Pó e Folia de Carnaval


Vibração intensa se da pela festa mais profana do ano, o entrudo. As ruas, as casas, o povo, numa só expansão eufórica. Ornamentações, alegorias, tudo num redemoinho em festa. Mas isso não se observa apenas no quartel general do frevo à praça Senador Enéas Araújo, no comércio de Santana do Ipanema. 
A energia frívola é percebida fluindo no mais recôndito canto do município. Mesmo na última casinha de taipa, na subida da serra da microondas. De onde da pra se ver um filete de fumaça subindo por cima das telhinhas enegrecidas pelo fumo. Uma antiga marchinha de Claudionor Germano dava pra se ouvir num rádio longe, avisava que já era carnaval. Josué de Jesus Maria Odete moravam ali. 


Àquele carnaval, Jesus iria passar sozinho. Odete voltara, mais uma vez, pra casa de sua mãe, na rua de Zé Quirino. Motivou o desenlace do casal, mais uma briga. Foi assim, Jesus chegou da rua, vindo da obra, onde era servente de pedreiro. Encontrou a casa cheia de amigos da esposa. Ouviam música, tomavam cachaça e fumavam crack. Por conta desse desmantelo, Odete nem preparava comida, nem lavava suas roupas. Essa situação insustentável levou-os aos distratos e mais uma separação. 

Primeiro Dia 

No domingo de Momo, ainda cedo Jesus começou a beber. No bar de Erásmo estava na companhia de Cláudio, o pedreiro a quem servia na reforma da casa do doutor Edgard Monteiro, promotor de justiça. Parada a obra por causa da festa do Zé Pereira. Edmilson, primo de Odete, um vagabundo envolvido com tráfico de maconha, em particular, puxou conversa sobre a prima, disse pra Jesus se ligar, pois achava que ela o estava traindo, com um rapaz de nome Rogério, mas conhecido por todos como Neguinho. No momento em que falavam sobre isso, chegou o bloco dos Cangaceiros, do qual Rogério participava. E Jesus foi ter com Neguinho. A efervescência do álcool consumido fê-lo agressivo na abordagem. Tomou satisfação puxando o rapaz pela gola da fantasia. Recebeu um empurrão, Neguinho também estava bêbado. Os demais integrantes do bloco interveio evitando mútuas agressões. Em tom de ameaça Neguinho disse que aquilo não ia ficar assim. Pelas ruas, carros zoadentos, transeuntes melados de massa de trigo e corantes desfilavam animadas. Tudo envolvido numa etérea bagunça. À noite na praça do frevo, lá ia Jesus cambaleante, esfarrapado, irreconhecível. Coberto por uma máscara de pó no rosto. Por volta da meia-noite, não suportando mais sucumbiu ao cansaço na calçada do Bar Comercial. Jesus caiu pela primeira vez. 

Segundo Dia 

Os raios de sol matutino vieram acordar nosso folião. Ainda sob o efeito do éter foi pra casa, dormiu o dia todo. Acordou por volta das sete da noite, tinha sede e fome. Foi até o fogão de alvenaria à lenha, procurou por comida, não encontrou nada. Uma idéia meio doida lhe veio a cabeça, cobriu-se com as cinzas do fogareiro, vestiu um saco de estopa. Sentiu-se fantasiado. A figura grotesca, lembrava o rei Davi, na ocasião das lamentações, por ter ofendido o Senhor. Daquele jeito, foi pra praça da folia. Encontrou-se com Odete. Ela estava com umas amigas, trajava uma blusa sensual e provocante e um minúsculo short, além de maquiagem extravagante. Era visível a irritação de ambos. Nenhum dos dois gostavam do que viam um no outro. Ele tocou no assunto sobre Neguinho. Ela negou que jamais tivesse tido nada com àquele. Jesus desapareceu no meio da multidão em frenesi. Encontrou Edmilson que o levou até a ladeira de pedras que da acesso a rua professor Enéas, protegidos pela escuridão, fumaram maconha ali. E retornaram pra folia. A barra do dia se fazia quando lá ia Jesus mambembe pra casa. Só conseguiu chegar até ao pedestal da estátua da praça São Pedro. Cai Jesus de novo, desta vez aos pés de Pedro. 

Terceiro Dia 

Era perto do meio-dia quando ele despertou. Acordou com a batucada do bloco Intimidade com a Sogra. Animou-se a acompanhá-los e assim o fez. Andaram pelas ruas da cidade. Um rapaz portando um frasco de lança-perfume apareceu ali, atreveu-se Jesus a pedir-lhe um porre, e este o deu. Sem alimentar-se, sustentando-se apenas com a combustão do acetato de etil, nosso folião já dava sinais de enfraquecimento. Um saltimbanco aos farrapos. E a derradeira noite de pândega e furdunço se fez. Ao som esfuziante da marcha vassourinha, que sempre sacode explosivamente a massa humana, encontrou-se Jesus com Neguinho. Seu desafeto trazia uma garrafa de cerveja na mão, imediatamente estourou-a no calçamento e com o gargalo pontiagudo investiu contra sua garganta, estraçalhando aorta e jugular. O sangue brotou em jorro abundante. E Jesus caiu pela terceira vez, morto.




Fabio Campos

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