O CONDE DE MONTEPELLIER (28º Episódio de T.F.)


O rio, dava mais do que pedia explicação. O trem de lama, dele e nele, se havia formado, por assim dizer. As coisas todas que puderam se salvar, se salvaram. Os que não conseguiram, desceram ao inferno. Um pé de umburana e outro de mulungu, a plantar bananeira afogavam-se na correnteza. Seus braços de bruxa desesperadamente tentavam agarrar-se aos tufos de catingueira e capim seco, das ribanceiras. As torrentes arremedando um conhecido escultor alemão, de suas mãos fazia nascer tudo o quanto era arte, reinventada do que a natureza mesma já havia feito. As nuvens, guardadas especialmente para aquela ocasião, surgiam nos céus rabiscando lágrimas apressadas. Desafiando a lei da física a subirem pro topo das terras das montanhas. Acabavam assim desafiando a lógica bíblica do Criador que no início haviam-nas separado. Os elementos água e terra agora se fundiam. O descortinar de cortina de chumbo, derretendo desabando em estrondos, como pedras gigantescas se partindo. Só podendo ser o calor das fornalhas sempre que Deus estava fabricando chuva. Despencando do céu, caindo, desabando, descendo ao chão. Causando gasto tão forte de energia que os homens todos, se sentiam oprimidos, sufocados, e chegavam a desfalecer.

Émile Passion, a filha do mestre Lucindo, em Paris, soubera dos preparativos do casamento de Antonieta. Sentiu necessidade de revê-la, reencontrar depois de tempos que não se viam. A distância que as separava Étole Chavalier da “Cidade luz” era de uns trinta estádios. Lembrava agora, de quando era pequena, e Antonieta a levava pra escola, de bicicleta a levava. Todos os dias, ter que acordar cedo, tomar banho, o que café da manhã. E seguiam as duas, pelas ruas de Étole Chavalier. Graciosas, menina e moça em suas roupas vaporosas, em tons pastéis, elegância e ingenuidade com relação ao por vir. Émile teve que ir pra Paris, ingressaria na escola São Denis de Artes e Ciências. Tanto tempo passara, já estava no quarto ano do curso de Canto. Estudava música e artes. O estilo defendido pelos seus mestres era o Galês-Romano. Altamente avançado pra época. Tiveram, ela, colegas e professores, anos de muitas dificuldades. De defender ou abrir mão de tendências, tudo para não entrar em confronto com os ideais da monarquia e do clero. E nos anos de rigorosos invernos o grande inimigo eram as cheias dos rios. Enchentes do Sena afetava a vida de toda a população parisiense da margem esquerda principalmente. A aldeia do bairro Administrativo de Bercy sofria tanto com os saqueadores aproveitadores das variações climáticas. Numa das enxurradas uma embarcação, uma fragata foi arrastada pelas águas. Arrebentou os fundos, de algumas casas e foi parar dentro do teatro de Saint Louis. Um mar de lama e destroços invadiu ruas. Sensibilizada diante da tragédia a rainha Vitória doou recursos da coroa, para recuperar parte das casas noturnas do subúrbio de Paris. A fragata, no entanto, jamais foi retirada, passou por algumas adaptações e passou a fazer parte do palco, duma das maiores casa de espetáculos de então.

Rafael Bertrand, sobrinho de mestre Lucindo, também morava em Paris. Estudava filosofia na mais famosa instituição de ensino superior da Europa. A Universidade de Paris, que ficava na nobre área de ‘Rive Gouche”, um imenso maciço amplamente urbanizado. De rica arquitetura, o bairro surgiu debaixo de alamedas bem cuidadas, de palácios e mansões suntuosas. Depois do trágico episódio de Étole Chavalier, em que seu tio, o ferreiro Morion Lucindo misteriosamente aparecera morto, o moço sumiu da vila de aldeões. Em Paris, a grande chance de sua vida viria surgir na sua frente. Fez por onde conhecer o conde de Montepellier para quem seu tio, no passado  prestara relevantes serviços. O conde deu-lhe guarida. Acomodou-o nos seus palácios, tudo fez pelo rapaz. Até mesmo aulas particulares de esgrimas, bancou os seus estudos superiores. De como Rafael se aproximou do conde, é uma história que merece um capítulo à parte, foi assim: Rafael, no meio dos documentos do seu tio Lucindo, encontrou uma carta do conde, de posse da missiva, foi fácil localizar a residência do nobre. Desde então, Rafael passou a vigiar secretamente cada passo dele. E numa das vezes que o conde foi ao teatro com a esposa, deu uma gorjeta a um menino de rua pra lançar um punhado de pó de pimenta seca nas ventas dos cavalos da carruagem. Os cavalos saíram em disparada, o cocheiro não conseguia controlar. O conde havia descido. A condessa, porém, permanecia lá dentro. Eis que heroicamente surge no seu cavalo Rafael, que consegue refrear a carruagem, quase no final da rua. Agradecido pelo feito do rapaz, o conde se vê na obrigação de recompensá-lo. faz questão de conhecê-lo, e de ajudar, o pobre estudante de filosofia. E ele que antes dividia um quarto com outros quatro jovens num albergue fétido e imundo da “Rue de la Bastille” subúrbio de Saint-Antoine, próximo a prisão de Bastilha, agora passa a habitar o castelo do conde de Montepellier, e desde então teve acesso, e amizade da corte parisiense.

