O Serrote do Pintado é uma vistosa montanha que se estende a noroeste
da cidade de Santana do Ipanema. Desde o sopé até o cume, coberto de exuberante
mata nativa, a caatinga. Alheio a voraz sagacidade do progresso e da urbanidade,
conserva-se intacto até hoje. Como que a desafiar o tempo e a civilização. Onças-pintadas,
raposas, gambás, preás, saguins, jibóias e outras tantas variedades de
serpentes e salamandras ali convivem, num verdadeiro santuário ecológico.
Contam-se casos da existência de répteis tão grandes naquela floresta que teriam
até virado lendas. Passadas de geração a geração pela boca dos contadores de
histórias. Cobras gigantes, que já atacara alguns caçadores, matando-os e
comendo-os vivos. Permissão nenhuma era dada para entrar, muito menos caçar,
naquele bosque. Ato ilícito cometia os que ali adentravam e assim, nunca
ninguém sabia direito quem fora, ou de que família era os que levavam sumiço.
Indigentes, nunca reclamados, nem ao proprietário da mata, ao prefeito, ou a polícia.
Só os escutadores de causos, estes sim querem saber.
Quem se punha a andar ao sopé do serrote sempre pensava que nenhuma
construção veria num raio de muitos metros. Só que, de repente, lá estava ela.
Aparecia como que por encanto, a casa da fazenda do prefeito Agamenon. Por
entre árvores frutíferas, propositadamente cultivadas, com a finalidade de
arejar, dar sombra em derredor do casarão. No entanto muito ajudava a esconder
a construção. A entrada era simples. Uma cancela, feita de madeira nobre em
duplo xis. Sob um portal elevado em alvenaria. Ladeado por duas pilastras de
pedras, dava uma aparência rústica. Não trazia no alto a denominação pelo qual
era conhecida: “Castelo das Tucaias”.
Concebida no declive, numa área mais recuada. Construção elegante e graciosa.
Um casarão em estilo colonial. Feito com esmero. Arquitetada de modo a
aproveitar as falhas do terreno, escarpado. As vigas, apoiadas em batentes de mureta
propiciava espaço ao esconderijo alpendrado. Por entre a vegetação arbustiva, catingueiras
e craibeiras.
Seu Jasão e o filho Josuel, estavam juntos a cocheira. Havia uma
puxada, anexa ao curral. Cuidavam da lida diária da fazenda, iniciada com a
ordenha matutina. De onde estavam, avistavam a patroa Dona Sofia. Uma bela
senhora. Mulher de uma beleza sábia. Beleza
que se descobre, a cada vez que se deitava o olhar sobre suas feições de
singela imagem. Nem a maternidade, muito menos a vida matrimonial haviam tirado
dela, a graça, o viço juvenil, que aflorava na fugaz essência de seu ser. O
cabelo preso. A um intruso observador, cabia o ilícito dever de imaginá-la
desprendendo aquela linda cascata de fios sedosos e lisos a se derramar por sua
espádua. Liberando no ar, a sua volta, o perfume suave e inebriante do seu colo.
Nos lábios, suave tom purpúreo. Contrastando com a pele alva, e realçando ainda
mais seu rosto e os olhos claros. Mimoso chapéu à mão, graciosamente punha à
cabeça. Uma bela dama. A primeira dama
do município.
Josuel nascera naquela fazenda. Seu Jasão ali vira nascer, a ele, e aos
seus onze irmãos. Também o prefeito Doutor Agamenon. Seu Jasão era capataz,
desde quando a fazenda ainda era do velho patriarca, o falecido Ulisses. De geração em geração, as vidas seguiam seus
dramáticos destinos: Daqueles que só viviam para serem servidos, e daqueles que
acham que só serviam para servir. Josuel rapaz de feições morenas. Dedicado no
trato com as coisas rurícolas, aprendera a arte e o ofício com seu pai. É alto
e forte, como o pai. A labuta no campo acrescentara ao rapaz, musculatura
potente, rija, viril. Um mancebo de feições atraentes. Um rosto interessante,
boca de lábios finos, olhos astuto, de águia, cabelo serrado, rente a cabeça.
