PROCISSÃO DE SENHORA SANT'ANA


“Nos vossos dias de alegria, vossas festas e vossas luas novas, tocareis a trombeta, oferecendo holocaustos e os sacrifícios pacíficos, e elas vos lembrarão a memória de vosso Deus. Números 10 – 9,10”

Fui à casa de minha mãe, havia as férias de julho. Outra vez, encontrei-a revirando coisas, objetos antigos, álbuns de fotos. Coisas guardas com muito carinho. Tentativa vã de reter o que era, não é mais. Se fora, não volta. Nunca mais. Nunca mais, dói. Como é doída, a dor do nunca mais. Dizia. Falava a respeito de papai. Mostrou-me velhas fotos. Um retrato da “Procissão de Senhora Santa Ana -1968- Santana do Ipanema”, assinalavam letras cursivas brancas, como que escritas a giz - e se espaços brancos, desapareciam - no roda-pé do postal. Conseguidas, gostaria muito de saber como.

Estranha capacidade essa de petrificar momentos possui as máquinas fotográficas, pintores gravuristas idem. A foto em preto e branco concebida, amajentou. O tempo, somente ele, capaz de esmaecer, desbotar, amadurar. E o que já não tinha nuance, de sem nuança se acerbou. O flagrante captado à Avenida Martins Vieira, de quase meio século, de quase a mesma idade também.
Quis estar dentro daquela gravura, e fui. Os foguetes de Zuza fogueteiro subindo, lá em cima explodindo. Angariando os olhares pueris dos infantes, olhar enfadado dos caminhantes idem e aturdido dos matutos, volvidos todos lá pra cima, pra o céu de Senhora Santana. Céu cheinho de nuvens. Muitas delas plúmbeas, grávidas d’água. De resto, anil de veronese, esmaecido dum amarelo alaranjado, pras bandas das tocaias.

Aquele ar, aquele áurea, tal estado de coisa, tudo aquilo já o havíamos vivido antes. Fora meu. De novo era. Antes num corpo reduzido, na terna inocência de oito anos de idade talvez. Em mim mesmo, dormidas sensações voltavam. A casa de esquina de Seu Domício Silva, a casa dos pais de Roberval Nóya, a de Seu Abílio Pereira. Poucas eram as habitações na via andante de então. Calçamento, projeto ainda, nos documentos do Paço Municipal. Promessas nos discursos deitado a verbo nos comícios eleitorais.

Barro vermelho, úmido, grudando - no solado dos calçados, no passo a passo - e saltando. Barro salpicado na boca das calças de brim, cambraia e ciroco. Ensanguentando sisudos Passo Double, propositadamente engraxados para ocasião memorável. Silicato de argila, volatilizando pras narinas, lama viscosa, gélida. Respigando nas meias alvinhas dentro dos sapatos envernizados das meninas, de longos rabos de cavalos. Em vestes brancas e boinas das cruzadas, de faixas da catequese, de dona Marina Marques. Com esmero desenho dum cálice, um ramo de trigo e um pão à faixa ao ombro. O botão pregueado de dúbia flâmula à cintura. Ao fundo projetando-se sobre o céu pálido, a serra da microondas, que até então era apenas serra. Rica, densamente aureolada de mata branca, no momento verde invernal. Amofinada de neblina no cume. Grânulos de cristais de gelo disperso no ar, eriçando derme e pelos. Embaçando o ar quente dos pulmões. Tudo, tudo, trazido da memória.

A procissão, organizada em duas fileiras. De um lado homens, do outro, mulheres. Adornada de véu, as zeladoras do Sagrado Coração de Jesus, revestida de marinho intenso, fechado, fita vermelha e broche ao colo. Procissão, significado profundo. A todos igualando. Avança num só intuito, cada um sendo o que é, de si. Vida retratada, em detalhes. Encabeçam o cordão, políticos, autoridades. Homens familiarizados ao jugo dividem, se solidarizam ao peso do andor. Olhar pio. Na rebarba os desimportantes. Os tipos. Boêmios, jogadores de cassino, prostitutas, delas que iam descalças, em expiação dos pecados. Ali, de si próprio se colocam, pra não ferir, não causar indignação.    
       
