UM PLANO DIABÓLICO (7ª Parte...)


Por incrível que pudesse parecer o cão de Vanuatu, não queria briga. Derick é que não entendendo o espírito da coisa, partiu desesperadamente pro ataque. Dando um belo dum salto, com as patas dianteiras buscou o pescoço do cão. Que instintivamente se esquivara, sem no entanto, conseguir muita coisa. E as massas de músculos e pelos estrondaram-se num choque gigantesco, rolaram colina abaixo, levando consigo vários pés de pinheiro e muita neve. O brutal e grandioso embate provocaria uma avalanche. Uivos e grunhidos ecoou desfiladeiro a fora. Aquilo fatalmente causaria um deslocamento nas placas tectônicas. Um abalo sísmico seria inevitável, dali a alguns dias, na ilha de Roma. Alheia a tudo isso uma casinha cochilava calmamente lá longe, ao pé da montanha fumegando a chaminé num tufo cínzeo que subia, e subia, preguiçosamente. Acabando por se perder em meio à alvura e a neblina. Sentado sobre as pernas cruzadas um moicano, com uma pele de urso sobre os ombros nus, tentava se proteger do frio. De muito longe, apenas observava. A espingarda segurava como a um bebê que se é levado ao colo.

Numa estrada asfaltada, a milhas e milhas de anos-luz dali, um negro guiava seu conversível, debaixo de um sol que refletia azul índigo blue, nas lentes dos seus óculos. No chapéu uma pena de águia. O rádio tocava uma música que falava de lobos, índios apaches e igrejas velhas, num lugar deserto no estado do Novo México. Torcia para que surgisse a sua frente um desses hotéis de beira de estrada, onde pudesse descansar. De preferência que não houvesse surpresas desagradáveis. Gente maluca, fantasmas, abutres que sentiam de longe o cheiro de confusão e consequentemente de carniça. Nesses lugares que forasteiros nunca eram bem-vindos, ainda mais um negro. Um velho psicopata, que passava o dia inteiro atirando com uma espingarda de cano duplo de grosso calibre, que abriam buracos enormes. Vestido num macacão jeans arruinado e fétido. Ficava sentado numa cadeira de balanço debaixo dum alpendre enquanto escolhia um alvo. Atirou num barril do qual jorrou sangue. Isso porque o desmiolado do seu neto de onze anos, achou de esconder-se lá dentro. O xerife seria chamado pela vizinhança, porem não se animaria a fazer nenhuma investigação porque entendia que era dever da família providenciar a internação do vovô Carabina. O máximo que haveria era um funeral no fim da tarde, pois todos compactuavam igualmente daquela doideira. Um problema de malucos, uma família de malucos, uma população de malucos, num condado de malucos e todos se entendiam. O pastor negro, que usava um bigode negro, trajava um terno igualmente negro, foi chamado para encomendar a alma do pobre menino. No interior da igreja havia um alçapão no piso do altar que dava acesso um túnel que ninguém sabia nem que existia, muito menos onde ia dar.

O menino chamava-se Igor Carvalhal. Em silêncio Igor acompanhou o funeral. Serenamente segurava o chapéu que um dia ganhara de sua vó. Era um chapéu engraçado, triangular igual aos dos bravos que vieram conquistar novas terras na colônia inglesa. Vez outra Igor olhava pros bicos dos sapatos, esboçou um sorriso ao ver neles algumas manchas de sorvete. Mamãe Marcela tinha-lhe encarregado de limpá-los fazia uma semana. Os três meninos das bicicletas se aproximaram dele fazendo barulho. O pastor, olhar de reprovação ainda segurava a bíblia aberta. A algazarra de imediato foi abafada. E leu: “Filipenses: 1:21-22: Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas se o viver no corpo é útil para o meu trabalho, não sei o que devo preferir.” E continuou: “Pai nos ajude a lembrar que somos pó e ao pó havemos de tornar. Quando a nossa hora chegar de caminhar pelo vale da sombra da morte, que não temamos nenhum mal. Ajuda-nos a viver enumerados com os justos, cujos corpos aguardam a ressurreição dos justos.” Os meninos convidaram Igor pra sair dali. Ele disse que tinha que ficar até o funeral acabar. Marcos, Lucas e João lhes falariam da busca a um tesouro encantado. Arregalando os olhos quis saber que mistério era aquele do tesouro perdido? Os meninos o corrigiram: perdido não, encantado! Igor falou duma passagem secreta que acabara de descobrir no piso da igreja. Ficava escondido debaixo do tapete do altar. E que finalidade teria uma passagem secreta que começava dentro da igreja, e que ia dar na entrada duma mina abandonada na base da colina que dava pra o leste do condado. A resposta poderia vir dum carro novo, porem muito sujo, logo ali parado. Parecia que não fazia muito tempo que estava lá. Pelo calor do motor teria sido abandonado fazia só algumas horas.

