O Sonho de Cláudia



“Não te Envolvas no caso desse justo, porque muito sofri, em sonhos por causa dele. Mateus 27;19”


A estrada era a mesma que Severino todo dia passava, tangendo o burro levando ancoretas. Conhecido como o caminho de Nazaré. O filho de Seu Zé Benjamim era dos que sabia por que aquela estrada tinha aquele nome. Muitos dos que passavam por ali não. Os anos fizera curva e deitaram labirinto a desembestar-se feito a peste, sem entender o que se passava no íntimo de cada um. Nazaré e Elisabete se conheciam, não eram amigas. Tempos estavam de coloio, tempos de sangue a fogo intrigadas. Era duas, das moças que desvirginara muitos dos meninos do Grupo Escolar do Padre Albuquerque. O caminho tinha uma ladeira. Dum lado a cerca de arame farpado delimitava as terras de Seu Manoel Augusto. No outro lado a cerca era coberta de mato. Lá embaixo aproveitando a água que sobejava quando enchia a caixa d’água do governo, um baixio adornado de bananeiras, e outros verdes que os pássaros acudiam como seu santuário.


Everaldo, Eraldo e Tonho eram dos mais arteiros do nosso Ateneu. O porte físico aumentado fazia toda diferença. Eram bons de briga, ninguém os quisesse como inimigos. Everaldo sempre requisitado pelas professoras para mudar um birô de lugar, carregar um pacote de livros, Tonho pela origem campesina gostava de capinar, colaborava na manutenção do jardim, e da horta de dona Nazilha. Naqueles havia muito músculos pra pouco cérebro. A testosterona alta favorecia a libido. O assunto mulheres atiçava lhes os instintos, os mais primitivos.  Só falavam gritando, gesticulando, vez em quando apertando os bagos. Os três sabiam de coisas sobre elas, as mulheres. Coisas que a maioria dos meninos não sabia. Permitido era que frequentassem a roda de conversa dos rapazes do ginásio, sem serem enxotados. Por isso sabiam mais que os demais. Sabiam que antes do coito se a mulher se negasse a deixar passar limão nas suas partes íntimas, de certo estaria com uma doença do mundo. E que mantinham os pelos pubianos sempre raspados para não contraírem o piolho chamado de chato. Os pirralhos, de olhos arregalados ouviam cada informação segredada. Tão atentos que se o mundo desse de se acabar a sua volta não perceberiam. Uma doença chamada de “mula” apurava o imaginário dos moleques, um caroço do tamanho da pata daquele animal se criava na virilha. A ideia de que cada gozo resultante da masturbação significava milhares de bebês descendo pelo ralo do banheiro intrigava profundamente. Um preservativo usado, deixado a ermo no terreno do grupo, encontrado por um dos meninos, que teria confundido com uma bexiga de aniversário, serviria de chacota pros grandalhões. 


As telhas das casas com seus cachimbos diziam fios pro poste, e recebiam luz como resposta. Luz que expulsava as trevas de dentro dos viveiros de gente. E a lua, travessa, espiava as pretas velhas, mucamas, amas de leite, a contar histórias que falavam de assombração de pai do mato, de negros atrevidos que sofriam mais que sovaco de aleijado, na unha do Capitão. História que os escutadores ficavam comovidos. E desejariam que nunca mais viesse a se repetir tais coisas. O ruído vindo da lapa do mundo era pouco. Era tanto silêncio que dava pra escutar uma nuvem se encontrando com outra. O pé de goiabeira chacoalhava seus galhos chamando o vento, o esforço desprendido e um monte de folhas velhas ia parar no terreiro de dona Belinha, que ao cair da tarde pacientemente ia varrer. Uma bizunga conversando com uma rosa, um besouro rola bosta, enfezado porque não conseguia empurrar um tolete seco pra dentro do buraco. A rua, no mais das vezes era silêncio. Seu Pedro passava na bicicleta, era só imagem. Pra onde fora o som? Simplesmente não havia. Pra logo depois explodir de toda natureza de atos e ruídos, isso a depender da hora do dia. Pela manhã o vendedor de pão com sua carroça hermética, toda de lata, de buzina engraçada. Bem antes, já havia passado o vendedor de leite com os baldes de ferro dentro dos caçuás do jumento. A tarde era a vez do funileiro, do vendedor de fubá, do vendedor de quebra-queixo. E o efusivo vendedor de cavaco chinês a vibrar tímpanos, com estridente tocar do triangulo.


