Existiu na Grécia entre 401 e 399 a.C. na cidade de Atenas, um homem que se tornaria um grande historiador do seu tempo, filho de Grilo, chamava-se Xenofonte, tinha um amigo um pouco mais novo que ele chamado Próxeno. Diz a história que Xenofonte gostava muito de cavalos. Amava-os tanto que chegaria a criar um tratado sobre a arte de criar e domesticar equinos. A metodologia, conhecida pelo não uso de violência, procurava ganhar a simpatia do animal. Carinhosamente concebida como cochichar ao ouvido do cavalo. A outra paixão de Xenofonte era por sua terra natal, tanto que seu mais importante escrito intitulado Anábase, fala de uma expedição ou marcha através do país. Muito provavelmente daí tenha originado-se o termo Xenofobia, medo irracional, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros ou forasteiros.
Próxeno soldado e mercenário, contemporâneo e amigo de Xenofonte. Ambos lutaram na guerra de Peloponeso. Faziam parte da caravana chamada de “Os Dez Mil”. Ao se verem em território hostil, próximo ao coração da Mesopotâmia, longe dos mares e sem líder. Elegeram o próprio Xenofonte como líder. Combateram contra persas, armênios e curdos. Verdadeiro legado de escritos sobre o caráter verdadeiro de um homem nossos heróis deixaram pra posteridade. Naquela época o estado já havia sido governado por uma sequência maléfica de aristocráticos chamados de Trinta Tiranos. Próxeno tinha sua paixão declarada por armas de combate, espaldeiras, gorjeiras, espadas, lanças.
Entre 2011 e 1960 d. C. na cidade de Santana do Ipanema, nas Alagoas, existiu um homem, também historiador. Poderia ter tido nome grego, não teve. Mesmo assim o denominaremos Xantipo. Assim como o outro, lá da Grécia, gostava de cavalos, também tinha um amigo mais novo que ele. Denominemo-lo com nome fictício do berço grego. Chamemo-lo de Péricles. Tal qual Próxeno, por gostar muito, colecionava armas. Nunca foram soldados, muito menos teriam combatido em guerra alguma. A não ser a “guerra urbana” que obriga a todos a prática de luta insana pela sobrevivência, diante do caos social que o mundo contemporâneo vos impõe. Ambos exercem funções semelhantes, o ensino, das ciências humanas e da formação moral ministrada a aprendizes em idade juvenil. Mercenários da força de seu trabalho vendem-na a outro mercenário o Estado, representado por um governo oligárquico. Oligarquia há mais de Cinco Séculos instalada e mantida, sinonímia a democracia aristotélica. Esta de cá, já contabiliza mais de Trinta Tiranos que se sucedem no poder.
O Combate
Xantipo santanense, o que gosta de cavalos. Um dia no intervalo escolar ouviu de um de seus pupilos um desabafo. Chamemos a este seu aprendiz de Diógenes. Disse-lhe que já havia matado várias pessoas. Não passava de um mancebo. O quase menino, que nem tipo tinha, não falava aquilo com orgulho. Falava como se tentasse livrar-se de um grande peso. Falava de uma angustia. Um incômodo que lhe acabrunhava a consciências, talvez a alma. Olhos tristes, vagos, distante. Disse que quando matou pela primeira vez estava sobre efeito de drogas. Tinha bebido, e havia fumado uma pedra de crack. Foi depois de uma balada, na volta pra casa, morava em São Paulo. O rapaz que ele nem sabia de quem se tratava deu-lhe um empurrão no salão de dança. Acabou pagando com a própria vida o ato, talvez, não intencional. Os outros crimes teriam sido aqui mesmo, no sertão alagoano. Pra roubar uma moto, um padrasto violento que batia em sua mãe. Uma moça que o traiu com um colega. Extensa lista de sangue do menino, que queria apenas desabafar. Escolhera alguém que pra ele inspirava confiança. Disse ter medo apenas de uma coisa: dele próprio. Sabia que jamais pararia de matar. Disse que em algumas ocasiões, teria sentido fascínio, certo prazer ao cometer o ato vil. Encarando e olhando bem fundo, no olho do contador de histórias, perguntaria se podia confiar no seu silêncio.
Péricles santanense, o que gostava de armas. Não apenas ouviu história triste. Sentiu-as na própria pele. Nascido no seio de família pobre. Órfão de pai, ainda criança. A mãe sofria de doença crônica incurável. Viu-a definhar até morrer. Outro dia, por iniciativa própria, foi à casa de um aluno. Notou que o menino teve vergonha de recebê-lo, nem o permitira entrar. Sentia vergonha da miséria em que vivia. Disse que o pai alcoólatra batia em sua mãe, abusava das filhas, suas irmãs. A tarde foi caindo. Um sol laranja avermelhado projetou silhuetas negras no fantástico cenário das coisas do sertão. Enquanto a noite vinha, abraçando lentamente aquelas duas criaturas que choravam um choro surdo, mudo, xerófilo.
Fabio Campos