Coroinhas avançam à frente com os sírios e lanternas acesos. Negro major todo de branco, balouçava em frenesi a matraca. Padre Luiz Cirilo, adiante do andor, ladeado do padre Alberto da paróquia de São Cristovão em paramentos preto e branco. Prefeito Adeildo Nepomuceno Marques e o tabelião Pedro Bulhões, trajados de paletó e gravata. À retaguarda destes, Major Estevan, de farda, o quepi debaixo do braço, desfila como se nas fileiras de um pelotão. Serenos acompanham, comerciantes, agricultores, pecuaristas, vez outra, volvem os olhos à imagem, como se agradecessem, pedissem graças. Alunos portando flâmulas, buquê de flores, no peito o brasão de sua escola. Professores à guisa observam seus pupilos. No ar sons de clarins, troar de tarós e bombos, da filarmônica Santa Cecília. Das bocas, enchendo os ouvidos, inflamando corações, brado uníssono, o hino a excelsa padroeira:

“Santa mãe da mãe de Deus
Recebeis filias corações
Derramai de lá do céu
Graças mil sobre nossos sertões
Vossa glória da virgem de mana
Protegei-nos Senhora Sant’ana”

 E seguia o cortejo pela rua da Cadeia. Céu nublado prenunciou chuva – cerca de duzentas almas caminhantes volveram seus olhos para lá - e se descortinou tênue e fria. As sombrinhas se abriram propiciando um brotamento rico de cores. Do alto, o formigueiro humano, louvando Senhora Sant’Ana, arremedava um canteiro de flores serpenteando no chão do sertão.