Seu Sebastião levava os passarinhos pra passear. Cada dia uma gaiola diferente. Seu Alberto levava os cachorros pastores alemão depois do banho. Valter de Marinheiro variava os bichos, marrecos, araras, mocós, iguanas, cavalos, e cães. Um bicho diferente pra cada dia da semana. De manhã, passava no mercado da carne, rua dos porcos, até a intendência, a tarde, na farmácia de Seu Moreninho, peruava os jogadores de gamão e dominó. Na bodega de Seu Ozéias, uma lapada de raiz de pau. A tardinha o bordel de dona Brejão. Meninas da zona rural que perdiam a virgindade, sem firmarem compromisso com ninguém, expulsas da casa dos pais ali encontravam guarida. Outras iam por falta de opção, e mesmo por influência das outras. Nazaré iniciou-se com os meninos do grupo escolar, por puro prazer, nada cobrando em troca, amor gratuito. Escolhera aquela vereda como ponto para as investidas amorosas. Os meninos, iam sozinho, de dupla, ou de ruma, sempre na calada da noite. E assim ficaria conhecido como o caminho de Nazaré.


Cláudia Nazaré era morena, do cabelo castanho. Formosura por assim dizer não havia, de sobra tinha mesmo era um bom coração. Puro, dadivoso. Os anos da mocidade foram embora, e a prostituição nunca fora, pra quem vende o corpo, um bom negócio. Vagou como empregada doméstica, em algumas casas de família. Acabou que conheceu Valdomiro o jardineiro da casa de Seu Milton. O namoro, as confidências. Contou-lhe a verdade, que já vivera um tempo no cabaré mais frequentado da cidade. Por parte dele houve aceitação, desde que daquele dia em diante o respeitasse. E foram morar juntos. Na lagoa do Junco, perto da pedreira se arrancharam, num casebre conseguido pelos pais dele. Vida sofrida, muita luta pra adquirir o pão de cada dia. Davam duro, em trabalho de roças, arrendadas, e de meia com os proprietários de terra. Na colheita sempre dava pra guardar uma saca de feijão, não faltava uma abóbora, uma melancia. Uma marrã de ovelha, um bacurim pra engordar. A comida cozida em fogo de lenha. As roupas lavadas no riacho do bode. Não tinha água encanada tinha que descer a ladeira de barro e pedra, com as latas num carrinho de mão. Ir lá embaixo pegar água, no chafariz do início do cortiço. Somente ali chegava água encanada, boa de beber e cozinhar, também pro banho de noite protegidos pela escuridão numa grota cheia de mamoneiras, carrapateiras, berdoegas. 


Nazaré teve um filho. O menino nasceu com um defeito. Tinha o pé direito virado pra dentro. Valdomiro teve desgosto por isso. E fez uma promessa, pro pé do menino ficar bom. Na semana santa, daquele ano, foi a pé, a Flexeiras de Santa Quitéria. O tempo na sinfonia da vida fez vira breque. E tocou o mundo sua bola doida pra frente. O menino cresceu, não teve jeito o pé ficou virado mesmo. Chamava-se Cláudio, o filho de Cláudia Nazaré e Valdomiro. Menino arteiro, estudou no grupo do Padre Albuquerque, o mesmo por onde sua mãe muitos anos antes havia passado, só de passagem. Cláudio não era grandão, mas era bom de briga. Gostava de jogar bola, o defeito não o impedia de ficar no gol.
  

Quinze semanas santas depois daquela, e Cláudio era agora um rapaz. Com a vó, morava lá na Maniçoba. Seu Flamarion todo ano organizava a encenação da paixão de Cristo. Cláudio foi convidado pra atuar na peça. Achou interessante, topou fazer o papel de um centurião. Seria um dos que batia em Jesus no caminho do calvário. Montado num cavalo sibilando um chicote no ar, nunca imaginava aquele, que muitos anos antes, pelo menos uns dois mil. Cláudia, sua mãe teria pedido a Pilatos que não se envolvesse com o justo. Ela mesma, dias antes, o havia procurado para pedir a cura do filho, e teria alcançado a graça.


Fabio Campos, 30 de outubro de 2015.   

SOFIA e a 5ª Essência



Sofia nasceu num dia, bom de tomar café com chocolate quente. Dia bom pra ler um livro. E se deliciar com torradas e geleia de mocotó Colombo, lembra? Assistindo tevê, vendo comerciais em preto e branco. Lembrar dum tempo tão lá trás que choraria no peito, só de lembrar. E no meio dos cacarecos das lembranças surgiria Mônica, com seus olhos verdes, pele alva, magra, de franja. Enrolado no pescoço um cachecol enxadrezado vermelho. Menina mais danada! Pra estreá-lo queria porque queria ir pra o frio. E olhe que era um tempo em que frio não fazia, já vinha feito. O paraíso amanhecia coberto de neve. Igor teve vontade de fazer bonecos de neve. Mesmo sabendo que quando viesse o sol derreteria. E só sobraria o velho chapéu, o nariz de cenoura, os botões de tampas de garrafa. Não dava pra dizer que isso, não tinha a menor importância, porque tinha. Daí Sofia pensou, pensou, e disse: -Seria muito legal se existisse uma máquina de “Nunca Deixar as Coisas Boas Se Desfazerem”. 

