciava a manchete: “Empresário de Santana do Ipanema. Mata doze envenenado”. E em letras menores, “ Ele disse que o fez, em nome de Jesus”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário