Vibração intensa se da pela festa mais profana do ano, o entrudo. As ruas, as casas, o povo, numa só expansão eufórica. Ornamentações, alegorias, tudo num redemoinho em festa. Mas isso não se observa apenas no quartel general do frevo à praça Senador Enéas Araújo, no comércio de Santana do Ipanema.
A energia frívola é percebida fluindo no mais recôndito canto do município. Mesmo na última casinha de taipa, na subida da serra da microondas. De onde da pra se ver um filete de fumaça subindo por cima das telhinhas enegrecidas pelo fumo. Uma antiga marchinha de Claudionor Germano dava pra se ouvir num rádio longe, avisava que já era carnaval. Josué de Jesus Maria Odete moravam ali.
Àquele carnaval, Jesus iria passar sozinho. Odete voltara, mais uma vez, pra casa de sua mãe, na rua de Zé Quirino. Motivou o desenlace do casal, mais uma briga. Foi assim, Jesus chegou da rua, vindo da obra, onde era servente de pedreiro. Encontrou a casa cheia de amigos da esposa. Ouviam música, tomavam cachaça e fumavam crack. Por conta desse desmantelo, Odete nem preparava comida, nem lavava suas roupas. Essa situação insustentável levou-os aos distratos e mais uma separação.
Primeiro Dia
Segundo Dia
Os raios de sol matutino vieram acordar nosso folião. Ainda sob o efeito do éter foi pra casa, dormiu o dia todo. Acordou por volta das sete da noite, tinha sede e fome. Foi até o fogão de alvenaria à lenha, procurou por comida, não encontrou nada. Uma idéia meio doida lhe veio a cabeça, cobriu-se com as cinzas do fogareiro, vestiu um saco de estopa. Sentiu-se fantasiado. A figura grotesca, lembrava o rei Davi, na ocasião das lamentações, por ter ofendido o Senhor. Daquele jeito, foi pra praça da folia. Encontrou-se com Odete. Ela estava com umas amigas, trajava uma blusa sensual e provocante e um minúsculo short, além de maquiagem extravagante. Era visível a irritação de ambos. Nenhum dos dois gostavam do que viam um no outro. Ele tocou no assunto sobre Neguinho. Ela negou que jamais tivesse tido nada com àquele. Jesus desapareceu no meio da multidão em frenesi. Encontrou Edmilson que o levou até a ladeira de pedras que da acesso a rua professor Enéas, protegidos pela escuridão, fumaram maconha ali. E retornaram pra folia. A barra do dia se fazia quando lá ia Jesus mambembe pra casa. Só conseguiu chegar até ao pedestal da estátua da praça São Pedro. Cai Jesus de novo, desta vez aos pés de Pedro.
Terceiro Dia
Era perto do meio-dia quando ele despertou. Acordou com a batucada do bloco Intimidade com a Sogra. Animou-se a acompanhá-los e assim o fez. Andaram pelas ruas da cidade. Um rapaz portando um frasco de lança-perfume apareceu ali, atreveu-se Jesus a pedir-lhe um porre, e este o deu. Sem alimentar-se, sustentando-se apenas com a combustão do acetato de etil, nosso folião já dava sinais de enfraquecimento. Um saltimbanco aos farrapos. E a derradeira noite de pândega e furdunço se fez. Ao som esfuziante da marcha vassourinha, que sempre sacode explosivamente a massa humana, encontrou-se Jesus com Neguinho. Seu desafeto trazia uma garrafa de cerveja na mão, imediatamente estourou-a no calçamento e com o gargalo pontiagudo investiu contra sua garganta, estraçalhando aorta e jugular. O sangue brotou em jorro abundante. E Jesus caiu pela terceira vez, morto.
Fabio Campos
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