Já ouviu dizer que alguém tivesse sede de coisas? Mônica tinha. Como assim sede de coisas? Rafa quis saber. Vontade de comer uma tigela inteira de doce de leite. Dona Zefinha um dia, fez Cláudia comer uma travessa inteirinha, por conta da sua insistência ao pé do fogão querendo comer doce quente! Vontade de comer todinho o pote de Catchup. Vontade de provar coisas improváveis. Tipo, soprar o pó de estrelas da Via Láctea, dar um beliscão na lua. Pra ela, a lua era igualzinho gente. Tinha sonhos, uma jornada cansativa de trabalho. Horário a cumprir isso tinha. Igor ralhou dizendo: -Só era o que faltava! Não vá me dizer agora que a lua tem sentimentos. A outra irmã mais nova já havia disso isto. E completava: -Minha vó pedia a benção a lua. Ficariam todos ansiosos, que chegasse logo o final de semana. Isso tornava as coisas, bem menos chata. Felizmente nada daquilo tirava o brilho nem a essência das coisas. Necessidade de fazer novas amizades não havia. Porque obrigatoriamente discutiriam a existência, e o que realmente era essência. E as discussões fatalmente iriam se acalorar, alguém tinha que recuar, e viria o risco das amizades saírem arranhadas. E como se odiava por ter que concordar com coisas inaceitáveis, só pra não magoar os outros. 

E tinha a história que o mundo fora criado a partir de uma grande explosão de átomos. Isso causava certa inquietação. Quer saber, até indignação. Não que fosse de todo inaceitável. As hipóteses era que não convenciam. Gostava de tudo bem explicadinho nos mínimos detalhes. Na aula de Evolução a pergunta: quem teria nascido primeiro o ovo ou a galinha? Provocou discussão extensa, extenuante. O que aquele pé estaria fazendo plantado bem no meio do jardim? Achou por bem perguntar: -Você é um pé de quê? -De ciências. Respondeu. –E o que dá um pé de ciências? –Dá o que você quiser... –Dá uma máquina de desinventar coisas? Disse que dava.


A quíntupla parte dos pensamentos de Sofia, era de como criar a engenhoca do “Para Sempre Sem Fim”.  Um troço que fizesse com que as coisas, das quais mais gostava nunca, jamais se acabassem. Uma espaçonave que a levasse até vovô e vovó, onde estivessem naquele momento, venceria a implacável distância. Na gaveta da cômoda pegou, papel e lápis. Material suficiente para iniciar sua obra. Primeiro rabiscou um homem máquina, que sabia construir balões com letras do alfabeto. A cabeça era de lata de leite em pó, e o corpo de caixa de achocolatado, os braços dois garfos, e os pés duas colheres, cujas conchas voltadas para baixo, pareciam sapatos. O robô falava. E das palavras que pronunciava pegava as letras de que precisava. O robô disse: “-Palavra!” Daí pegou a letra pê, encheu de ar os pulmões, e soprou na pontinha do pê até ele ficar deste tamanhão. Depois falou: “-Quatro”, e o quarto número cardinal, que se parecia uma cadeira de ponta-cabeça, usou para fazer a cesta do balão. Dando um nó na letra éle, amarrou a cesta ao balão. E voou alto. Tão alto que não era mais que um ponto red, um ‘redzinho’ de nada no blue. Aliás, no ‘blusão’ bem grandão. 


Cinco pensamentos continuavam pensando. Tudo de que Sofia mais gostava e que devia ser infinito. Primeiro brincar no quintal, entrar na piscina inflável, e poria o colete inflável, e encheria a boia de zebra também inflável com seu sorriso de domingo. Ah! Os dias de domingo. Este dia da semana jamais devia acabar. Como era legal, ter a certeza que todos os dias seriam dias de domingo. Segunda-feira era domingo, terça-feira, domingo, quarta-feira, e assim por diante. Acontece que não tendo mais os outros dias da semana os garis não recolheriam o lixo. Isso tinha que ser resolvido. Eureka! Os garis seriam contratados pra fazer hora extra! No segundo domingo, da semana que só tinha domingos. O açougueiro não abria o mercado. E as mulheres não teriam como comprar pernis de porco para o churrasco do fim, do fim de semana, que agora era todo dia.


O parque de diversão, do mundo de Sofia, vivia sempre aberto. Todos os dias, o dia todo. Pobres pais e funcionários não aguentavam mais os turnos dobrados. Aquelas crianças incansáveis. Era preciso chamar criaturas igualmente hiperativas! Ora! Porque não pensamos neles antes, os duendes da Terra do Nunca. Eles amavam o trabalho com brinquedos e crianças. Cervos, cavalos e unicórnio também se revezariam na diuturna jornada de brincadeiras. Ninfas, fadas e princesas alegremente divertiam as energéticas crianças. O parque se expandira tanto que ia até o infindável fim do mundo. E os sorvetes, eles simplesmente não se acabavam. Os pirulitos, as maçãs do amor, os churros, idem. Carrinhos feitos de mashymeloon. Carruagens de melancias com cobertura de chantilly e recheio de caramelo. Castelos argamassados com pasta americana. O fosso era um rio de achocolatado onde boiavam trufas. Pipocas coloridas davam em árvore.  Escorregadores de creme de baunilha com degraus de biscoitos waffers  que viravam pranchas em piscinas de refresco de groselha e guaraná.


O estado Gasoso, das coisas.  As nuvens lá no céu, quanto mais longe mais perfeitamente perceptível se faziam. Era pra lá que todas as rezas iam, a se diluírem nas asas dos aviões. Aquela tal brancura? Estaria diretamente ligada a ausência de água em seu interior? Imaginar os anjos caminhando sobre elas causava estranheza. Se sentissem sede, era só comer pedaços de nuvem como se come algodão doce. E pensar que do nada, a qualquer instante, podia nascer um arco-íris. Era fantástico imaginar isso. A fumaça saindo da chaminé do trem querendo se igualar as nuvens. Subia, subia. E o balão precisava de ar aquecido pra se manter no ar. Enquanto o trem se mantinha nos trilhos trilhando o infinito.


Estado Líquido. A chuva no caderno escreveu um monte de riscos. Era a chuva de Sofia. E Igor o menino que desenhava abriu o guarda-chuva pra que Rafa, o menino do desenho, não se molhasse. Um pingo de verdade fez guache que inundou a ponte, o rio e a casa. Tinha que ter um barco, mas o menino só sabia fazer chapéus de jornal. O pai do menino sabia fazer barcos, mas estava muito ocupado tirando a água de dentro de casa, por isso não fez. O avô tempo suficiente tinha, mas não sabia. O menino com muita paciência pediu a Sofia. Ela fez um barco que era pura travessia. Incluía Creonte e a filosofia, porque navegar era preciso, e viver não era preciso. 


Estado Sólido. –Professora? Sólido, é tudo que é duro? Não necessariamente Zacarias. Por exemplo, muitas vezes é duro viver. No entanto, viver não é necessariamente sólido. Precisamos sempre mudar nossos conceitos, opiniões, e isso pode se tornar sólido. Pedra é a coisa mais sólida do mundo, pena que elas podem se tornar incrivelmente solitárias. Além do que pedras não são mudas. Muito, muito falam, sobre limo, sobre rio, e pescador. O que é sólido muitas vezes nasce do sol, e morre de solidão. A faca em cima da mesa era tão mal, tão seca, tão feroz, tão sólida que chegava a doer! E seria melhor que não houvesse tanto de solidez, em coisas tão sólidas assim. Porque corriam risco de ficarem com frio, e ficarem triste assim. E não era bom estar triste. Não era nada bom tristeza e certeza do abstrato. Porém o bom de tudo isso era saber que as coisas sólidas não eram as mais esperadas no mundo de Sofia. Deviam ser porque lembravam eternidade. Lembravam coisas duradouras. Uma pedra de gelo estava bem ali na mesa inda’gorinha! De repente virou bolha d’água. E já não estava mais.


Fantasma, o Estado de Plasma. -Vovô! Tem um fantasma no sótão da casa. -Ora! Como pode ser se a casa não tem sótão? -Vô, é que o sótão também é fantasma. -Como você sabe que há um fantasma lá? Ele veio conversar comigo. Primeiro pensei que fosse um menino cheio de farinha. Mas era um menino fantasma. Ele me falou que viera da terra onde todas as coisas nunca se acabavam. –Sério? Então, quer dizer que o lugar existe? -Não vô não é que o lugar existe.  Lembre-se que não imaginei um local, mas uma máquina de fazer coisas que nunca se acabassem. E como se não entendesse nada do que Sofia dizia. Preferiu esperar o caos a calmaria da quinta essência. No quinto quintal enquanto isso. As plantinhas, as melhores amigas de Sofia brincavam, cantando cantigas de roda, cujas notas musicais se materializavam feito bolhas de sabão.


Fabio Campos, 23 de Outubro de 2015.

JACY-OBÁ - A Hora do Mundo



Cláudia, já se havia a treze anos, de frente do espelho. Na gaveta da cômoda um último vestígio de menina, laços com os quais a mãe amarrava suas tranças. Jamais permitiria que fossem novamente colocadas no cabelo. Juntos com as calcinhas, o pacote de absorventes higiênicos. Um quê de exibicionismo, como se fora um avanço rumo à maturidade. Quando tinha só dez. Com mercúrio cromo, tentou enganar as amigas. dizendo que havia se tornado moça. A própria mãe a desmentiu. 


Pequena Cláudia Sempre a desafiar a lei da natureza. Aproveitou a festa da juventude, fez tatuagens de rena, na parte interno do braço e nuca. Comprou cigarros, os primeiros tragos teve crise de tosse, e vômito. Um litro de licor de menta, marcaria o fim da virgindade para o álcool. Tanto dela, como de Eliane, e Vanderleia, duas das melhores amigas. Foi numa sexta-feira antevéspera de carnaval. Foi terrível voltar pra casa, e tentar disfarçar que não estava bêbada, depois de ter vomitado horrores no quintal da casa da amiga. Entrou no banheiro, não viu que o pai estava lá. Nu, fazia a barba, de frente pro espelho. Saiu correndo, colocando a mão na boca tentando segurar nova crise de refluxos. A mãe pensou que fossem enjoos da menstruação. No quarto, vomitou ao pé da cama, acabou dormindo. Altas horas da madrugada acordou. Devagar tirou a roupa. Tomou banho, esfregando músicas de rock por todo o corpo. Os ouvidos cheios de espuma e Legião urbana. “Por que você não olha pra mim. Por trás dessas lentes tem um cara legal.” Pintava as unhas dos pés enquanto Vital comprava uma moto “Pra se sentir total.”.


