CAVALO DOIDO (20º Episódio de T.Fashall.)



O suposto sequestrador da irmã de Tagor, tinha cabelo vermelho metálico. De onde tirou essa ideia? Disse, ter achado no local do crime, fios de cabelo, que pareciam de metal. Poderia ser de uma peruca. Mas não era. Afirmou categórico, depois de analisar o achado, no seu laboratório. Concluiu que a ponta dos fios tinha bulbo, e raiz. Enfim, possuía material orgânico e genético. Aqueles saíram de algo que tinha vida. Havia fortes indícios de que o criminoso fosse um alienígena. Tagor fez investigação nos arredores da casa de sua mãe, pra ver se alguma câmara de algum estabelecimento teria captado imagem. Encontrou uma, na quitanda da esquina.


A vila, tão antiga quanto atual. Os prédios jamais envelheceram. As águias no alto dos pedestais, de belas asas estendidas. De ferozes garras crispadas sobre a flecha e a serpente petrificada. Olhavam com semblante fechado, ameaçador. As janelas, do prédio da justiça, nunca se cansavam de vigiar a rua principal. Poucos tinham ideia do que significava ser velho e atual, ao mesmo tempo. Os vultos históricos nos porões em molduras escuras e tristes adormecidos num torpor crudelíssimo, desumano. Envolveram-se em sombras, silenciados seus fortes brados de revolucionários, tempos depois chamados de heróis. Encerrados nos negros e sombrios canos dos imensos canhões. Em suas munições obesamente mortas, de agora. Enferrujados os vômitos de fogo e ódio, ressequidos, esquecidos. As bandeiras não mais flamularam seus azuis, seus brancos, seus vermelhos, de outrora. Alagoas distando de França e de Kansas apenas um lance de olhar. Traçar no mapa, um paralelo desde a Vila de Étole Chavalier, passando por Wichita no Kansas, indo a coordenada 09° 22’ 42” 43” W de latitude, e 37° 14’ 43” W de longitude, e teremos uma placa tectônica imaginária, cobrindo a Europa Meridional, e Américas Meridional e Setentrional. Pra ser mais exato, um maciço continental compreendido desde a vila da Ribeira do Panema no estado de Alagoas – Brasil, a uma cidade na América, indo a Vila de E. C. em França. Mas o que de comum havia entre estes três pontos geográficos? A meros mortais talvez nada dissesse. Aos meninos das bicicletas sim. Dizia, da origem de cada um deles. Marcos, Lucas e João.


Wichita foi uma das primeiras cidades em que Tagor vivera. Ainda era aldeia indígena quando isso acontecera. A vila surgiu a partir de três tribos indígenas: Keechi, Waco e Tawakoni os precedentes de Tagor eram desta última nação. Isso foi lá pelos idos de 1870. Na época o vilarejo contava com pouco mais de 600 aldeões, que vivam do comércio de pele de animais selvagens, e da criação de cavalos e gado de raça. Era entreposto, ponto de parada das carruagens, vindas do leste em direção ao velho oeste. A bandeira da cidade além das cores azul, branco e vermelho, traz até hoje, uma cabana de palha tradicional, e a silhueta de um búfalo e um veado. A família Braga ali se estabeleceu e cresceu a partir da domesticação e criação de cavalos selvagens. 

O avô de Tagor da América, chamava-se “Cavalo Doido”. O missionário morávio Paul Truman que estudava a língua nativa delaware, num diário deixou escrito um episódio lendário ocorrido entre o avô de Tagor, e um janota californiano que viajava pro leste. “Cavalo Doido” entrou na taberna e o maldito western Willian Colt zombou de sua cara. Depois que o índio pediu, tabaco e chá ao taberneiro o californiano teria perguntado se o índio não queria apito também. Todos riram. E o índio desafiou o cawboy para um duelo. Desafio aceito. o punhal foi a arma escolhida. A rua ficou repleta de colonos para ver o embate. Os frequentadores do saloon aproveitaram para uma rodada de apostas. Com uma corda, os dois homens amarram-se ligados pela cintura. Segurando o punhal com uma mão e a corda com a outra, começaram o embate. O punhal do homem branco alcançou o índio abrindo um talho na altura do peito. “Cavalo Doido” fez valer o apelido que tinha, com a corda enlaçou um dos pés do senhor Willian, derrubando. Dominou-o jogou o punhal longe, poupando sua vida. Passou a esmurrá-lo, até pô-lo a nocaute.    
  