O Paranthropus o monstro sagrado dos Ushaias despertara. Diziam os ancestrais da tribo Munbassa da aldeia de Arusha, ao sul do Monte Kilimanjaro, a Tanzania, na África oriental, era um dos mais antigos sítios arqueológicos da humanidade. Considerada por estudiosos como “O Berço da Humanidade”. A mais de dois mil anos ele surgiu pela primeira vez. E tinha estes aspectos, dois metros e meio de altura, mandíbula proeminente, peludo dos pés a cabeça, apesar de no corpo parecer com um orangotango, as feições era de um homídeo. Com sua força descomunal arrancava uma árvore de cinco metros de altura com um simples puxão de uma das mãos. Mãos de cinco dedos como as nossas, diferindo apenas no tamanho. Mãos capazes de destruir um carro de passeio, com apenas um murro. Isso realmente aconteceu. Tagor estava lá. Era primeiro de abril de 1979. O Paranthropus monstro, que apareceu na aldeia, era o bisavô daquele com quem Tagor inda agora conversava na taberna. Enfurecido a fera dizimou quase toda  população de aldeões. Pegava os nativos e partia ao meio, atirando os pedaços pros lados, pro alto, por não ser um animal carnívoro lançava longe. O massacre da Paranthropus ficou conhecida na aldeia como o Dia de Baal. Tagor integrava um grupo de cientistas que fazia pesquisas arqueológicas, e que também foi atacado. Os guardiões da caravana com seus rifles davam tiros no monstro mas parecia se quer o atingiam. De um só golpe destruiu o carro, destruiu a barraca, e atirou longe o rifle. E o pobre nativo acompanhante da expedição teve a espinha dorsal dilacerada. Ia matando e atirando sobre uma árvore, nativos e estrangeiros. E os corpos iam ficando pendurados. Aquele lugar seria amaldiçoado pelos anciãos. O local jamais voltaria a ser povoado. De ano em ano iam lá, fazer reverencias aos que morreram no massacre de Paranthropus. A árvore dos corpos, ficaria conhecida, até hoje, como a árvore dos condenados.

O direito de estar junto a nobreza de Paris, deu a Rafael prestígio e poder. Conheceu importantes mestres de Filosofia e Teologia. Passou a interessar-se pela Alquimia. Frequentava todas as escolas superiores, Liceus e Academias localizadas no luxuoso bairro de “Rive Gauche”. Tinham-no, como enteado do conde. Livre acesso lhe era concedido para treinamento com os gerentes e administradores de instituições militares e eclesiásticas. Passou a ser assíduo frequentador da Biblioteca Nacional de Paris. Devorava todos os livros que falavam de Alquimia, chinesa e greco-romana. Leu os fragmentos de Neipian e os “Capítulos Internos” de Baopozi. Rafael, na verdade, queria chegar ao Elixir da Longa Vida. Nunca esquecera o episódio do tio Lucindo. Descobrir o mistério de como conseguira ressurgir do mundo dos mortos. Tinha esperança de encontrar a fonte da juventude. Só havia uma pessoa capaz de ajudá-lo nesse empreendimento. Alguém que ele nem conhecia ainda, mas não tardaria, em breve iria conhecer.

Chouchoulina a bailarina do cabaré de Paris, precisava ainda, descobrir o que a lenda da Ponte de Montilieu tinha a ver com o suposto tesouro deixado por seu pai. Onde estaria o segredo pra desvendar o mistério? Tagor Fashall tinha parte da resposta. Mas, como compartilharem de informações se estas criaturas se encontravam em lugares distintamente diferentes.  Em épocas diferente. Tão longe se encontravam um do outro. Tagor, por si só, começou a ligar os fatos. A xícara com os números, o bule, as flores. Lembrava do gato da lenda, ele tinha uma panela presa ao rabo. Talvez quem sabe, fosse aquele bule que aparecia no quadro? E se  pertencesse ao rei Luiz XV era, sem sombra de dúvidas, uma peça valiosíssima, para qualquer época. Para um colecionador uma relíquia! Quem sabe a vasilha real estivesse ainda por lá, largada no pé direto da ponte. Talvez, depois que passou o vão da ponte tenha se soltado do rabo do gato e ido ao fundo do rio. Tagor e Chouchoulina, ela e ele, mesmo sem o saber tinham um encontro marcado. Tinham ambos, uma viagem a fazer. Uma viagem que os levaria, quem sabe, para dentro de si mesmo.



Fabio Campos, 03 de Abril de 2017.     

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