A casa do professor Zito era uma senhora casa. Construção antiga. O jardim era um convite a poesia. Tinha um banco pintado de branco suspenso numa trave, era um balanço. Dava até pra imaginar que ali sentados estivesse, à muitos anos, um casal de namorados, enamorados. Tivessem vivido naquela casa pelo menos um século antes. Enfrentaram as adversidades familiares, porque, sendo ele, de família humilde, os pais da moça não aprovavam as afeições. Almejavam pra filha pretendente a altura. De interesses além das simples pretensões dela. Prometeram um ao outro amor eterno, conseguiram. Viraram estátuas de clorofila, de musgos que escalavam os umbrais dos alpendres. Os batentes, os beirais mantinham os frisos, apesar do tempo, intactos bem arrematados. Cachos de uvas em cada quina se ofertavam como lugar plausível pro pouso dos pombos. Tons pastéis nas paredes, um verde pálido nas janelas ogivais. Com sua sequência de pestanas que parecia dormitar. A antessala era lugar cheio de objetos antigos. Uma máquina de costura Vigorelli em perfeito estado de conservação. Calada, contava história. Encimado, na parede, um retrato, onde aparecia o professor ainda criança ao lado de seus pais. O menino Zito, de pé sobre uma cadeira, tinha cara de triste. Semblante de menino sofrido. Apesar do terno, gravata borboleta, sapatos e meias, e calças curtas. Ao fundo vacas pastavam. O fotógrafo quis aproveitar a luz natural, da Fazenda Flor da Ingazeira. Bibelôs, ninfas, bailarinas de sapatilhas, chapéus engraçados. Adagas, sabres e espadas repousavam suas glórias sobre mesas esmeradamente polidas. Espada de todos tamanhos e estilos contavam história de uma saga, do clã que encerrava no professor. Uma espada minúscula chamava atenção, do tamanho de uma caneta, mas o que de especial havia nela? Era revestida de ouro! Sua empunhadura tinha formato de crânio, de olhos e dentes cravejado de pedras preciosas. Cadê a espada de ouro? Já não estava mais lá.


Um óleo reproduzia um cacho de Clitoria teneata sobre a lareira. Aquele azul trazia o mar pra dentro da sala. O professor estava a beira da piscina. Pediu que Cláudia sentasse numa daquelas cadeiras. Raquel a filha do professor veio até eles. O maiô molhado colado ao corpo aflorava-lhe o sexo. A pele alva, úmida, rija de frio. O cabelo, os cílios, gotejava confetes d’água na pérgula de granito. O corpo juvenil, frígido lutava contra as adversidades do clima e da veste de banho. O professor iniciou. Disse-lhe que sua mãe andava preocupada, e pedira-lhe que lhes desse uns conselhos. Raquel interrompeu o monólogo, chamou a visitante pra tomar banho de piscina. Aceitou. Adiava-se assim a conversa entre aluna e professor. O oitizeiro, o pé de fruta pão, o pé de jenipapo, o pé de carambola, e o maior de todos, a mangueira, que dava mango coco, passivamente assistia a tudo. Ofertavam seus frutos nos galhos e o que sobejava forrava o chão, ninguém, além dos saguis e marimbondos saboreava. Por cima da cerca espreitavam a tarde daqueles viventes. Raquel disse a Cláudia que não se preocupasse nem com a mãe, muito menos com o que seu pai tinha a dizer. Os mais velhos, todos eles, eram sempre assim. Era preciso que os jovens fizessem uma artimanha que os deixassem aflitos para que os respeitasse.


A noite lá fora, se avizinhava calma e devagarmente. Enquanto isso, lá no subúrbio a mãe de Cláudia ocupava-se a tirar as roupas do varal. Ia grávida, duma gravidez avançada, larga, pesada. De repente veio a lua despontando, enormemente cheia. A que ia dar a luz, ficou vidrada, perdidamente apaixonada, simplesmente não conseguia parar de fitar a lua. Feito pescador quando vê Iara mãe d’água cantando no arroio. Feito o índio apaixonado pelo reflexo a dizer: “-Jacy Obá!” Encantadoramente admirando. Eis que se aproximava a hora do mundo. E tudo rodopiou, alucinadamente rodou. Nada mais viu. A bola de ouro incandescente se foi, mergulhando num infinito azul de escuro, caindo num precipício de trevas que de tão fundo, parecia infindo. O pai de Cláudia chegou tarde. Algo estranho estava acontecendo. Não havia ninguém em casa. Chamou pela esposa, pela filha. Nada. Ao sair pro quintal, encontrou a mulher desmaiada. Correu a pedir ajuda. Levou-a pro hospital. Já era madrugada quando recebeu alta. Havia perdido o bebê. Chorava feito criança. Pra lua perdera seu bebezinho. Perdera o filho, pra lua perdera. As vizinhas diziam que melhor ter sido assim. Pior se àquele viesse ao mundo, de certeza seria lunático! Algo muito pior! Como trazia a chave de casa, num cordão pendurada no pescoço. Teria nascido com o lábio fendido! 