Braços e mãos de Titã. Pernas firmes.
Sofia, o observava com certa naturalidade. Muito embora no âmago, no
mais intrínseco de sua alma, ela ia encontrar-se traída pelos instintos de
mulher à admirar o belo rapaz. Voltava o rosto para o Cavalo. Acreditando que o
meneio de cabeça iria acabar por afastar o pensamento impróprio. Cavalo realmente
uma bela espécie. Aqueles belos animais estavam ali disponíveis, servis, submissos
às ordens de seus amos. O cavalo ela poderia montá-lo. E galopar pelos
arredores da fazenda. Sob aquela montaria, verdadeira deusa grega, tendo um
reinado inteiro a seus pés. Um dos vassalos, ali, pronto pra obedecer às ordens
de sua bela rainha. E ela incólume ordenaria:
-Josuel! Traga-me o cavalo até o alpendre da casa.
Ato contínuo fora vistoriar os afazeres na cozinha. O cavalo que Josuel fora pegar pra sua patroa
ir ao passeio, era um animal puro de origem. Cavalos possuem elaborada
linguagem corporal para comunicar-se com seus pares. Dotados de ilhargas suaves
que lembravam a sensualidade das ancas femininas. Firmes e bem apoiadas em suas
patas traseiras bem delineadas. O rabo um acessório importante, se excluído,
propositadamente ou não, tira parte da beleza do animal. Sua cabeça conelínea,
estreita próxima a boca levemente alargada nos flancos e orelhas. Quando
pressentem sinal de perigo arestam as orelhas. Aguçam a visão, o olfato tornam-se
dilatado pupilas e narinas. O pescoço é firme e largo, adornado pela crina, que
quanto mais cuidada imprime mais beleza e sutil sensualidade ao animal. Cavalos
selvagens são ainda mais fascinantes. Cavalos permeiam a história da
humanidade.
-Meu reino por um cavalo! Assim
diria Calígula. O grande orador Cícero nomearia seu belo equíno, senador da
republica romana. Josuel não ficando muito atrás, denominou o seu de Príncipe.
Sofia pediu que providenciasse outra montaria e que a acompanhasse,
não gostava de cavalgar sozinha. Nem suas filhas, nem Agamenon estavam na
fazenda. O filho do capataz, estava radiante, gostava de acompanhar a patroa,
nos passeios. Achava-a engraçada, pela sua falta de habilidade pra conduzir o
animal. O equídeo, acabava levando-a pra onde bem queria. Josuel a socorria,
servindo-lhes sempre de bate-esteira, função do segundo cavaleiro na vaquejada.
Andaram pelos pastos, verdejantes. Um gado preguiçoso pastava, com paciência.
Nem levantavam a cabeça, mesmo com a aproximação do cavaleiro e da amazona. Tanto
andaram que se aproximaram do início da mata. O misterioso emaranhado verde,
contemplava-os em silêncio. De repente, um descuido, e o rapaz ouviu Sofia
gritando:
-Socorro Josuel!
Ao ver a cena. Ele ficou totalmente sem ação. Era um problema, surpreendente,
inesperado. Nunca pensou que sua patroa, uma pessoa tão segura das suas
atitudes, tão séria. Fosse cometer um ato tão infantil. Digno de criança travessa. Ao passar por baixo
de um pé de cajueiro, ela agarrara-se a um galho e lá se encontrava suspensa
pelos braços. Mas não era hora pra
pensar, no ato traquino da senhora do seu patrão. O fato era real, e ela estava
lá, dependurada a lhe pedir socorro. Por milésimos de segundos ainda contemplou
aquele corpo tão lindo. Que ele tanto admirava, mas era a mulher do seu dono,
totalmente proibido olhar se quer, com outra intenção que não fosse pra dar-lhe
a atenção necessária quando ela falava. Quantas vezes, desviara os olhos,
cheios de pudor, pra não ver seus lindos seios, às vezes sem, outras vezes com
sutiã, quando curvava-se pra ver-lhe fazendo a ordenha. E agora ali, totalmente
dependente dele. O lindo corpo a balouçar. Os braços esticados pra cima,
delineava muito mais sua cintura, a blusa folgara atrás e exibia uma nesga de
suas costas alva. Pele sedosa, que liberava no ar, um cheiro estonteante, pra
aquele menino-homem, cheio de virilidade.
Não precisou ela fazer um segundo pedido de ajuda. A mente do habilidoso
vaqueiro trabalhou rapidamente e agiu. Colocou seu cavalo abaixo do local onde
Sofia estava pendurada. Seus pés, balançavam, um pouco acima da linha do lombo
do animal, sua cintura ficou praticamente a altura da cintura de Josuel que
colocara-se de pé ao animal. Ele a enlaçou com seus braços fortes. Segurou-a
firme pela cintura. E a colocou suavemente, a sua frente na montaria. Ao tempo que
se pôs à garupa. Tudo isso durou apenas milésimos de segundo. Uma eternidade
que ele não queria nunca que acabasse. Ter sua patroa, ali nas mãos era a
realização de um sonho nunca antes sonhado. Sentia-se seu herói naquele
instante, evitara que ela levasse talvez um grande tombo. Os cabelos de Sofia
esvoaçavam no rosto do vaqueiro, que ao sentir o perfume liberado daquele corpo,
seus desejos mais instintivos se acenderam. Se mais segundos perdurasse aquele
instante, não mais responderia pelos seus atos. E o servil filho do capataz
poderia cometer a mais louca das loucuras. O que poderia custar a sua vida. Mas
a vida era nada, comparada ao prazer de ter nas mãos o objeto de um desejo
proibido. De verdade era uma grande insensatez. Prazerosa insensatez que acabaria
por dominar o rapaz. Estaria ele, liberando o instinto mais humano e mais
selvagem que existe em cada ser, em cada animal, em cada indivíduo macho ou
fêmea. Um dito da boca do povo num caso como esse diria: o homem é o momento.
Sofia estava agradecida, talvez por isso deixou-se ficar, mais aquelas
resumidas frações de segundos, envolvida nos braços daquele que a tirou do
perigo. Pra ele tanto significado tinha. Um ato bobo cometera foi o que pensou
ela. Precisava recompor-se urgentemente.
Aquelas mãos, aqueles braços potentes a
enlaçá-la, tiravam-lhes do sério. Por frações de segundos esqueceu-se de quem
era. A mulher poderosa, não por ser
esposa de quem era. Poderosa pela
capacidade de neutralizar as forças de um gigante. De anular a fúria de um
titã. Força de Eva, de mulher que seduz, que arrebata e doma, seja ele o mais
bravo, o mais forte dos homens. E o coloca submisso à seus pés. Tudo vinha como
vulcão do mais íntimo de seu ser. Tudo isso sempre estivera lá dentro dela. Só
que adormecido. Tantos anos de dedicação somente a família. E agora se sentindo
ainda mais mulher, mais senhora, muito mais poderosa. Não apenas por ser
patroa. Aquela Sofia que estava ali de volta, antes quieta, escondida num
cantinho num recolhido recôndito de sua alma. E vira aquele menino e a
resgatara. Era seu herói, não por tirá-la daquela situação boba. Pois o máximo
que podia acontecer de grave, caso ele não tivesse feito coisa alguma, era ter conseguido
uma torção no pé, isso curaria em alguns dias. O ato heróico, pra ela, estava
em ele ter acordado, a Sofia mulher há muito adormecida nela. Que ela própria
tinha posto pra dormir no seio de sua tão aconchegante e morna alma.