CARNAVAL Vend a v a l 5º Episodio Frivollus



Carnaval. Bloco na rua. A moça de óculos. Impassível. Permanecia lendo. As páginas do livro iluminava. Seu rosto. Tornando ainda mais alvo. Sereno. O mundo a lia, também. Lia. Os pássaros a liam. As árvores, o vento. A tarde. Caindo. Devagar. O cantor parou de cantar. Por que o cantor parou de cantar? Estava doente. Estaria realmente doente? Que doença tinha? Talvez tivesse morrido. A música, porém, continuava. Soava alto ainda, sua voz. Carnaval, tempo de amar. Indiscriminadamente. Amor fantasia.

Carnaval. As pessoas se amando. Mais intensamente, pois era carnaval. Amor irreal. Surreal. Sem compromisso, pois era carnaval. Teriam a quaresma inteira pra pedir perdão, a Deus. Ao padre, ao sacristão. A si mesmo. Ao próximo carnaval. Ao mundo. Por que não? Pelo que? Pelas faltas, pelos excessos. Pelos atos, de fato. Pelas palavras.  A omissão. Pelo álcool. A embriaguez do frevo. Pelo sexo adoidado. Pela ressaca de corpo.  Ressaca da alma. Choro. Não dava pra voltar a trás. Não daria?

Nas searas, o carnaval sempre diferente. Os negros, os batuques. O maracatu. O quilombola. O mela-mela, de barro. Tirado de dentro da barragem. O colorido contracenava com o céu, o amarelo lutando com o azul. O branco. O negro, o dente branco, o cachorro negro. A raiva, o dente, o  osso e o urubu.

O cantor. Tinha um caso, com outro cantor. E os professores. Riam na praça. Nos caminhos. As crianças correndo, as bicicletas.  O homem de rua. A oportunidade de redenção. A caridade com prazo de validade. Pra quando viesse a quaresma. Dar esmola. Pra expiar pecados. Com certificado de anuidade. Os padrinhos sempre fazem afagos nos afilhados. Mas somente quando queriam. No momento não queria.

O cantor. Homem com cara de menino. Precisava de subsídio pra compra de um cigarro. Canabis sativa. Pediu dinheiro a um, que não tinha. A outro, que não queria dar. A um terceiro que daria. Mas só se tivesse. E era sempre assim quem mais queria, nunca tinha pra dar. Canabis ia ter que esperar. In. Felizmente. Ora ela. Ela sabia esperar. Tinha uma paciência! “Impaciência de pulga.” Se vira peão! Sabia.  Arranjaria o dinheiro. Sempre dava um jeito. Amores desfeitos. O velho pai. Pra esses casos. Tinha um dizerzinho popular: “Dinheiros curtos, morenas apaixonadas.”

O cantor. Amava o amigo com muita paixão. E quando veio a decepção. Quase morreu de amor. Nada mata mais que o amor. Amor não correspondido. Morreria! De amor?

Os pecados. Engraçado,  ficam todos esperando o carnaval chegar. Carnaval tempo de pecar. A saírem por aí. Se esbaldando. Fazendo homem beijar na boca. Outros homens. Só porque era carnaval. Carnaval faz mulheres amarem, tresloucadamente. Declararem-se a outra. Traírem seus homens. Por vingança. Esperara o ano inteiro. Agora que era carnaval. Tudo valia. Tempo de transar. Transar trans-louca-da-mente.

O beijo. O choro. O arrependimento. Antecipadamente. O cantor morreu. Teria sido de Aids? Observou como estava tão magro ultimamente? Primeiro teve febre. Muita febre. Calafrios. Viu?  Viu, cada um dos seus ossos no espelho. Viu? O cabelo caindo. Ficando ralo, bem pouquinho. Os olhos afundando, lentamente. Espelho, espelho meu? Existe alguém tão horrendo quanto eu? Tem. Carnaval. “Tem carnaval! Tem um fusca e um viô...”