Fabio Campos

Zuza, Ilusionista Visionário


Antonio, ou Amaro? Não sei. Não sei que nome ele trazia nas certidões batismais. Mas isso pouco importa, não estamos aqui pra descrever uma biografia, dizer da origem e da trajetória de uma vida. Viemos aqui falar, apenas falar de um homem. Chamemo-lo simplesmente Zuza, melhor, Zuza fogueteiro, que era como Santana inteira o conhecia. Uma figura a um tempo simples e fantástica. Das que só encontramos nos lendários contos de Christian Andersen. Ele não se apercebia disso, mas criança sim. Vamos trazê-lo da nossa infância, da infância dos meninos que vivam nas ruas, nas praças de Santana do Ipanema, da década de sessenta.
Menino do nosso tempo era feito pras ruas. Pras festas, mormente as festas de rua. As mais esperadas por todos nós eram as festas religiosas. Garantia de espetáculos de fogos de artifícios. No mês de julho, Festa de Senhora Santana, na companhia dos pais, tinha que acompanhar todo o cerimonial da missa. Missa comprida parecia castigo. Com ansiedade, fosse ou não pecado, desejar o fim da novena. Porém, guardava recompensa. Andar no meio da festa, passear nos brinquedos, apreciar a queima dos fogos de artifício. Espetáculo concebido das mãos de Zuza fogueteiro. Depois viria agosto, com ele a Festa de Senhora da Assunção. O parque de Moacir, que tinha as Patinhas, brinquedo de meninas, e Barcos, brinquedo de meninos. E sempre na última noite, o show pirotécnico de Zuza, o artífice dos fogos. Também estaria presente nas novenas da Maniçoba, do Lajeiro Grande, das Tocaias, da Lagoa do Junco. A bandinha de pífano desfilaria pelas ruas angariando prendas, nas portas das casas, no meio da feira, e os foguetes de Zuza, subindo aos céus, anunciando, convidando para logo mais a noite a quermesse. O que seriam as de Festas de São João e São Pedro se não fosse Zuza fogueteiro? No meio do povo, as barracas de quitutes, os brinquedos coloridos, a barraca do leilão, nada teria a menor graça se não tivesse os fogos de artifício de Zuza fogueteiro.
Zuza não era apenas um manufaturador de fogos, era um fazedor de sonhos. Aos olhos daqueles meninos, não apenas impunha respeito por ser gigante em tamanho, mas principalmente pela arte de suas mãos concebidas. Nosso herói acreditava que a pólvora fora criada pelos índios. A longínqua China nunca fez parte de seu mundo, a não ser no feitio do cavaco cilíndrico feito à base de polvilho e fermento, vendido pelas ruas ao som de um triangulo. Aprendera sua arte, de seus pais, caboclos de Águas Belas. Nunca usou material feito pela mão do homem, colhia da caatinga os acessórios pra manufatura dos fogos. Pra fazer foguetes usava junco, vara de bambu, chumaços de algodão e cera de abelha pra calafetar. Cordão de caruá e fibras de vime pras amarrações.  Pra justificar a matéria-prima de sua arte, Zuza criou a “Lenda da Pólvora”, dizia:
Os índios que viviam na Amazônia, de antes de Pedro Álvares Cabral, adoravam Tupã o deus do trovão, que vomitava fogo pela boca e pelas ventas, em duas ocasiões, se estava com muita raiva, ou se muito alegre estivesse. O fogo de Tupã descia a terra em forma de relâmpagos. O trovão seria ele, destruindo as coisas dentro do seu reino, lá nas nuvens. Tupã encantado com a beleza da índia Iara esposa de Caramuru, a teria roubado, quando ela se banhava no rio. Iara se lembrava de Caramuru e chorava, seu choro era a chuva. O fogo da boca de Tupã descia aqui pra terra em forma de raios, ao atingir o chão transformava-se num carvão negro, formando minas de pólvora. Negra, se tinha raiva. Se se embriagava com vinho, alegre ficava e os raios desciam formando jazidas de pólvora branca.
Um dia Zuza teve um sonho. Sonhou com um homem branco, de paletó. Alto, magro, de bigode, chapéu engraçado, que diria se chamar Santos Dumont, teria declarado o quanto apreciava sua arte de fogueteiro. E concordava que fogos de artifício tinham mesmo que subir alto no céu. O show pro povo ver tinha que ser lá em cima. Mas que ele precisava inovar. E deu-lhe a idéia de fazer um avião que proporcionasse um espetáculo nunca dantes visto. Ao acordar, com a ajuda do filho, Zuza conseguiu o desenho. O protótipo do avião que impulsionado pela pólvora, dava um show de luz, som e cor! Exuberância de fogos de artifício. Guardava a sete chaves o segredo do silvo produzido pela propulsão do avião que ia de um poste a outro suspenso por um fio de arame. A cascata de faíscas coloridas permanecia por um bom tempo ainda. Iluminado a noite, a festa e os rostinhos alegres das crianças. A meninada, fascinada corria e corria. Seguiam na direção em que a aeronave partira. E pulavam e brincavam no meio da fumaça de pólvora queimada, que impregnava o ar, as roupas, as entranhas. O desconforto estomacal produziria flatulências fétidas, a que os pais chamavam de “barriga inchada”.  
E  Zuza tornou a ter outro sonhos. Sonhou com um homem de longa barba. Vestido em roupas engraçadas, de mangas bufantes. Com uma imensa boina na cabeça, donde pendia uma pena de águia. Pela descrição, assim genérica, personagens históricas diversas poderiam ser concebidas. Talvez Júlio Verne, Nicolau Copérnico ou Leonardo Da Vinci. Teria lhe dado a idéia de fazer um disco voador. E o disco brilhou na última noite de festa. Subiu levando em seu bojo, as aventuras, os sonhos, de tantas crianças ali na praça. Jovens e adultos tornados criança outra vez. Deixando se levar por aquela nave. Numa jornada intergalática tendo por  testemunha a estrela d’alva, bem ali por cima do serrote da Cajarana.  
E vieram outras e mais outras festas. Teve um ano que Zuza teria dito: -Na última noite de festa de Nossa Senhora Santana, vou dar um buquê de flores pra minha avó! Ora, todos sabiam que a avó de Zuza, a muito havia morrido. Como poderia dar-lhe um buquê de flores? Por acaso pretendia levar uma grinalda lá no Santa Sofia? E logo mais a noite uma belíssima sequência de fogos que pareciam flores iluminou a noite de Sant’Anna. Num majestoso jogo de cores, resplandecentes rosas vermelhas, exuberantes girassóis amarelos e alaranjados, begônias, gerânios e tulipas belissimamente de tons azuis e violetas. Esplendor de flores se abrindo, se despetalando por sobre os céus negro noturno, salpicado de estrelas flamejaram de luz, a imensa torre, os umbrais dos portais ogivais da igreja matriz, da avó de Zuza, e de todos sertanejos, que ainda agora pedira a ela que derramasse lá do céu graças mil sobre os nossos sertões.

