O endereço aludido ao título dessa
história, caro leitor e leitora, fica nas proximidades do sétimo Batalhão da Polícia
Militar de Alagoas, companhia de Santana do Ipanema. Justo neste local, vamos
nos encontrar neste momento, no leito da pista asfáltica federal. Cuja mão,
leva os viajores rumo à capital alagoana, e contra-mão, os devolveria a cidade
de Santana. Há um sol, de nove da matina, arestado pro lado leste que vem aquecer
o asfalto. Liberando no ar, vapores do betume recém colocado. O céu límpido,
azulado, quase desanuviado, denuncia ser dessas, uma manhã setembrina. De onde
estamos da pra ver, ao norte, o esverdeado sopé do serrote dos macacos. Um
rapaz segue calmamente, guiando uma moto em direção a cidade de Dois Riachos.
De repente escuta, vindo de sua retaguarda, o frenético barulho da sirene de uma
viatura da Polícia Rodoviária Federal. Com um sinal de mão, um dos patrulheiros
o obriga a parar no acostamento. O que guiava permanece ao volante, e o outro
desce para abordar o jovem motociclista:
-Documento da moto e habilitação,
por favor!
O que fora solicitado foi
prontamente atendido.
-A fivela da parte inferior do
seu capacete não está abotoada. Por quê?
-Dessa vez, por descuido. Mas
sempre coloco...
-Não está colocada agora! Isto é
uma infração e vai lhe custar uma multa!
-Só por isso?!...
-Depois desta, nunca mais
esquecerá de colocar! Além do que isto poderia lhe custar à vida, sabia?
O rapaz, de nome Luiz, morava em
Dois Riachos, onde tinha uma oficina de conserto de motos, era o filho
primogênito de Dona Carminha, professora aposentada. Havia passado o final de
semana na casa de uma tia, em Santana do Ipanema. Ali, namorava uma moça,
chamada Bruna. Naquela manhã de segunda-feira retornava pra casa.
De repente uma caminhonete
desenvolvendo alta velocidade, surge na curva. O motorista é surpreendido ao
ver a blitz, é um rapaz, ele não tem habilitação, sozinho conduzia o carro do
pai até o sítio onde moravam ali próximo. O nervosismo e a velocidade exacerbada, o faz perder
o controle do volante. E atira-se implacavelmente contra o acostamento, onde se
encontravam o policial e o motociclista. O guarda foi atingido na perna,
enquanto que o corpo de Luiz foi arrastado por vários metros junto com sua moto
que ficou despedaçada.
Luiz estava morto. Foi tudo tão
rápido. Ainda ele, nem se apercebera do que acontecera, e seu corpo
ensanguentado, estava lá estendido ao chão. Via a si mesmo, no chão, inerte. Apenas
via, nada sentia. Não havia mais respiração, não sentia o peso do seu corpo, o
incômodo do calor, a sudorese. Nem a luz do sol nos olhos, nem a boca seca,
nada disso mais incomodava. Não entendia o porquê daquela paz indescritível da
qual se sentia envolvido. Paz que o ato de estar vivo jamais poderia lhe
proporcionar. Nada do que acontecia ali, parecia ter mais interesse algum. Nada
daquilo fazia mais parte dele. A leveza do seu ser, noutra dimensão, sem as
intempéries do corpo e do espaço físico, fazia-o incrivelmente despreocupado,
mesmo diante do que acabara de acontecer. Já muitos carros que passavam haviam
parado pra ver o acidente, um aglomerado de gente em torno do sinistro. Alguns,
muito aflitos, outros, apenas curiosos. Ninguém o percebia ali em pé. Todos
queriam ver, ou fazer algo, pelo seu corpo. O jovem motorista infrator fora
preso. O guarda com a perna quebrada socorrido. Quanto ao seu corpo, Luiz o viu
seguir na mala da viatura, envolto num cobertor. De repente um homem veio vindo
em sua direção. Olhava diretamente pra ele. Aquele sim, teve certeza que lhes
via. Era um senhor de mais ou menos setenta anos, moreno de cabelos e bigode
grisalho, com calma perguntou-lhe:
-Isso aconteceu com você?
