UMA VEZ QUATRO (Tempos Modernos - Lulu Santos)


“Eu vejo a vida melhor no futuro 
Eu vejo isso por cima de um muro 
De hipocrisia que insiste em nos rodear” 

Elemento Água. Era uma vez quatro jovens: Pedro, Moisés, Jonas e Samara. Teve cada um deles em algum momento da vida, um episódio relacionado com água. E se a gente associá-los a personagens bíblicos de igual prenome, aí tudo parecerá ainda mais claro. Disse Pedro “Se és tu, manda-me ir ao teu encontro por sobre as águas. Venha. Respondeu ele. Então Pedro saiu do barco, andou sobre as águas e foi na direção de Jesus. Mas quando reparou no vento, ficou com medo e, começou a afundar, gritou: Senhor! Salva-me! Imediatamente Jesus estendeu a mão e o segurou. E disse: Homem de pouca fé, por que você duvidou? Quando entraram no barco o vento cessou. Mt 14-29,32”; “Então Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se em seco e as águas foram partidas. E os filhos de Israel entraram pelo meio do mar em seco; e as águas foram-lhes como muro à sua direita e à sua esquerda. Êxodo 14-22,27” “E levantaram a Jonas, e o lançaram ao mar, e cessou o mar de sua fúria. Temeram, pois, estes homens ao Senhor com grande temor; e ofereceram sacrifício ao Senhor, e fizeram. Preparou, pois, o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas; e esteve Jonas três dias e três noites nas entranhas do peixe. Jonas 1- 15,17”; “Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus; Dá-me de beber. Disse-lhe, pois a mulher samaritana; Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se comunicavam com os samaritanos) Jesus respondeu: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva. Jo 4-7,9” Porém era tarde e lá estavam os quatro na beira do “Panema”. Pedro munido de vara, anzol e uma lata cheia de gogo, pescava piaba. Dali a pouco estaria na porta do mercado, tentando vender seu pescado porque era quarta-feira. Jonas tomava banho, pra tirar o barro que grudara no corpo, enquanto o seu carrinho de mão na beira do rio aguardava o dono que breve voltaria pras ruas pros fretes na feira. Moisés saiu da Companhia de Beneficiamento de Algodão da família Silva onde trabalhava de balconista, já ai perto do meio dia, a encontrar-se com Samara a namorada, que acabara de sair do Ginásio Santana. Ganharam o caminho da ponte dos canos.

“Eu vejo a vida mais clara e farta 
Repleta de toda satisfação 
Que se tem direito do firmamento ao chão

Eu quero crer no amor numa boa 
Que isso valha pra qualquer pessoa 
Que realizar a força que tem uma paixão Eu vejo um novo começo de era 
De gente fina, elegante e sincera 
Com habilidade 
Pra dizer mais sim do que não, não, não” 

Elemento Terra. Era uma vez quatro crianças: Dália, Epifânia, João e Leônidas. Entre eles muitas coisas haviam em comum . Estudavam no Grupo Escolar Santo Antônio de Pádua que ficava na encruzilhada do caminho do Caititu com a estrada do Barro Velho. Do jeito que ia, somente alguns prometiam conseguir passar de ano. Porque pros estudos, deles que não estava nem aí. Gostar gostava mesmo era de jogar bola, no campinho, que ficava logo ali atrás. A escola, não tinha muro nem nada. Teve um dia que a professora falou: “Amanhã é dia que se comemora a libertação dos escravos, dia que a princesa Isabel assinou a lei Áurea. Na aula de amanhã, vamos falar sobre os negros.” Olhar de desprezo volveu Epifânia pra menina Dália. A professora percebeu a tentativa de humilhar a colega, embora não fosse a outra negra, apenas de pele mais escura dentre a turma. Encolerizou-se a mestra com o gesto de discriminação. Tacou a régua no birô que se partiu em dois pedaços, ao tempo que dizia: “Epifânia! Sobre negros iremos falar!” No fim da tarde, depois do futebol os meninos assentavam pra contar história. João “Pintado” o que tinha o rosto cheio de sardas. O que lhe dava ares ainda mais de sapeca, contou uma história de arrepiar. Dizia que no terreno ao lado da escola, no passado, tempo dos seus bisavós, tinha sido ali um cemitério. E que um homem que morava sozinho um dia teve sua casa invadida por um ladrão, que entre outras atrocidades acabaria enterrando-o vivo. Três dias depois de enterrado o homem conseguiu sair do buraco. Morrendo de medo veio a tarde caindo em cima dos meninos. O canto gutural de uma coruja, uma rajada de vento, o sentir de uma mão saindo de debaixo da terra. Qualquer vivente sairia correndo. Não percebesse, claro, uma folha seca do pé de castanhola se enroscando. Se foram os quatro meninos rua abaixo, numa desembestada carreira.