LUZIA E A BESTA-FERA

“E fez Deus as feras da terra, conforme a sua espécie e o gado conforme a sua espécie e todo réptil da terra conforme a sua espécie, e viu Deus que bom. Gênesis 1:25"


Era uma vez, uma menina chamada Luzia. Uma menina aparentemente igualzinha as outras de sua idade, mas era só em aparência. Vamos contar essa história justamente pra gente descobrir, em que e porque era diferente. Nascida no seio de uma família prolífera e pobre, a filha de Seu Manoel agricultor, e dona Aparecida dona de casa, morava numa casinha de taipa com mais onze irmãos lá na Maniçoba. Estudava no Grupo Escolar Padre Francisco Correia, ainda às primeiras horas da manhã, saía de casa, só com a benção da mãe, nada no estômago. A farda de blusa branquinha, gravata e saia azul pregueada, e alpercatas nos pés. Quando o rio Ipanema enchia, da sua casa, dava pra ouvir o canto das águas rebentando nas pedras. Por entre os arbustos de catingueira e rasga-beiço. Na encosta da serra da microondas, ecoava as cantigas dos homens que trabalhavam no curtume. Ao longe o balir penoso de uma ovelha e o chocalho plangente, assinalando onde se encontrava o rebanho.

Dona Aparecida era uma pessoa temente a Deus, devota da santa pelo qual levava o nome de batismo, numa das paredes de tapume do casebre, imagens de muitos santos, São Sebastião, Santa Luzia, São Cosme e São Damião. Um grande pôster de Frei Damião de Bozzano com sua imensa barba branca, falando a um microfone. De gesso, as imagens de São Jorge Guerreiro, Nossa senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima e Padre Cícero. Galhos de arruda num copo de vidro, laçado por diversas fitinhas coloridas, lembranças de visitas a Juazeiro do Norte e Santa Quitéria. Nas sextas-feiras a boquinha da noite, a família reunida rezava o santo rosário, meditando os mistérios da via dolorosa. Recitavam a Ladainha a Nossa Senhora, enquanto uma vela acesa que se consumiria chorando parafina quente, num pires de louça branquinho. Seu Manoel todo ano ia a Juazeiro do Norte, do padre Cícero Romão Batista, pagar uma promessa. Tivera um problema de saúde que quase tiraria a vida. Uma constipação crônica, adquirida no tempo que produzia carvão pra vender, a dois tostões a saca. Levadas em lombo de mula de porta em porta, pelas ruas de Santana.

Foi numa das aulas no Grupo Escolar que Luzia ouviu falar da Besta-fera. Na semana dedicada ao folclore a professora Marinalva Cirilo, dividiu a turma em equipes e determinou que cada uma pesquisasse sobre uma lenda do nosso folclore, Saci Pererê, Curupira, Mula-Sem-Cabeça, O Negrinho do Pastoreio. A equipe de Luzia pesquisaria sobre a Besta-fera. Na Biblioteca Municipal encontraram um livro que descrevia sobre a Lenda brasielira:

“A Besta-fera é uma mistura da Lenda da Mula-Sem-Cabeça e o Lobisomem. Não se sabe ao certo de onde saiu essa terrível criatura. Acredita-se tratar-se do próprio demônio em pessoa que sai das profundezas do inferno em noite de lua cheia, para percorrer as ruas de povoados e pequenas cidades. Eventualmente ele para diante da porta de uma casa. Nesse momento é possível ouvir sua respiração ofegante, coisa do outro mundo. Com frequência arranha as portas e janelas das casas com suas grandes garras afiadas. Dentro das casas as pessoas rezam o Credo para que a besta siga seu caminho. Por onde passa uma matilha de cachorros fugidios a perseguem. Acompanham seu assombroso trote numa algazarra infernal, nos quintais onde encontra um cachorro preso ela para e liberta o animal. Sua jornada termina quando chega a porta do cemitério. Nesse momento emite uma espécie de relincho que se assemelha a um assovio horripilante. É coisa tão pavorosa que alguns dizem tratar-se de uma gargalhada. Um ser fantástico, alguns relatos dão conta de que parece metade fera, metade besta, lembrando o ser mitológico Minotauro. Anda apoiado nas duas patas traseiras, o barulho de seus cascos vindo ao longe, é motivo de mais que suficiente para as pessoas se trancarem dentro de casa.”

