Um ser
incrivelmente grande, e perigosamente destruidor, naquela direção vinha vindo. E
o menino Marcos, do nada surgido, no meio da floresta, atordoado. De repente,
um gato siamês apareceu. Passou correndo. Reconheceu! Aquele gato era Derick!
Tinha certeza! Pela tonalidade do pelo. A ponta das patas, as orelhas e o
focinho queimado, não tinha dúvida era ele. Debaixo do sol àquela hora do dia.
Ainda mais bela e acinzentada ficava sua pelagem. Gatos que já havia morrido, a
sair correndo do meio da selva. Fugindo de algo do qual tivera medo. Normalmente
isso só acontecia em sonho. Certeza não tinha ainda, mas era muito provável que
estivesse sonhando.
A vila, e
suas casas caiadas. Aqui acolá, uma casa de outra cor que não o branco. Azuis azulejados. Amarelos alaranjados. Tudo duramente, de sol azougado. As ruas largueadas, tão espaçosas a ponto de
tornar nanico tudo que estava na outra margem. E acabava indo pra outros tempos.
Num outro lado de tudo. Num tempo em que o estilo de vida era chamado de
colonial, e os modos do povo, feudal. Homens carreando carros de boi. Deles que
açoitavam tão violentamente os pobres animais que os patrulheiros da guarda
florestal intervinham, e coibiam severamente tais excessos. A roda cantadeira, de
pau e ferro, ia carimbando o barro batido. Enfeitando o chão com o par de fitas.
Se esticando, se esticando, pra só-quem-sabe-é-deus, pra onde ia. Macarroneando
a estrada. Entremeadas de conchinhas, com um “vê”, dos cascos bipartidos. Charretes
puxadas à mula levavam e traziam Lordes e Sinhazinhas belamente trajados. Damas,
em vestidos de muitos laços, anáguas e babados, graciosos chapéus cobrindo suas
longas madeixas. Cavalheiros, de ternos, gravatas borboletas, cartolas. Lenços
em tons pastéis, no bolso do peito. Bengalas nas mãos de luvas, as pedras dos
broches na lapela, flamejantes, a ferir os olhos dos passantes. As lentes dos
óculos do barão. O brasão em latão, no alto do prédio do governo municipal. Sombrinhas
não tão atrozmente sérias, sendo armadas com gestual excessivamente túrgido de
polidez. Como flor de intumescência insinuantemente sexual. Os estribos das
carruagens, vindo calhando como apoio às botas lustrosas, os sapatinhos forrados
de fitilho e sianinha. Ao descer corriam a se proteger da poeira, da lama, e do
sol. As montanhas do lado do sol poente foram pra tão longe que os olhos
marejavam de tristeza só de olhar. No lado oposto, no entanto, havia uma que de
tão próxima parecia que se podia tocar com a mão. Pra onde levaram o rio?
Lembrou do rio que passava por detrás das casas. Por que o sol mudara de
posição? Por que agora ia se por do lado contrário? Era rio temporário, no tempo
de outrora não estava seco, pois era inverno. Areal aboletado de cansanção,
mancambira, facheiro, maniçoba. Os verdes vistosos. Mandacarus sabiavam Sabiás
Laranjeiras. Colibris borboleteavam, doidos pra se deleitar nos peitos cor
púrpura das cactáceas. Espinhos longos, pontudos sem nenhum remorso, sangrariam
a garganta de qualquer tiziu, que se aventurasse sugar o néctar de um daqueles
mamilos.
Um
condado mexicano era o que aparentava. E havia tanta brancura nas coisas que
estavam no chão, ou pairando no ar, no céu azul, e nas nuvens. A torre da santa
igrejinha branquinha com o mesmo formato do portal do tempo. Na taberna que
Tagor Fashall bebeu vinho só havia breu. No mundo dos sonhos era assim. Ninguém
tinha a menor ideia do que iria acontecer no momento seguinte. Derick era todo cinza,
perto de meio dia ficava azulado, e totalmente negro de noite. Um apartamento
cor de rosas vermelhas, encimado num primeiro andar. Em baixo ficava a garagem.