-Sim...
-Comigo foi à muito tempo. Eu
vinha da roça com um carro de boi carregado de palma. Era noite, nessa mesma
curva, apareceu outro maluco num caminhão...
Apontou o local. Haviam
construído, um daqueles santuário em miniatura. Aonde os familiares costumam
depositar mortalhas e acendiam velas em dia de finados. Luiz pra lá olhou, e conseguiu
ler, o que havia escrito numa cruz de ferro preta, em letras brancas: Antonio
Calixto. Uma estrela indicava a data de nascimento, era de 1925; uma cruz
assinalava a data do dia fatídico, que estava apagado, só dava pra ver, mês e
ano, outubro de 88.
Um garoto de aproximadamente oito
anos, do nada, apareceu ali. Olhou pra Luiz e seguiu até onde estava o
burburinho. Apenas Seu Antonio e Luiz conseguiam vê-lo. E o velho Calixto que
ainda permanecia ao seu lado comentou:
-Tá vendo esse menino? Chama-se
Pedrinho era filho de compadre Ismael. Foi atropelado lá adiante, vinha da
escola de bicicleta. Era por volta do meio-dia, um caminhoneiro encandeou-se
com o sol, passou por cima que nem viu!
Alguns anos se passaram desde
então...
Em Santana do Ipanema, Valkíria
irmã de Bruna, namorava Roberto, que estudava do Ginásio Santana, filho de
Messias, ex-bancário aposentado. Valkíria uma menina ainda, só quinze anos
tinha. Acabaria por engravidar do namorado. Por várias vezes pensou em provocar
aborto. Tinha medo, da reação de Dona Corina e Seu José de Arimatéia, seus pais
que eram feirantes. Tinha medo de que a expulsasse de casa, mas nada disso aconteceu.
Faltando pouco mais de duas semanas para o seu filho vir ao mundo Valkíria, teve complicações, na gravidez de
alto risco.
Levada às pressas ao hospital
Doutor Arsênio Moreira, foi imediatamente encaminhada pra Maceió. A ambulância
que a conduziria tinha acabado de chegar da capital alagoana, e já voltava com
a nova paciente. A noite já se fazia. Ao chegar no quilômetro cento e oitenta e
quatro, o motor da viatura médica principiou um incêndio. O motorista
imediatamente parou o automóvel de socorro. Pobres homens aflitos, o pai de
Valkíria e o motorista, a muito custo conseguiram apagar o incêndio iniciado. Arrefeceram
o calor do carburador, a origem do problema. Inevitavelmente uma pequena
mangueira ficou destruída pelas labaredas que se iniciou no motor. Iriam passar
horas ali até que alguém os socorresse. De repente, da escuridão da noite, apareceu
um rapaz que se prontificou a ajudar. Disse o mancebo que entendia um pouco de
mecânica de carro. Levou o motorista até o acostamento e pediu que pegasse um pedaço
de mangueira preta de sua moto que ele havia deixado ali, e o orientou como
fazer uma gambiarra pra tirar o veículo da pane. E realmente serviu. A
ambulância seguiu viagem, e Valkíria pode salvar-se, e a seu filho. Passado o
susto, o médico que a socorrera comentaria que se demorasse um pouco mais,
teriam ela e o bebê morrido. De volta a Santana do Ipanema, na porta do
hospital, o motorista da ambulância, contaria o sucedido aos colegas. Um dos
amigos lhe perguntaria:
-E esse rapaz que lhe ajudou no
reparo da ambulância, por acaso você o conhece, sabe seu nome?
-Ah! Isso eu fiz questão de
perguntar, onde ele morava e seu nome, pois prometi um dia ir visitá-lo! Mora
em Dois Riachos e chamava-se, Luiz.
Nota do autor: Os contos "Liras de Minha Rua"(20.06.13); "O Crime da Rua Tertuliano" (22.02.13)e "Negrão dos Cavalos"(04.05.12) estão com gravuras atualizadas
Nenhum comentário:
Postar um comentário