O cabelo de metal talvez muito tivesse do sangue dos moicanos. A princípio, de um homem, um ser humano normal. Embora o rosto parecesse de borracha sintética, quando falava a boca não se movia pra sair os sons da voz. Os fonemas no entanto saiam perfeitos, fluentes, e eram entendidos em qualquer língua nativa. Usava óculos de lentes e hastes escuras, muito na moda nos anos quarenta. De terno e gravata. Tagor, sustentava que talvez aquele não possuísse um coração, não dizia isso no sentido figurado. Mas coração órgão mesmo com artérias, vasos e veias cheias de sangue fluindo, como nós simples mortais temos. 


Os olhos de Antonieta eram azuis, ainda mais azuis ali, dentro da boate Azul. Tão belíssima imagem de mulher quase nua, a banhar os pés numa piscina de muita luz. Na mão alva de dedos longos e unhas pintadas, uma taça de uma bebida adocicada, com cheiro de fruta cultivada em solo de Cisjordânia. Licor de damasco. Um pequeno fruto boiando no líquido diluindo-se em vermelho.  Um corpo nu, o que a mente do homem via, ou pelo menos era o que mais queria ver. Apesar de estar calmamente sentada, ele conseguia vê-la andando na passarela. O som da música muito alto, a mente entorpecida pelos fluídos de etanol, mesmo assim conseguia fantasiar o toque dos saltos altos dos mimosos sapatos de Antonieta. O coração acompanhando o pêndulo e o ponteiro do relógio pendurado na penumbra. Marcando ritmo com o bico do salto, no polido piso marmóreo que refletia suas coxas bem torneadas.

Numa praia de Malibu, imaginou-se os dois. As palhas do coqueiro abanavam um sopro caliente, de sol e candura, dourando a pele. A deixá-la ainda mais sedutora, mais mulher. Tagor desejou-a, profundamente. No seu coração desejou aquela fêmea. Não sabia quando veriam se de novo. Aproveitar o momento favorecido pelos deuses numa viagem perfeita, própria deles. Cavalgante no lombo de Pegásus. Como primícias dos céus para um mortal. Uma vez a cada virada de estação do ano tinha direito a um encontro daqueles, e era outono. Sonhou tanto com aquele beijo. A excitação, os corpos exacerbado em formas. Os másculos inflados de desejo, virilidade aflorada. Feito mustang afoito dominou a fêmea, e a possuiu. O beijo levou-o as estrelas, ao cosmo, a profundidade do infinito. Fazer amor com Antonieta era momento indizível. De provocar desejos aos deuses do Olimpo. Afrodite sobre seu divã arrepiava-se,  mordia o lábio de inveja. Eros aventurava-se descer dos seus átrios vindo pousar na terra, sobre o corpo nu de Antonieta. A acariciar suas carne em brasa. Seu sexo se abrindo em flor exalando cheiro inebriante. Se despetalando pro varão, loucamente viril. A explodir em gozo, enchendo a via láctea de outros milhões de espermatozoides, brilhosamente ofuscantes. Universo, de milhares de centelhas de vida. Para depois mansamente no colo de Vênus se lançarem, languidos. As estátuas no palácio do Cassino de Caesar permaneceram todas caladas. Continuaram olhando, porém nada diziam. Não interferiam, porque não queriam. Embora morressem de desejo. 


Tagor Fashall menino de muitas nações e povos. Sem precisar encarnar em outros seres, muito menos sendo highlander. Sendo eternamente ele mesmo. Simplesmente nascia onde quisesse. Em vários lugares ao mesmo tempo, ou em tempos diferentes. Nas suas aventuras ia, buscava suas origens verdadeiras. Isso incluía estar em lugares diferentes, em épocas diferentes. Em quintas e últimas dimensões, vivendo, não outras vidas, mas a mesma em espaços de tempo distintos. Conhecendo outros meninos de suas várias infâncias. Tendo outros inimigos que os levava a outros crimes. E a buscar incansavelmente a justiça. Outras Antonietas de suas juventudes. E sua irmã não saía da cabeça. Onde estaria Júlia agora?


Fabio Campos 07 de janeiro de 2017.

P.S. A Gravura é de autoria do próprio autor usada em outra publicação aqui mesmo neste blog.

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