Havia no livro, uma gravura da besta ilustrando o texto. Ao ver o desenho Luzia disse aos colegas que já havia sonhado pelo menos uma três vezes com aquela fera. Ao tomar conhecimento de tal fato, a professora Marinalva teria procurado os pais de Luzia e orientado que a levasse a missa do domingo, e que a fizesse confessar-se com o padre Luiz Cirilo. Na sexta-feira daquela semana, Luzia veio a Rua Nova, pra fazer o trabalho escolar com suas colegas. Ao retornar, já era tarde, se encontraria com seu irmão mais velho, Pedro que ficava na praça de São Pedro jogando dominó. Ao chegar no beco do velho prédio do Fomento, Luzia teve a visão.

A Besta-fera envolta numa aura de luz, labaredas de fogo se desprendiam do seu corpo. Era visão pavorosa. Disse a Luzia que era chegada à hora dela ganhar o que merecia. Era dívida de séculos passados. Na idade Média ela, Luzia, teria a expulsado desse, para o mundo das trevas. A besta se referia à santa, a qual a menina levava o nome de batismo, que a teria exorcizado do corpo de um jovem. A maldição teria durado treze séculos. Luzia não tinha escolha tinha que enfrentar sua inimiga, a que vivia a atormentá-la em sonho, agora viera pessoalmente desafiá-la. Luzia trazia no pescoço um santo rosário, benzido pelo padre Cirilo, aquele em que toda boca da noite de sexta-feira, rezava com sua mãe e irmãos. Tirando-o do pescoço partiu o cordão. Enchendo a mão com as contas do terço, arremessou contra a fera. Cada conta virou uma bola de fogo que atingiu a fera em cheio, ferindo-a de morte, mas eis que apenas tombou ainda estava viva! Imediatamente Luzia ergueu o pequeno crucifixo aos céus, e este se transformou numa imensa lança de prata. A menina se adiantando cravou-a no coração da besta, que soltou urros pavorosos, labaredas pelas ventas e expirou. Virou pó e cinzas. No beco vazio, só Luzia, o cheiro forte de enxofre, e a lua por testemunha, no chão repousavam as contas do terço e o pequeno crucifixo de madeira, que Luzia recolheu e levou para refazer seu rosário. Esse encontro está narrado em muitos cordéis, vendido no meio da feira, dia de sábado. Um ditado popular nasceu dessa aventura, quando alguém sofre perseguições e comum se dizer: Acabastes ganhando o que Luzia ganhou no beco.

Fabio Campos

UM ASTRONAUTA EM SANTANA DO IPANEMA





Santana do Ipanema, em 1969, administrada por Adeildo Nepomuceno Marques, não passava de mais uma. daquelas pequenas cidades de interior, muito provinciana. A população se ligava ao mundo apenas via radiodifusão e telégrafo. Prefeito e promotor de justiça e alguns comerciantes possuíam telefone de linha fixa. O jornal gazeta de Alagoas era um dos poucos periódicos que aqui circulava, chegado da capital. O estado de Alagoas era governado pelo usineiro Antonio Simeão Lamenha Filho. No comando da nação brasileira, estava o Marechal Artur da Costa e Silva.

Pra contar nosso causo, precisamos situar no contexto histórico e político em que vivia o mundo à época, sob a velada guerra fria. Duas superpotências mundiais, digladiava-se divididas em dois blocos ideológicos distintos, de um lado o capitalismo travestido de democratas, encabeçado pela superpotência Estados Unidos da América que tinha a frente o democrata Richard Nixon. Na outra ponta a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas comandada por Nikita Kruschov. O mundo vivia sobre constante estado de conspiração, a moeda vigente era o tráfico de influências. Deu no New Times de 21 de dezembro de 1968,” Frank Borman, Jim Lovell e Bill Anders foram os protagonistas de um show inusitado. A missão Apollo 8 durou sete dias e seis noites e foi a primeira a levar o homem à órbita da Lua. Os Estados Unidos davam um passo à frente da União Soviética. Os tripulantes, porém, não conseguiram pousar na Lua. A nave apresentou defeitos graves, enfrentou um choque com um meteorito e uma tempestade solar. Mesmo assim, a operação foi considerada um sucesso: os três conseguiram retornar aos Estados Unidos e o sentimento geral era de que o homem estava pronto para o futuro.”