Lamparinas pendidas do teto, em silêncio àquela hora da matina, pra não acordar
os pirilampos. A escada tão perpendicular, e de tantos degraus, que se não
tivesse cuidado levaria Marcos pro portal que dava acesso a ilha. Era só chegar
da escola dormindo e pronto, ia pra lá. Já havia esquecido porem ao ver
novamente, acabava lembrando. Aquela estrada que ninguém sabia de onde vinha, nem
aonde ia dar. Aquela estrada todo dia passava e levava um velho puxando uma
mula, igualmente velha. Tinha agora mesmo que recomeçar. Mas por onde mesmo
começar? Pelo livro que Antonieta lhe dera. Não demoraria a descobrir que
aquele não era apenas um livro. Era um livro mágico que o levaria a descoberta
de todo mistério. A mãe de Derick viu quando Rafael Bertrand chegou na sua
motocicleta barulhenta, entrou na garagem. E ela, a gata Milu sorrateiramente
entrou também. Ninguém sabia, somente ela mesma, que estava prenha e acabou
tendo ali sete gatinhos. Acontece que cinco deles acabou entrando pelo portal
do tempo, somente dois deles permaneceu ali.
Chiclete
e Bola de gude foram estes os nomes que Marcos pôs nos dois gatinhos. Foi numa
manhã que seu pai mandou pegar uma chave de fenda, pra consertar sua bicicleta,
que os descobriu escondidos dentro dum caixote debaixo da bancada. Com medo que
seu pai descobrisse e resolvesse livrar-se dos intrusos, com os dois bichanos selou
um acordo, manter-lhes-ia escondidos em segredo. A mãe de Marcos nunca
desconfiou, nas refeições ele colocava um pouco de comida num guardanapo,
guardava no bolso e levava pra Chiclete e Bola de Gude. Saindo em disparada Marcos
conseguiu alcançar Derick, os dois se abrigaram numa fenda da rocha. Passado o
susto conversavam bastante na entrada da gruta do Santuário. Falaram do trovão,
e da parede que o grande dinossauro derrubou quando passou. Derick sabia de
muita coisa, sabia que Tagor Fashall havia sim cometido um crime, e por isso
jamais encontraria o tesouro perdido. O tesouro reservado estava para uma
pessoa sem culpa, e que só boas obras tivesse realizado na vida. Derick achava
que Marcos tinha chances de descobrir o tesouro, porem não seria fácil.
Prometeu noutra oportunidade contaria mais sobre Tagor Fashall. Na hora do
desespero os amotinados haviam fugido, e agora, aos poucos retornavam.
