O Profeta (Uma história Incrível!)


O Profeta O que mais chamava a atenção nele, seus cabelos brancos. Alvíssimos! Nos olhos de lince, o quanto era sagaz, espirituoso. Isso dava a desconsiderar os mais de setenta anos, que provavelmente tinha. A pele alva ajudava a disfarçar os sulcos que vincavam o rosto, bem escanhoado. Vestia uma camisa de manga comprida azul clara, e calça de linho. Estava sempre vestido assim. Chinelos e meias brancas nos pés acentuavam-lhe a excentricidade. Nunca o vi apartado de um livro. “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, trazia à mão, no dia que me contou a história. Em Santana do Ipanema, hospedava-se sempre no hotel Santanense, de Dona Beatriz. Foi bem ali, que passei a ouvir a fabulosa história do senhor Giovanni Montserrat. 

Duas ou três vezes por semana, eu ia ao hotel. Entregar doce de leite, que minha mãe fazia, por encomenda. Na época, eu não passava de um rapaz, apenas quinze anos tinha. Numa dessas minhas idas ali. Vi-o sentado na sala de espera. Sozinho lia o livro e fumava. Naquela manhã fria, usava um cachecol em tons verde. Já o tinha visto antes, sentado a praça, andando no passeio público, conversando com Doutor Bittencourt, juiz de Direito, também hospede do hotel. Incrível, como não conseguia passar despercebido! Algo nele atraia nosso olhar. Num determinado dia, me chamou. Pediu-me pra sentar. Perguntou o meu nome. Queria contar-me uma história. Fiquei curioso de saber, por que a mim. Disse, simplesmente porque me achava inteligente, e que gostava de conversar com pessoas inteligentes. Constatei ainda mais o quanto era astuto, e como sabia mentir. Pediu a uma camareira que lhes providenciasse um café. Daí nossa conversa passou a ser um jogo de perguntas e respostas, que muito ajudaria a elucidar o emaranhado quebra-cabeça que compunha sua tão incrível odisseia.

A Baleia 
Senhor Montserrat era italiano. Vinha a Santana do Ipanema, rever o amigo farmacêutico, Nepomuceno Agra, com quem esteve na batalha de Monte Castelo, na segunda guerra mundial. Resolvera escrever um livro sobre aquela aventura, fazia pesquisas. Perguntou-me se conhecia a história da existência de uma baleia, no subsolo da igreja Matriz de Senhora Santana. Disse-lhe que quando estudava, no Grupo Escolar Padre Francisco Correia, teria ouvido algo sobre a tal baleia. O que eu sabia, era que o cetáceo marinho ainda estava lá, vivinho da silva! Dentro de um imenso poço cheio com água do mar, sob o altar da nave. Isso, eu tinha guardado na memória da minha infância. Senhor Giovanni esclareceu que não era bem assim. O que existia de verdade, era uma arca enterrada lá. Dentro dela relíquias da igreja. Entre estas, pedaços de ossos da baleia que engoliu o profeta Jonas que, segundo as escrituras sagradas, passaria três dias no seu ventre. Na arca estaria também, documentos guardados. Um destes determinava, através de um código a ser decifrado, o local onde se encontrava o tesouro da família Montserrat.

Inventário 
Como este inventário familiar codificado, foi parar embaixo do altar da igreja de Senhora Santana, é uma longa história. O senhor Montserrat, contou-me esta parte do enredo, em rápidas pinceladas. Se esforçando pra que esse pedaço da narrativa parecesse sem importância. Dava-me a impressão que temia tornar o relato atraente, e assim acabar criando expectativas animadoras no interlocutor, principalmente se fosse este que vos fala, um daqueles caçadores de aventuras. Aventureiro dentre nós, não sendo eu, sobrava ele mesmo. Dizia ele que o papa Leão Magno I, ao ver-se sob as constantes ameaças dos bárbaros, e de Átila rei dos Hunos, que pretendiam saquear Roma, resolveu enviar, parte dos tesouros que a igreja acumulara, pra várias partes da Europa. Pra cada província católica, um santo da igreja, e um determinado lote de bens designado.

Relíquias
Durante muito tempo, uma parte dessas relíquias, estivera sob o poder do rei Dom Manoel de Bragança e Bourbon, em Portugal. O poderio megalomaníaco dos faraós, as conquistas esplendorosas de Alexandre, "O Grande", e a determinação dos imperadores romanos em expandir seus domínios, fizeram o imperador Bonaparte da França, divagar e planejar a conquista inicialmente da Europa, depois, o mundo. Napoleão passou a ser uma ameaça, pra todos os países vizinhos da França. Com medo das invasões napoleônicas, Dom João VI e família, trouxeram os tesouros da igreja para o Brasil, sob a égide de São Vicente. Uma vez aqui, quando uma ordem, ou freguesia era criada, os Missionários jesuítas da Companhia de Jesus, reuniam-se e escolhiam um santo da igreja, para nomear a nova província, que recebia junto com a imagem, um fracionamento dos despojos papal. 

