Damas, Valete, Rei

O homem que nem ao menos sabemos como se chamava, ia. Por inteiro. Impregnado da noite. Noite, estrondosamente estufada de gente. Carnaval de gente e som. Levado pelo frevo ia. Sem saber, porque, nem pra onde. Pela multidão sendo levado, ia. Ah! E como sentia! E como achava bom, pelo povo sendo levado. Entregue a praça, ao deleite. Os espaços demasiadamente tomados. Seria um sonho?  Que se danassem os sonhos! Olhos vítreos de pupilas dilatadas, e córneas ressecadas. O vento, de um frio que não dava pra sentir, no rosto soprava.

Muita gente, uma só letargia. Respiração uníssona, ofegante. Bolha de gás carbônico a pleno pulmões explodida. Do chão disseminando calor dos corpos em atrito. Segregando temperatura amena, pelo ventre vindo, excitando mamilos. Enquanto fluía fumo, de aromáticas plantas tropicais subindo a cabeça, no meio da multidão. Misturando-se a vapor dos destilados ingeridos, exalados. Pelas narinas dilatadas, captando o cheiro de fêmeas no cio, provocando êxtase. Centelhas de energia cinética, viajando pelos neurônios, entre plaquetas e hemácias, desfilando seu bloco pelas principais artérias. Embebidos de etanol, indo requisitar adrenalina, pondo a circular de volta pelas veias, indo explodir o coração. A excitação, pondo o sangue a correr. Cabelos molhados, pelos eriçados. E a sudorese das latinhas, transbordantes de fermentados, escorria pelos braços. Ensopando os pelos do peito até o púbis, formando uma pasta de maisena, suor, e cerveja, que empapava o sexo. Marchinha, refrão. A marcar o passo. Refrão marca-passo. E o homem misturado no meio do povo ululante pulava. Povo pulante ululava. E que ninguém se escandalizasse se ele num de seus saltos, conseguissem alcançar uma estrela. Porque aquele que cantava instigava a isso. E a melodia trazia magia pra praça.

Reis e rainhas, magos, bruxos, duendes. Fadas aladas, com toda pujança em seus sexos ávidos de carícias e olhares. Com suas frágeis asas desciam bem no meio dele. Ninfas semi-nuas lânguidas porem com a volúpia de quem queria fazer amor. Beijavam a borda de seus copos, deixando marcas do baton dos seus sensuais, carnudos lábios.  Impudicas mulheres da ilha de Lesbos. Insinuantes, provocantes, como a querer amarem-se entre si mesmas. Num perigoso jogo de sedução, numa instigante troca de gestos e olhares lascivos. Duas irmãs, bailando incestuoso bailado. Num roçar libidinoso de corpos. Esculturais corpos de Afrodite e Helena de Tróia. Vez ou outra seus olhos como línguas maliciosas, iam lamber nosso Édipo. Aquela altura, de sexo rijo, sonhava em possuir uma dentre aquelas lindas filhas de Medusa. Aqueles olhares dava-se a perceber que o homem e aquelas mulheres precisavam um do outro. Se haviam tornado cúmplices, por enquanto, meramente como espectadores. Admiravam-se declaradamente com os corpos. Ele não hesitaria em levar a cabo o intento de possuir uma delas, ali mesmo. Elas provocavam-no, enquanto acariciavam-se até conseguir o que esperava: que ele se pusesse a se masturbar. Ele queria que elas entendessem que o que fazia, fazia por elas. E enquanto praticava o ato de amor solitário, estendia a mão desocupada, em sua direção. Como se dissesse que desejava ardentemente possuí-las. E elas avançavam com a dança, uma dança do ventre. Odaliscas, vicejante de desejo, diante do membro viril externado. E extravasavam suas mais animalescas fantasias. Suas vulvas molhadas, os pequenos lábios inchados, em flor. Friccionavam o clitóris intumescendo-o, duplicando de tamanho. Liberando cheiro adocicado de seu sexo úmido, num preparativo para serem penetradas, sob os shorts chegavam ao orgasmo que as levavam ao cosmo.