Genital despudoradamente exibido. Prova do seu amor proibido. Amor. Sexo avassalador. Agora exibia carne descarnada. Descarnal, corpo de carnaval. Um cigarro de Canabis. Daria pra aliviar muita coisa. Esqueceria, o desconfortável prazer de ver no que havia se transformado. Se travestindo de caveira. Ótima fantasia de carnaval. Zumbi de si mesmo. Seria engraçado? Sairia na rua claudicante. Julgariam que estivesse bêbado. Fraco. As forças o abandonavam. Um bobo. Não de carnaval. Não exatamente, realmente bobo.

O cantor. Amanhecera morto Não fosse carnaval, ninguém acreditaria. Não acreditaria justamente por ser. Seria preciso a dor de uma quarta-feira de cinzas pra acreditar, que realmente morrera. Não se morre uma estrela assim. Não em pleno carnaval. Mas se isso tivesse realmente acontecido? Teria morrido feliz. Não se fora num dia qualquer. Em nome do prazer. Tinha que ser no carnaval. Pareceria uma daquelas caprichadas, caprichosas fantasia de carnaval.

Jamais esqueceria os beijos. Molhados de cerveja. Beijos com sabor Canabis. Beijos de fumo. Um trago um beijo e soltava a fumaça. No bloco de carnaval tudo vale. Beber, transar nos banheiros dos bares. Urinar vestido na fantasia, porque macacão é tão ruim pra quem quer aliviar a bexiga. Se se molhar de cerveja. Ficar com uma cara engraçada. Os cabelos duros de cerveja, maisena, detergente, uísque, talco, perfume barato, óleo de comida. Graxa de sapato. Ficar com cara de minerador. Os bolsos cheios de areia do rio. Ouvidos cheios d’água. Cabeça cheia de nada.  

Carnaval. Tempo de outros tempos. De ser. Outro ser. Tempo de não ser. Tempo. De esquecer. Não ser o mesmo. De sempre. Tempo. De inventar de ser outro. Fantasia. Desinventar de ser. Desilusão. Se fantasiar de morte. Morrer.



"a nossa vida é...
                       um carnaval...
                                             jogaram cinza...
           caiu a máscara da ilusão..."




Fabio Campos, 14 de fevereiro de 2019.

LUAL CARNAL 4º Episódio da Série Frivollus




Uma estrada de barro. Um caminhão. Uma chuva. Chuva. Água de porte. Transporte. Trovoada. Caminhão na estrada. Uma casa de alpendre. Uma mulher. A música. Várias mulheres. Uma noiva. Vestido branco, de noiva. Não era pra ser daquele jeito. Mas era. Homens. Bebiam muito. Quer dizer. Aquela música não cabia ali. As outras coisas. Outras. Todas.  Estavam, em seus devidos lugares. Quer dizer. Quase tudo. Todas. Algumas. Todas. Não.

A serra, que contava uma história. Muitas histórias. De meninos perdidos, com medo de se perderem. A mulher. Mulher que o marido batia-lhe. Com violência. Até que um dia. Não! Não mais suportando, enfiou-lhe uma faca no bucho. E foi viver com outra mulher. Mulher. Mulheres se amando.

A Mulher. De um rapaz que estava pra casar. Vésperas de casamento. O rapaz perdeu sua amada. Trocou-a por um menino, e era seu primo. Os dias. Todos os dias iam pra roça. Estavam cortando capim, a várzea do riacho. Era uma turma grande. De homens. Todos forte. Arranchavam-se debaixo duma baraúna gigante. Ali mesmo almoçavam.

Os olhares, muitas vezes, a dizerem mais que palavras. Achava-o bonito. Mas, não era atitude de homem dizer. Achava outro homem bonito. Os pais não aceitaria. Preferia morrer. Preferia amar em segredo. O banho do fim de tarde pra tirar o cansaço, a lama. Ao tocar o próprio sexo. E vinha. A vontade de fazer sexo. O homem que amava. O menino. Quase inocência. Primos.

A carroceria do caminhão, servia pra carregar gente. Os trabalhadores da roça.  Um a um. E iam ficando ao longo do trajeto. Chegando aos seus destinos. Um a um descendo. A estrada, o barro. A chuva da tarde. Cair da tarde chuvoso. A passagem molhada. Totalmente molhada. Lábios mordidos, molhados. Totalmente. De água da chuva.