“Hoje o tempo voa, amor 
Escorre pelas mãos 
Mesmo sem se sentir 
Não há tempo que volte, amor
amos viver tudo que há pra viver 
Vamos nos permitir

Eu quero crer no amor numa boa 
Que isso valha pra qualquer pessoa 
Que realizar a força que tem uma paixão” 

Elemento Fogo. Era uma vez quatro homens: Júpiter, Wiliam, Virgulino e Carlinhos “O índio”. Mas, o que em comum poderia existir entre, um nativo da tribo dos Jiripancós; um cangaceiro. Não um cangaceiro qualquer, mas o próprio “Rei do Canganço”; um homem com nome de planeta. Outro ainda com nome de escritor inglês famoso, pela trágica peça “Romeu e Juleita”? O cinema era o que de comum havia entre eles. Não o fato de todos terem ido parar nas telas, mas na própria casa de projeção, respeitosamente chamada de “Cine Alvorada”. Naquela suntuosa sala de espetáculos, erguida na encosta do rio Ipanema, em tantas tardes de matinês e noites de suirês lotou de gente. Da peble e da nobreza o povo misturava-se para assistir a tantas tragicomédias, venturosas tramas de heróis fictícios e surreais. Por excelência, aquela da intriga entre os Montecchios e os Capuletos. Em que seus filhos Romeu e Julieta que deviam se repulsar, acabaram se apaixonando. E o “Capitão” Virgulino Ferreira “O Lampião” que se apaixonaria por Maria “Bonita”, batizada Maria Gomes de Oliveira, apelidada de Maria Deia, em homenagem a sua mãe Joaquina Deia. Virgulino também era o nome de um estivador daquela cidade, que certa vez bêbado se envolveu na maior briga com o índio, na porta do cinema a vida imitando a arte; Quando o rio estava cheio, o índio Carlinhos da tribo dos Jeripacós como que saído da tela, feito Tarzan, pulava de cima da ponte duma altura de mais de cinquenta metros, pra deleite dos estupefatos curiosos. Espetaculares saltos mortais, para dentro das revoltas águas, cor de café com leite, que dançava a dança da morte. Sobre o homem com nome de planeta o que temos a dizer é que era o porteiro do afamado cine Alvorada. Foi o primeiro a perceber o fogo! Isso mesmo! Teve um dia que em plena sessão da tarde, a galeria começou a pegar fogo. Uma das enormes máquinas de projeção tanto esquentou as bobinas que a película incendiou: "Socorro! O cine Alvorada está queimando!" Foi um Deus nos acuda! Em pouco tempo o fogo se alastrou pelas bancadas, o povo corria para se salvar. Nesse dia nêgo Wiliam o lanterninha se fez de herói, salvou uma criança, de cuja mãe se perdera no alvoroço. Felizmente vítimas fatais não houvera. Apenas que pena, perdeu-se o filme, e ninguém viu o fim da história.

“Eu vejo um novo começo de era 
De gente fina, elegante e sincera 
Com habilidade 
Pra dizer mais sim do que não, não, não 
Hoje o tempo voa, amor 
Escorre pelas mãos

Mesmo sem se sentir 
Não há tempo que volte, amor 
Vamos viver tudo que há pra viver 
Vamos nos permitir” 

Elemento Ar. Era uma vez quatro mulheres: Armelinda, Adélia, Armeríndia, e Maria Antônia. Além de serem todas bravas mulheres sertanejas. Outra particularidade comum, entre elas, era que todas tinham apelido. Dona Armelinda esposa de Seu Terêncio, lá do pé da serra do Gavião. Dia de feira tinham por obrigação passar na loja de tecido dos compadres Domingos e dona Irinéia. O carinhoso apelido de “Merindinha” era forma afetiva de cumprimentá-la. Dona Adélia a mãe do mundo todo. Sorriso farto, a benção distribuída indistintamente, a gente e bicho. Bastava que cruzasse seu caminho. Um galho de arruda atrás da orelha pra fazer reza no povo. Recomendava meizinhas pra todo tipo de mal, era parteira daí pegou o apelido de “Mãe Dedé”. Armelínda era sobrinha de Amélia que era esposa de Pizeca que tinha uma pensão onde o farmacêutico Moreninho, o padeiro João e o cabo Matias faziam refeições. O apelido odiado por que fazia, como ninguém, uma iguaria apreciada pelos cachaceiros: “Maria Torreiro”. Virava um siri numa lata. Seu Tibúrcio e Seu Tomaz eram barbeiros, o salão da dupla de fígaros um quartinho espremido entre a casa de dona Amália e Terezinha. Maria Antônia era prostituta, depois de velha virou alcoólatra. Tantas as vezes que a flagraram fazendo sexo dentro duma garagem, ganhou o apelido de “Maria Garagem”. No finalzinho da feira, iam encontrá-la caída debaixo das bancas dos mascates. Como não usava calcinha, os meninos se ajuntavam a levantarem sua saia, expondo seu sexo a galhofas, e apreciação pública. Madrinha Moça apelido carinhoso de Rubenita. Agora pra ver uma pessoa descontrolada, capaz de matar um, era só chamar a amiga de Julieta “pé troncho” de “Maria de Quatro Cabelo”. a mulher pegava ar. Pense na besta fera, em vida.

E não há tempo que volte, amor 
Vamos viver tudo que há pra viver 
Vamos nos permitir 

Fabio Campos 20 de agosto de 2015

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