Tudo, em tudo, no ápice do frevo, se assemelhava as orgias promovidas pelo deus Baco. Lindas ninfetas, com esdrúxulos adornos de cabeças. Cornos faiscantes, e rabos de gatinha enfeitando seus belos glúteos provocantes. Nas mãos cassetetes possantes, que lembravam bem dotados pênis de homens negros. E os introduziam entre as pernas, roçando com vigor em suas vaginas, por cima dos lingeries, almofadados de pelos pubianos.  Com seus clitóris intumescidos, e as vulvas inchadas de prazer. Frenesi, como a dança de acasalamento carecendo levar a termo seu fim derradeiro, o coito. As damas já tinham feito sua parte. O nosso Valete, aríete, indubitavelmente aguardava a oportunidade de extravasar o mais recôndito instinto presente na espécie varão, que era o de conjunção carnal. Satisfação plena dos desejos da carne. Era carnaval.

De repente, sobre o tablado a banda silenciou. O locutor fazendo um pouco de suspense fez ressoar os clarins, e rufar os tambores solenemente, para anunciar a chegada do rei. O rei Momo, e a rainha do carnaval. O rei bonachão, todo ele obesidade. Adiposidade de riso, de acenos, e traje espalhafatoso. Muito mais remetendo a figura do bobo da corte que a dum rei.  Cuja pança, ia adiante abrindo caminho pra que seu dono ocupasse o espaço conquistado. Aonde normalmente caberia pelo menos dois, só ele ia. Ladeado de linda garota, formavam o paradoxo da beleza. Ele representando o hilário, não fosse àquela a festa da permissividade da carne, ridículo seria. Ela, trajada em minúsculo biquíni, ostentava toda a feminilidade de corpo escultural, em rosto, olhos, cabelo e sorriso jovial. Concorrida, a ponto de causar inveja entre as amigas, e seus pares. A lascívia, a gulodice dos marmanjos, dedicada a ela, causava-lhe certo constrangimento. Em especial ao perceber que seu público os mancebos, despudoradamente, levavam as mãos aos seus cachos, e os sacudiam em sua direção. Como a lhes oferecer em sinal de aprovação. Brutalmente a dizer, o quanto a desejava. Daquele momento em diante estava oficialmente aberta à festa momesca. O tríduo folianesco, declarado aberto o carnaval. Para alguns era como se dissesse que daquele momento em diante, por três dias, tudo seria permitido. E o prefeito passou a caricata chave, ao rei frívolo, para que governasse sua cidade, durante os dias de folia, com muita alegria.

O nosso Valete, o folião sequioso por sexo, partiu em direção ao grupo de damas. Curiosas aguardaram, pra saber qual, ele faria sua presa. Enlaçou pela cintura a primeira que alcançou. A receptividade foi consequência. Entrega total, há de se considerar reação. Envolveram-se em carícias. Num instante beijavam-se avidamente. Pernas e coxas entrelaçadas.  A bermuda e o short, de um tecido elástico, facilitaram o caminho para os sexos se encontrarem. A multidão frenética pela volta das marchinhas caíra no frevo em puro êxtase. A lua, as estrelas, milhares delas, lá no alto, salpicando a flâmula negra do teto do mundo, testemunhava a volúpia carnal, do casal. Se amando na praça feito uns animais. Atentando, despudoradamente, contra o pudor. De repente mais alguém, além dos astros luminosos, descobriu o casal transando no meio da multidão. O prefeito, sem autoridade nada pode fazer. O rei interveio, mas de nada adiantou. O Coringa e a Dama, pela polícia rebocados no camburão. Trancafiados numa tranquila cela da Cadeia Municipal, foram continuar o que - não sendo mais como no tempo de Baco - não era mais permitido fazer em público no carnaval. 
      
Fabio Campos

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