Raquel tinha um plano. A filha do professor, menina perigosa. Convidou a amiga pra uma aventura. Ora, pois então, donde a mãe de Cláudia esperava a redenção, estivesse a vir perdição. Convidou-a para fugirem. E disse mais, “-Nossos pais só respeitam a nós, quando fazemos algo que os deixem temerosos. E contou: “-Eu mesma sempre fui criada presa, tendo que estudar, estudar. Um saco! Nada de diversão, cinema, shows, rede social, nada! Um dia, depois da escola sai com uns colegas. Fomos pro riacho do Bode. Levamos vinho, queijo, azeitonas, batata palha. Léo levou o violão, foi tão bom. Tomamos banho, de farda e tudo. Vitor apareceu com um cigarro. Todos fumaram. Menina eu ria, ria tanto! Eu tive uma crise de riso. Acabei arriando. Adormeci lá mesmo. Acordei com meu pai me chamado. Ele foi me pegar, já era noite. Depois disso, eles passaram a me tratar como uma princesa. Era tanto paparico que não aguentava mais. Isso por parte de todos viu? Tios, avós? Nem se fala, tanta adulação.” Raquel não ouviu mas na ocasião sua vó teria dito baixinho: “-Pra essa. Chegou a hora do mundo.” 


Marcaram pro sábado o dia do exílio. Dia que os pais de Cláudia mais se ocupavam. Ele era mascate, vendia vassoura na feira e sempre levava a filha pra o ajudar. Serviço que odiava, ia por que era obrigada. Sua mãe era cozinheira, nos sábados ia pro hotel “São Francisco” produzir doces e salgados, pras festas de bufês de fim de semana. Ao contrário daqueles, os pais de Raquel eram funcionários públicos, aproveitavam pra dormir até tarde. Cinco da manhã o pai de Cláudia foi lhe acordar pra irem pra feira. Na cama o canto mais limpo. A menina havia colocado uns travesseiros pra tapear, e pensar que estivesse lá, deitada. As duas da madrugada as aventureiras já estavam na estrada. Lá no céu, a lua gorda que matava bebês não estava. No seu lugar havia uma, tão magrinha, coitada, daquele jeito não matava nem um pinto. Aquele fiapo de queijo incandescente navegando o espaço sideral. Trazia o tempo de criança quando as mães das meninas cantavam cantiga de roda: “-Benção mãe lua me dá pão com farinha. Pra me dar a minha galinha que está presa na cozinha.” 


Depois de cruzarem a ponte do João Gomes, estavam cansadas. No alpendre duma casa que julgava abandonada, resolveram parar pra descansar, um cachorro botou-as pra correr. Já iam pra lá do sítio Barriguda. A intensão era chegar ao pé da serra de Meirús onde morava um primo de Cláudia, com quem se correspondia. Avançavam vencendo o breu da noite e do asfalto. Barulho dum moto se aproximando. Dois motoqueiros que tinham varado a noite bebendo quis saber: Pra onde duas meninas iam sozinhas àquela hora? Mentiram, disseram que iam pra casa da avó logo ali perto. Eles conheciam a região, sabiam que a casa mais próxima, ficava pelo menos a uma légua dali. Desceram da moto, e iniciaram uma abordagem. Deixando, claro as intensões maliciosas, de que pretendiam. De repente dois potentes faróis dum caminhão projetou na pista asfáltica quatro espectros de sombras humanas. Raquel não perdendo tempo acenou para que o carro parasse. O caminhoneiro com uma carga de melancias cantou os pneus parando ao lado da trupe mambembe.


“-Moço pode nos dar carona até a rua?” “-Claro! As meninas estão indo pra feira?” “-Sim,” “-E os meninos?” “-Apenas amigos, nos faziam companhia, para que nada nos acontecesse.” Subiram a boleia. Lá se foram, traçando o percurso de volta pra casa. E eis que um sol novinho, quentinho, amarelinho. Vinha vindo risonho. Lindo sol d’aurora, cúmplice duma bela lição. Quem sabe servisse. Ninguém sabe realmente de que cor seria. Se infinitamente azul, se esperançosamente amarelo. Ninguém sabe de que cor seria. Ou a que momento outra vez aconteceria, a hora do mundo.