No Brasil vivia-se a euforia pela proximidade da Copa do Mundo no México, havia uma confiança generalizada na Seleção Canarinha. Sob o governo Costa e Silva foi promulgado o AI-5, que lhe deu poderes para fechar o Congresso Nacional, caçar políticos e institucionalizar a repressão e a tortura. Castelo Branco presidente antecessor, depois de deixar o poder, morreu num acidente de avião, em situação obscura e mal explicada pelo governo. Ele não concordava que Costa e Silva fosse seu sucessor queria ser sucedido pelo general Ernesto Geisel, só permitiu que Costa e Silva o sucedesse porque temia um racha no Exército, o que poderia culminar com um enfrentamento militar, reduzindo ainda mais a soberania nacional. Os Estados Unidos da América, tentavam superar a União Soviética na corrida armamentista, cibernética e na conquista do espaço. O Brasil era aliado dos ianques, permitira inclusive a instalação de bases militares em terras brasileiras. No governo Costa e Silva, houve um aumento significativo das atividades consideradas subversivas. Era comum a presença de manobras militares estadunidense em terras brasileiras, para coibir os dissidentes políticos. Haviam agentes secretos infiltrados em todos os escalões do governo.

Foi nessa época que chegou a Santana do Ipanema, o senhor Estives Collins. Era assim, um homem alto, caucasiano, bem afeiçoado. Falava pausadamente um português carregado de sotaque Alugou uma casa na Avenida Coronel Lucena, próximo a Prefeitura Municipal. Costumava sair de casa em trajes de antropólogo. Assim, chapéu blusa e bermuda brim em tom marrom, cantil, e bolsa de lona às costas, Botas e meias três quartos nos pés. Completava seu visual, óculos escuros, que lhe cobria os olhos azuis. Uma prancheta de anotações e caneta sempre a mão. Um do tipo Indiana John,. Alugou um jipe a Zé “V”8. E passava o dia em expedições pelas cercanias. Ia pela zona rural do município fazendo perguntas. Pesquisava plantas, solo e bichos, sobre o povo, era pouco o interesse.

A população curiosa confabulava sobre o que viera fazer aquele americano pelos sertões santanenses. Dizia-se que viera estudar o nosso solo para comprar uma grande área de terra. Provavelmente para construir uma fábrica de tecido de algodão. Seria um novo Delmiro Gouveia! Estives sempre voltava de suas expedições trazendo variedades de plantas e amostra do solo. Não demorou e na casa em que morava foi instalada uma potente antena. Muito mais imponente que a do Correio e Telégrafos. Se descobriu que era um radioamador. O gringo não era dado a muita conversa, o que gerava ainda mais desconfiança. A boca miúda dizia-se que era agente secreto do governo. Entre conversar com adultos e crianças preferia estas de cá. O que provocaria o boato de que era tarado sexual, e logo ganharia o apelido de papa-figos. Para que meninos e meninas dele não se aproximassem.

Certa ocasião Estives visitou o Grupo Escolar Padre Francisco Correia, queria saber da existência de algum livro que falasse do município, do seu relevo, tipo de vegetação, composição do solo, essas coisas. Não havia o tal livro. Um menino chamado Alberto disse ao americano que sua mãe, Maria Laranjeiras, em casa mantinha uma pequena biblioteca e já tinha visto entre aqueles, um que falava sobre Santana. O americano ficou interessado e o menino se comprometeu de levar-lhe, o tal livro.

Alberto ficou encantado com a quantidade de instrumentos de observar o espaço que o americano tinha em casa, Curioso mexeu nas revistas de pesquisa espaciais que Estives aos montes tinha espalhadas pelos móveis. O livro que Levou pro ianque ver foi o de Tadeu Rocha. Em troca ganhou vária fotos originais de naves espaciais e astronautas sorridentes metidos nas suas estranhas roupas de andar na lua. Estives não demorou foi embora, abandonou Santana do Ipanema, deixando na casa equipamentos que foi recolhido pelo governo federal. Se o menino Alberto soubesse inglês, e tivesse lido na prancheta as anotações do americano, Santana teria entrado pra história das viagens espaciais. Entre outras coisas os escritos de Estives dizia: “Nas minhas pesquisa chego a conclusão que o solo do deserto do Arizona é mais adequado que os solos do sertão brasileiro, para a efetivação da Operação: Viagem a Lua: Apolo 11.

A bandeira dos Estados Unidos foi hasteada e a ela Armstrong e Aldrin prestaram continência. Em solo lunar. Uma placa foi deixada com a mensagem: "Aqui os homens do planeta Terra pisaram pela primeira vez na Lua. Julho de 1969. Viemos em paz, em nome de toda a humanidade”.



Fabio Campos..