Encontraram o acampamento totalmente destruído. Semelhava a destruição de um
rio quando vinha uma enchente. Dos alienígenas nem sinal. Apenas o feixe de luz
tênue que saía do cume da montanha subia até o espaço, e desaparecia de vista
quando atingia o fim da atmosfera. Tagor Fashall e Antonieta tanto caminharam pela
praia que acabaram chegando ao outro lado da ilha. Morion Lucindo havia voltado
pra vila, Émile Passion ao vê-lo desmaiou. Foi forte demais pra ela, ver seu
velho pai são e salvo, voltar da terra dos mortos. Tanta era a curiosidade dos aldeões
que iam à oficina, a verem com seus próprios olhos o morto-vivo. Somente na
aparência o ferreiro da aldeia parecia o mesmo. Estranho estava no modo de
agir, parecia outra pessoa. Uma questão ainda tinha que ser esclarecida, quem
realmente o assassinara. Fora intimidado a depor, mas teria dito ao delegado
que de nada recordava. O homem da Lei confabulou que das duas uma: ou ele
queria livrar o sobrinho Rafael Bertrand do crime, ou reforçava a tese de Tagor
que aquele não era Seu Lucindo de corpo e alma. Achava que seu corpo estaria
hospedando um alien, retornara a vila tão somente para investigar, e levar informações
para os extraterrenos. Quando alguém perguntava como era no mundo dos mortos,
Seu Lucindo contava uma história:
“Assim que a gente morre, Hermes o deus mensageiro, dos pesos e
das medidas, vem ao nosso encontro, e conduz nosso espírito até o reinado de
Hades, do rei Érebo da terra dos mortos. Um palácio sombrio e sinistro com
portões monumentais, eternamente guardados por Cérbero, o cão de três cabeças e
cauda de serpente. Mediante o pagamento do óbolo o barqueiro Caronte, em sua
barca, atravessa os mortos através do rio Aqueronte. Minha filha Émile pôs a
moeda de um danake debaixo da minha língua por isso pude pagar. Porem vi muitos
mortos que não tendo como pagar estão à margem do rio, e lá permanecerão por
toda eternidade. A terra dos mortos fica no extremo ocidente, além do rio
Oceano, muito abaixo da superfície da terra, lá se encontra o portal do castelo
de Cumas. No topo da montanha de Aqueron. Onde nascem e descem vários rios. O
Rio Flegetonte, o rio de fogo, que purifica os espíritos de tudo de ruim que
adquiriram em vida. O Rio Cócito, o rio do pranto e do lamento, onde as almas
se arrependiam de tudo de ruim que fizeram na terra. O rio Erídano, o rio em
que os mortos têm de prometer nunca contar aos vivos o que viram naqueles
domínio. Rio Lete, o rio do esquecimento, os mortos são obrigados a beber de
suas águas para esquecer tudo o que haviam vivido aqui na terra. O rio Estige,
o rio da imortalidade, ao beber de sua água os homens se tornam imortais. E
finalmente o rio Aqueronte, o rio da eterna aflição, onde as almas experimentam
a travessia, donde nunca mais podem voltar. O feroz guardião permite somente a
entrada, não deixam porem ninguém mais sair. A morte é um caminho sem volta.
Não foi pra mim, porque os espíritos dos planetas distantes me resgatou.
Nem tudo no mundo dos mortos é só aflição. Têm os Campos Elísios,
também chamado de “Ilha dos Bem-Aventurados”. Um lugar aprazível e de grande
beleza pra onde são levados os heróis, os santos, os poetas. Ali o sol brilha
eternamente, e dum alto monte cai uma cascata de vinho, onde se pode beber
quanto se queira, sem se embriagar. E o vale das almas Nemôsine, os iniciados
em desvendar mistérios. Os que estão ali ficam mil anos, até apagar-se tudo de
terreno que houver neles. Depois dessa purificação, lhes são revelados os
segredos do portal, e por isso poderão um dia voltar a terra, em forma de
animais.”
O Grande
Dinossauro por onde passou grande estrago fez. Ninguém sabia, mas viera das
profundezas da terra atendendo um chamado dos aliens. Das profundezas
glaciais da ilha, o fóssil acordou. Controlando sua mente através de uma
mensagem telepática, os alienígenas lhe encarregaria de tirar, com sua força, uma
grande pedra que obstruía o acesso até a sala do tesouro. Pra chegar até lá, o
réptil pré-histórico destruiu tudo que viu pela frente, árvores enormes na floresta,
o acampamento. Suas pegadas ocasionaram crateras que um dia se encheria com água
da chuva e seriam chamados de açude. Enquanto
fazia a escavação o Tiranossauro Rex acabou encontrando um Coendou prehensilis,
um Quandú gigante, que hibernava dentro de sua toca. O roedor tamanho família
acordou furioso. Os dois bichos se atracaram. Acredite, a briga foi feia.
Fabio
Campos 08 de junho de 2015 (Não foi ainda o fim...)
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