Fabio Campos 14 de outubro de 2015

AIKA E OS 3 GIRASSÓIS



Lá vinha Aika, acabara de acordar. Desceu da cama, pés no chão. Arrastando o lençol foi até a cozinha. Os olhos ainda inchados de sono, acomodou-se no sofá. Queria a tevê ligada, um desenho animado, um gogó, uma chupeta com frauda pra cheirar.  A mãe pegou no colo, ajeitou o cabelo revolto, um abraço, um beijo. Depois da benção, a vó iniciou-se a cantarolar a alto e bom som: “Parabéns pra você”. Era dia do seu terceiro aniversário.


Pra Aika aquele não era um dia como outro qualquer. Acordara cedo, pra aproveitar melhor, o dia que era todo seu. Com os olhos acompanhava a movimentação diferente. A decoração, a mesa repleta de guloseimas, muitas delas ainda em fase de produção. A sala aos poucos se transformando num salão da corte. Repleto de grinaldas, coroas, cetros e tronos. Na iminência duma cerimônia real. Aika tinha medo de bexigas. Medos dos estouros das bexigas. Dali a pouco teria que tomar banho, verdadeira repulsa ao banho com água fria.  Debaixo do chuveiro o chororô, um desespero só. Queria pular no pula-pula que ainda não estava lá. Bem feito, quem mandou alguém dizer que ia ter. Os presentes porque não chegaram ainda? A moda agora era ganhar roupas, não achava ruim. Amava botas, óculos, bolsas, vestidos.  Enquanto muitos, muitos pássaros revoavam acima dos telhados. Um dia seriam todos seus.


O primeiro convidado chegou, Kalil, o hindu. Um hindu? Isso mesmo e em pleno sertão nordestino. Kalil chegou pela janela do quarto, entrou voando num tapete. Seu presente entregou logo, era um enorme diamante que levitava e emitia um som mágico. Kalil era um menino bem afeiçoado, pele curtida do sol do oriente. Jamais alguém admitiria que aquele poderia ser irmão  da menina caucasiana que acabara de chegar e estava sentada no balanço, tão pensativa, não parecia muito a vontade, nem que estivesse numa festa. Fazia universidade longe, muito longe de casa. Pra visitar os pais tinha que acordar de madrugada, baldear em três conduções. Comer em quiosques de beira de estrada, algumas comidas que muitas vezes lhes fazia mal. Na pequena escola do povoado São Felix fez estágio, deu aulas. Acabava em estatura e idade, se misturando aos alunos. Divergia, no entanto, das atitudes e dos pensamentos da maioria e reprovava o comportamento deles. Um suco, ou iogurte, a bola de basquete, a toalha de rosto sobre os ombros não era meros acessórios. Séria, levava a sério o que fazia o que ensinava, também o que aprendia.


Ficariam quinze anos esperando que o mundo lhes desse uma resposta. E ela viria, quinze anos depois. Chegou, em forma de reforma, na casa dos pais. Levou um vídeo pra eles assistirem, o filme causaria muita comoção porque a gente vive numa roda viva chamada vida. Mas que muitas vezes só nos damos conta quando nos vemos refletidos nos espelhos. Espelhos chamados filmes. Dizia dum menino e seu pai, presos num campo de concentração nazista, aguardavam sem o saber, o dia da execução. Enquanto houvesse olhos pra ver tanta coisa triste, haveria também olhos pra chorar tamanha dor, ainda que se perdesse todo lamento todo choro no túnel do tempo. A menina agradeceu aos céus porque o pai não estava em Meca naquele instante. Uma multidão alucinadamente orantes e que caminhantes caminhavam em círculo, aumentando paulatinamente o passo. Logo viraria tumulto, que viraria tragédia, o hindu porém escapara. Ficar em casa sozinho vendo televisão talvez não tenha sido apenas opção, mas predestinação. A menina chamava-se Analu de presente trouxe uma rosa roxa que mudava de cor de acordo com o humor do dono. Teria dito a Aika que cuidasse bem dela, pois rosas também ficavam entediadas e até morriam por isso. Sofia outra prima de Aika chegou numa carruagem de fogo deu de presente dois, dos quatros lobos que puxavam sua carroça. Disse que os lobos era seu lado obscuro, um se chamava Violento e o outro Mórbido. Diria que lobos entendiam da teoria da relatividade tanto quanto melhor era o faro que tinham. E que não era exagero pensar que pulgas e ácaros, claro, cada um com suas convicções, se organizavam em protestos nos finais de semana. Lutavam contra o estado de coisa instalado. 