E se o riacho, viesse com uma cheia? Se viesse uma cheia. Viria uma cheia. Não... viria uma cheia? A chuva além de rápida, bruta. Abrupta. Valente, tempestuosa. Grossa. Feito sexo. O homem. A chuva. Chegou infringindo à tarde. Grosseiramente. Feito moça rebelde. Aquele cabelo. Molhado colando nas costas. Magra, de pele alva. A tatuagem de um beija-flor. Molhada de chuva. O campinho. A chuva. Jogar bola na chuva. Tão libertador. Tão dor. A dor.

A dor de não poder. De poder. De querer, e não poder. Os trabalhadores da roça. Um a um. Iam todos descendo, descendo. Até ficar somente dois na carroceria. Homem. A chuva. E o menino. Primos. A lona que quase não aparava nada. Os pingos grossos. O rapaz, Um beijo, menino. O pênis rijo. As nádegas frias. O toque macio. O amor avassalador. O beijo proibido. O menino, o noivo. O menino, o primo. Ex-menino. Ex-noivo.

Quando a chuva passar. Era música. Mas é claro que o sol. Mais música. Não haveria mais sol. Não era mais música. Não haveria mais casamento. Não era. Música cortada. Interrompida. Era quase noite. Rompida. Já se fizera noite. Os grilos, faziam a festa. Depois da enxurrada. As enxadas, estrovengas. O arado. Pararam de hibernar. Chegara o tempo dos grilos. das estrovengas. Invasivas. Violentas. Dos dias amarelos, violetas, que se faziam. E como faziam, falta. Das craibeiras tapeteando de amarelo o sertão.

Se soubesse que era bom, assim. Teria feito, já a mais tempo. O primo, e menino. Danado. Apaixonado, pelo noivo. Sua estrovenga . Gigante. De amante. Diamante. Apaixonaram-se, menino e homem. Talvez por seu sexo? Por seu corpo. Aquele corpo. Ai que corpo. Não tinha, jamais, como esquecer.

O riacho, a carroceria do caminhão, a mata, a serra, o banho do riacho. Tantas eram as testemunhas. Estrada, mata fechada. Banho de riacho com chuva. Prazeres indizíveis. água morna, água fria. Corpos molhados. Amor de homem, prazer de menino. Puro amor, casto amor. Avassalador. Noiva nenhuma. Seria capaz de acabar, tanto amor?

O dia de carnaval era pra brincar. O mela-mela. A mesa colocada debaixo do pé de manga, detrás de casa. A caixa de som. A música estrondando a tarde. A marchinha vinda de muitos anos atrás. Tinha uma que lembrava a cunhada. No dia do seu aniversário. Foi colocado um bolo que só seria partido no final da festas. Mas todos ficaram bêbados e começaram a tomar banho com uma mangueira d’água, e acabaram molhando o bolo.

Já viera a noite. Quase todos estavam bêbados. Aquela música atravessaria anos. Vinha carnaval, Ia carnaval, e lá vinha ela. Todo molhado. Bolo Fevereiro. Bolo aniversário, véspera de carnaval. Bolo estragado. O corpo, melado de glacê. O sexo proeminente, molhado dentro do calção. A moça acabou flagrando-o a despir-se do calção molhado, dentro da garagem. O calção molhado no chão. Corpo nu. Cheirando a cerveja, excitação. O copo de cerveja na mão. Aproximou-se. Segurou-lhe o membro. Disse apenas. Pra ter cuidado com a ferramenta, de uso exclusivo de outra mulher. Sem ter o que dizer. Tendo tanto o que fazer. Só restou-lhe. Pular carnaval, abraçado a ela. Vestida de azul. Ele somente ele, simplesmente nu, Tão Somente. Apenasmente nu. todo molhado de cerveja.

“Já pintou verão, amor no coração/ A festa vai começar, avenida sete da paz eu sou tiete/ Carnaval na Bahia, oitava maravilha...”

Fabio Campos, 09 de fevereiro de 2019.