Senhora Santana seria a santa escolhida para conduzir, e ter sob sua proteção, as almas que porventura viessem ocupar a sesmaria dos irmãos Martins Vieira. Concedida pelo então governador geral Duarte Coelho, localizada na porção meridional da capitania de Pernambuco. Portanto, Junto com a imagem, da santa mãe, de Maria santíssima, a avó de nosso senhor Jesus Cristo, viria às relíquias, contendo ossos da baleia que ingeriu o profeta Jonas. E entre outros, o documento do espólio do Brasão dos Montserrat. Até então escondido em solo italiano, sem que ninguém, dentre os que vivem nos dias atuais, soubesse onde se encontrava. O principado de Montserrat era uma bela mansão que ficava nas imediações de Monte Castelo. Território neutro em determinado período da guerra. Seria esse, o fator determinante, para que o comandante do exército italiano, coronel Giovanni, acabasse conhecendo o santanense, o soldado Agra. 

A Maçonaria
Geovanni me perguntaria também, se sabíamos da existência de uma pirâmide, num ponto equidistante seis léguas a nordeste do altar da igreja. Nunca na minha vida havia ouvido falar de tal pirâmide, em solo santanense. Disse de tal existência, e ainda falaria, como e porque ela fora construída. Segundo ele, capitanias hereditárias e sesmaria no Brasil, foram todas planejadas pela maçonaria. Tornada prática legal, muitos anos depois, pelo então ministro de estado, o Conde José Bonifácio de Andrada e Silva. Por isso quando uma sesmaria era criada dois símbolos deveriam representá-la: Um símbolo clerical, a imagem de um santo, e um símbolo da maçonaria, no caso aqui, a pirâmide. Discorreu sobre um trecho do mapa narrado pelo seu finado avô Leon Montserrat: "Um compasso imaginário tendo seu ápice apontado pro altar da igreja matriz de Senhora Santana, a haste do grafite, estendida até o ponto onde se encontrava erguida a pirâmide, e a haste de apoio, arestado num ponto, a noroeste da cidade, conhecido por alto do cruzeiro". Concluíra o ítalo-montês que: "Ligando tais pontos geográficos; desde a pirâmide, até a grande igreja matriz, e ao local da torre do castelo no alto do cruzeiro, formava-se um triangulo equilátero. Um olho imaginário, que a tudo via, se posicionaria no centro desse triângulo".

A Pirâmide, teria sido construída pelos missionários da companhia de Jesus, com o auxílio de índios nativos e Incas. Isso mesmo, índios Incas, fizeram uma grande expedição até o sertão alagoano. Uma missão preconizada pelos seus deuses, dizia: “Para o império Inca não cair em declínio, um grupo de bravos guerreiros, deverá transpor toda a América, de lado a lado.” Saíram pois do Peru, em linha reta, viriam parar em Alagoas. As várias técnicas de navegação, o conhecimento científico de astros e estrelas que dominavam perfeitamente, fez com que conseguissem chegar até aqui. Deixaram alguns ensinamentos, trouxeram a diamba, e a cana de Caiena. Uma premonição do feiticeiro Inca, na língua aborígene seria hieroglifada nas paredes da pirâmide. Traduzida muitos anos depois, descobriu-se o que significava. Diziam àqueles signos que a igreja ia cair. A grande igreja que seria erguida pelos missionários cristãos um dia iria cair. Giovanni estudou estes hieróglifos e chegou a uma conclusão fantástica, a profecia dos índios, não apontava a queda da igreja de Roma, provocada pela reforma protestante, esta já havia ocorrido. Referia-se à igreja de Senhora Santana, que à época nem em sonho se imaginava ser construída, muito menos que cairia. Mas foi construída, e numa tenebrosa madrugada, toda a nave veio a baixo. O porquê, do desmoronamento da igreja matriz de Senhora Santana seria outro mistério, nunca elucidado até hoje.

A Igreja, O Padre 
O jornal Gazeta de Alagoas, deu ênfase a notícia: "Cai teto da Igreja Matriz de Senhora Sant’ana, em Santana do Ipanema!" O texto, com apelos sensacionalistas, relatava o sinistro, dizendo tratar-se de uma fatalidade, e que, a nenhum fenômeno climático ou meteorológico, deveria ser atribuído o incidente, que não teria feito vítima, nenhuma criatura, porque ocorrera durante a madrugada. E que uma perícia técnica estaria sendo encaminhada para determinar as causas. O texto descrevia ainda, breve histórico da paróquia, que se encontrava, a mais de quarenta anos, sob a tutela, do cônego Luiz Cirilo Silva. Senhor Geovanni disse que sua história estava chegando ao fim. Terminaria colocando ainda duas questões para que eu mesmo tirasse minhas conclusões: Por que o padre, que até então gozava de saúde perfeita, viria a falecer, exatamente três meses após a queda da nave de sua igreja? Ninguém, até hoje conseguiu explicar porque, ao retirar os escombros, para se iniciar a reconstrução, um grande buraco, contendo pá, picareta, e lanternas, foi encontrado no piso do altar. 

Fabio Campos

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