Os que ainda não haviam partido estariam lá. Quarando, feito almas que cumpriam prisão domiciliar, e sufocariam sob a fumaça dos cigarros acendidos pelos encarcerados tabagistas, que infelizmente não tinham escrúpulos. Não se admitia aquilo numa festa de criança. Sempre desencadeando uns nos outros a vontade de se satisfazerem. A despeito de que externassem uma vontade muito insossa de largarem o vício. Se inventariam de comprar, com dinheiro que daria pra vinte maços de cigarro, uns adesivos que lhes auxiliariam no tratamento pra se livrar da dependência química. Parecia, no entanto, que jamais largariam. Isso lembrava aquele amigo que tinha dado tantos conselhos, milhares de anos antes de Cristo. E pediria até por favor,  deixasse Deus fora dessa história porque nem Ele, O Criador, tinha mais saco para ouvir suas lamúrias. Suas lamentações, repletas de orações intermináveis, sempre anexadas de pedidos, os mais variados. Pedia pela melhora da saúde da mãe, sempre começava pela mãe. Pedia pelos filhos para que nada de ruim acontecesse a eles. Horas e mais horas era só isso. E quando o Junior sofreu o acidente de moto ficou três dias intrigado de si mesmo. Não falava consigo mesmo, e por consequência com Ele. Era seu modo de protesto.  


A cidade precisava de ajuda. Assim dissera Aika. E que seus olhos estavam quebrados, mas sabia que havia conserto. A ponta de febre poderia não ser sinal algum, e não era.  Um monge foi o terceiro convidado a chegar a festa. E deu de aparecer vestido no seu impecável hábito tibetano. Chegou montado numa moto velha, barulhenta que queimava óleo de dois tempos. O escape impregnava as vestes brancas de óleo queimado. Junior acabou lembrando que um dia teria ido namorar, numa moto igual aquela. Ficou um tempão num bar próximo a casa da menina que cortejava. E pra ter coragem de falar com a moça resolveu tomar umas cachaças, acabaria bêbado. Alguns amigos ajudaram-no a subir na moto. Terminou pegando a estrada sem logro no namoro. Isso não fora tudo, acabou caindo no mato relou-se todo, e o retrovisor quebrado não foi o único prejuízo. Quando a menina perguntou-lhe pelo presente disse: “-Trouxe-lhe Sensatez.” A mãe disse; “-Ah! É um perfume...” “-Não senhora. Esse aí é Insensatez.” Segurando a palma da mão da pequena colocou um brinquedo dizendo: “Dentro deste pequeno castelo mora a virtude, da qual lhe falei. Uma vez que você sonhar com ela, será sua.” 
  

Quem dera a poeira do carro de boi ficasse lá trás e os sucos que as rugas fez na roça não lhes viesse criar rios intermitentes de água salobra a lhes descer pelo rosto. Todo final do mês de setembro, era sempre assim. No sábado foram acampar na beira do panema. Só voltariam no domingo a tardinha. Aika e os seus fizeram do rio sua morada, e cantou com seus pais ao luar até adormecer e sonhar. Com ternura Kid Abelha trouxe o amanhã e remoçou velhos sonhos que jamais deixariam de apaixonar. Os adultos viraram crianças e tomaram conta do pula-pula de Aika. Não apenas adultos, mas duendes, magos, ninfas, avatares. A música não tão infantil encheu o jardim. Os cachorros, presente de Frida uma bárbara Viking, sem conseguir dormir reclamavam. Já não queriam mais bolo, refrigerante e salgadinho. Os pardais sem suportarem o barulho saiam espantados do entre beira e bica. A geroz se partira. Rachou com o rigor do calor do verão, se não fosse consertada no inverno derramaria água pelas paredes. Os céus de setembro se apresentavam quase sem nuvem. Mesmo assim, alguns dias antes da lua vermelha, chovera.


De onde pareceu aquele indiano? Seria o último a chegar? Estranho, ninguém lembrava de tê-lo convidado. Jagadish saiu de dentro de um livro, quando a mãe de Aika fora pegar na instante o livro de receitas.  Por engano pegou o de fábulas da princesa Sherazad. Então Jagadish saiu de dentro e já dissera: “-Por favor, não se invente de fazer panquecas ou tortas sem saber. Olhem primeiro no livro de receita da vovó.” E não é que tiravam a medida da farinha de trigo com um copo americano. Aconselhou que pegasse a xícara branca que tinha um desenho de uma moça, da antiga propaganda de café. Pois é tinha que ser com aquela. Já havia medido com outras e não dera certo. Tinha certeza, se perdesse aquela xícara nunca mais ia fazer um bolo que prestasse. Uma Tailandesa trouxe um presente de seu país, um leque lindíssimo! Em forma de carruagem. Provou um creme de ameixa que achou simplesmente um manjar dos deuses. Quis saber como se fazia. Fernanda a tia de Aika que levava jeito pra fazer arranjos aproveitou uns velhos discos para a decoração. O vô não somente ele não achou interessante. Talvez fosse só a forma de resistir a perda de discos com Jerry Adriani e Wanderley Cardoso. A radiola e a antiga máquina de costura acabaram servindo na decoração


A festa já estava quase terminando, quando apareceu um galileu. Um menino, de seus doze anos, galileu. Na verdade ele estava lá o tempo todo, mas ninguém o percebera. Até que Aika o notou. “-Jesus está aqui vovô.” “-Está? Você viu ele? “-Sim. Está com os meninos, lá no pula-pula.” “E o que ele lhe trouxe de presente?” “-Girassóis, três girassóis.” 


Fabio Campos 05 de outubro de 2015