O cão de Vanuatu sentado num tronco conferia os arranhões e raladuras que o felino em fúria lhe provocara. Comentaria com Derick que não precisava tê-lo recebido com tão estúpida agressividade. Derick justificou-se dizendo que não teve como evitar, por puro instinto de sobrevivência agira. Não esperava um ser horripilante lhes aparecendo assim, e que fosse para uma conversa amigável. O cão de Vanuatu apresentou-se dizendo chamar-se Saturno. E zombou do gato que devia ter visto a cara de medo que estampara no momento do encontro. Falou da mania que tem os felinos de se esticarem para parecerem maiores do que eram. Disse que aquilo nunca colara, e riram os dois. Saturno teve um corte mais sério no supercílio que não estancara. Isso o fez lembrar-se duma erva fantástica, tinha que consegui-la pra fazer o ferimento desaparecer. Andaram uma jornada dum dia até a floresta tropical. Se continuassem andando penetrariam na floresta negra dos gnomos. Já o dia ia findo, então resolveram acampar. E Saturno aproveitou pra contar a Derick a lenda do “Açoita Cavalo” a planta que procurava para sua cura.

Os meninos vasculharam tudo, ao abrirem a mala traseira encontraram o corpo de um homem perfurado a bala. Pelo menos uns vinte tiros havia tomado. Um dos projéteis quebrara dois de seus dentes incisivos. Percebeu Marcos algo brilhando dentro da boca do morto, era uma moeda de um dólar. Não sabiam, mas estavam sendo observados por um homem no alto dum penhasco. Com um binóculos os observava. Numa velha choupana onde aos fundos se via um amontoado de ferro retorcido, como se ali funcionara uma oficina, ou seria um local de desmanche de carros. Muitas peças do motor. O cheiro predominante era de combustível, gasolina, óleo diesel. Dentro da casa vários homens, entorno duma mesa discutiam, sobre o que iriam fazer com todo aquele dinheiro. Haviam assaltado o banco. Tanta era a grana que não conseguiram acomodar num dos quartos que havia na casa. Fora uma caminhoneta todinha carregada de cédulas de um dólar até a altura do teto da cabine. O plano dera certo. Mas agora não sabiam o que fazer, e discutiam. Os ânimos exaltaram-se indiscriminadamente. O que parecia ser o chefe, propôs que alguém fosse a vila comprar comida, toda aquela discussão lhes dera fome. Todos concordaram. O que iria a vila foi abordado por um terceiro, que tinha um plano diabólico. O que ia à cidade devia comprar veneno de rato, colocaria na comida, e ficariam os dois com toda a grana. O que ia avisou ao comparsa: "-Só não colocarei veneno nas duas últimas marmitas, que será a que nós devemos pegar."

O corpo encontrado pelos meninos na mala do carro era do gerente do banco. Depois de encherem a caminhonete com a grana. Um dos assaltantes saíra pelos fundos levando o dinheiro, guiou a picape até o deserto, enquanto os demais saíram em direção a igreja trocando tiro com a polícia. E assim conseguiriam escapar. Os meninos das bicicletas arranjaram mais um amigo com quem se divertir. Iam e vinham pelo túnel do tempo. Ora continuavam crianças que jamais cresceriam, ora se tornavam velhos adultos prisioneiros de si mesmos. Sem nunca conseguirem crescer nem ficar velho, indo e vindo pelos caminhos tortuosos e imprevisíveis do túnel do tempo. Suas mães sonhavam encontra-los, e todos os dias iam à pra praça de Maio. De fronte a Casa Rosada, num protesto pacífico reclamavam seus filhos, perdidos pra ditadura peronista. 

O ladrão que fora comprar comida pôs-se a pensar dizendo: "-Sem veneno, deixarei somente a primeira marmita." E assim fez. Ao chegar com a comida, aquele que tramara com ele adiantando-se proferiu: -Atenção, Pessoal! Ninguém toca nessas marmitas! E se nosso colega por acaso teve a ideia de colocar veneno pra matar a todos nós, e ficar com toda grana? O chefe se achando muito sábio sugeriu: "-Que seja ele então o primeiro a provar da comida!" Todos concordaram. Nada lhe aconteceu. Então, todos serviram-se e comeram. O comparsa teve o cuidado de ser o último a pegar, e foi também o último a morrer.

Fabio Campos, 08 de Setembro de 2016.


P.S. A Gravura que ilustra este Conto é imagem sacra de São Raimundo Nonato, que encontra-se na Capela e no Povoado de mesmo nome, que delimita o município de Santana do Ipanema - Alagoas com o vizinho estado de Pernambuco.

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