Máscara Negra

A máscara a que vamos nos referir nesse enredo, caro leitor, não vem do tempo dos Cavaleiros da Távola Redonda, do rei Artur ou de Excalibur. Vem contar, dos bailes a fantasia, de carnavais de outrora, vividos em Santana do Ipanema. Vamos, adentremos ao velho casarão de festas mais tradicional da cidade, o Tênis Club Santanense, circulemos pelo salão de dança, justo na noite que se iniciaria mais um tríduo reinado de Momo. O baile de Zé Pereira. 
Isolda, professora primária de Grupo Escolar Padre Francisco Correia, ao chegar ali, teve que correr do carro até os portões pra não molhar sua fantasia de bailarina. Uma chuva torrencial veio encher de serpentinas dágua a noite momesca e forrou as ruas de confetes de cristal. Aquele fevereiro prometia noites prazenteiras pra os foliões. 
Isolda namorava Marco, gerente da loja de miudezas, A Triunfante, de Seu Manoel Constantino. Estavam a uma semana sem se verem, sem se encontrar. Tudo por conta de uma discussão que tiveram, por questões de ciúmes dele, coisa de namorado apaixonado. Naquela noite a reconciliação. Ele ainda não chegara ao clube. 

A nossa vida é um carnaval
A gente brinca escondendo a dor
E a fantasia do meu ideal é você meu amor
Jogaram cinzas no meu coração
Tocou silêncio em todos clarins
Caiu a máscara da ilusão
Dos Pierrôs e Arlequins

Marco e Isolda já namoravam a mais de cinco anos. Em todos esses anos, iam ao baile de carnaval com a mesma alegoria. Suas fantasias eram: Ele de Erik, o fantasma da ópera, ela de Cristine, a bela cantora bailarina. Naquela noite mágica, os protagonistas do folhetim do francês Gaston Leroux, de meados do século dezenove, ressurgiriam dos porões do castelo da ópera e reviveriam naquele salão de baile sua ardente paixão. 

Quanto riso Oh! Quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão

Marco iniciou-se a beber no começo da noite, assim que chegou do comércio. Estreou um litro de whisky, que ganhou do patrão, tomou várias doses grandes, ao estilo caubói, estava muito cansado, o sábado, na loja, tinha sido bastante puxado. Ainda mais na sessão de artigos carnavalescos. Quando sua mãe chamou-o para jantar, meio litro do destilado ele já havia ingerido. Nada comeu. Tomou um banho e foi desamarrotar a fantasia. Deitou-se para dar um pequeno cochilo, acabou dormindo profundamente. 

Eu sou aquele Pierrô
Que te abraçou e te beijou meu amor
Na mesma máscara negra
Que esconde teu rosto
Eu quero matar a saudade

Pra nossa história ficar completa, não poderia faltar ele, Tristão de Isolda. E ele veio ao baile. Veio na pele de Tião, melhor dizendo, na pessoa do jovem oftalmologista, doutor Sebastião, filho da doutora Morgana, conceituadíssima advogada de nossa cidade. Tristão, ou Tião como queira, morava em Recife, dificilmente vinha a Santana do Ipanema, mas nesse carnaval, veio. Escusado seria dizer, mas diremos assim mesmo, nosso personagem chave, foi ao tênis Club Santanense, trajado claro, de Erik, o fantasma da ópera, tal e qual como Marco iria. 

Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval

Isolda ao ver o fantasma da ópera dançando no salão, julgando tratar-se do seu fantasma, foi ao seu encontro atirando-se em seus braços. A euforia do frevo, o éter já consumido e a saudade de vários dias sem o ver o amado, a fez entregar-se sem restrições. Poe alguns segundos teve o ímpeto de tirar-lhe do rosto a máscara, mas o mancebo, por trás da máscara sorriu, sabia que estava sendo confundido com alguém e não o permitiu. Ali diante dele a bela Isolda, a bailarina loura, a moça das mãos brancas, veio assim como um presente, uma dádiva dos deuses pra aquela noite. 

Um Pierrô apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma Colombina
Acabou chorando, acabou chorando

Tristão e Isolda dançavam avidamente, entregues ao sabor da alegria e do encanto do carnaval. Tião dominara totalmente a situação, protegido pela penumbra, por vezes, beijou-a ardentemente. Isolda sentindo-se a mais feliz das mulheres lhe correspondia. Por fim calaram-se os clarins, quando já o dia vinha raiando. Finalmente Isolda pediu ao fantasma da ópera que tirasse de vez à máscara. Para sua surpresa ele novamente recusou-se. Perplexa viu-o afastar-se, acenando-lhe, ainda deu pra ouvi-lo repetir a frase com a qual o vocalista da banda encerrara o frevo: 

-Até ano que vem!

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