Benedito Joaquim Gabriel Lázaro
Souza da Costa. Qualquer um que tenha um nome desses, dar a tratar-se de alguém
muito especial. Diante do que será dito, tiremos nós mesmos a conclusão. Nordestino
que se preze, tem uma história de vida que mistura nó e destino. Com este
sertanejo, de origem humilde - negro até no nome - e pobre de coração, não
podia ser diferente. Pra começo de conversa teria nascido, pelo menos, duas vezes,
e em lugares diferentes. Possuidor que era de dois registros de nascimento. Um,
do dia 05 de abril de 1973, em São Raimundo Nonato, no Piauí. O outro do dia 13
de agosto de 1975, em Monte Santo, na Bahia.
A dupla certidão natalícia teria
sido ocasionada por eventos distintos. Seu João Lourenço e dona Lídia Cristina,
seus pais: Ele baiano, ela piauiense, se conheceram numa romaria que fizeram a
cidade de Santa Brígida na Bahia. Foram morar em Monte Santo, onde nasceria
Benedito. Seu João, a época com apenas
dezoito anos, teria se alistado no serviço militar, e fora liberado da obrigatoriedade,
pelo fato de estar casado e ser pai, tão jovem. Dois anos de seca na região
acabaria por empurrá-los pro Piauí.
Outra vez, diante de outro alistamento, desta feita nas frentes de emergência
da Sudene. Pra alistar-se tinha que ter filho natural daquele estado, daí o
outro registro de nascimento.
Benedito, seus pais e mais dez
irmãos viviam de roça, num casebre na zona rural de Monte Santo. Aos onze anos
de idade o menino ingressou no colégio Sagrado Coração de Jesus fundado por
freis capuchinhos que faziam votos de pobreza, vestiam hábito de franciscano, com
um barbante branco amarrado na cintura, cingindo-lhe os rins, uma enorme cruz
pendurada no peito e tinham o cocuruto
da cabeça raspado. Dedicou-se a estudar a história de fundação do município onde
nascera. O velho João Dias de Andrade Neto, de família tradicional, lhe contou
como Monte Santo tinha surgido. Dizia ele que em 1775 a vila não passava de uma
aldeia indígena. E por essa época chegaria o frei capuchinho Apolônio de Todi, convidado
pelo fazendeiro Francisco da Costa Torres seu tetra avô, a realizar uma missão
de penitência na fazenda Lagoa da Onça. Na ocasião uma grande seca assolava a
região. Devido à escassez de água no local, o frei decidiu não realizar a santa
missão ali, transferindo-a pra outra localidade denominada Piquaraçá nome indígena.
Ao tocar uma grande pedra ao sopé de uma montanha, milagrosamente o frei viu
surgir um olho d’água. Escalando a serra o missionário ficou impressionado com
a semelhança daquele lugar com o Monte calvário de Jerusalém da Judéia. Junto com
o povo que o acompanhava, rezou uma missa, e resolveu rebatizar aquele lugar
pelo nome de Monte Santo.
Contando com a ajuda dos
sertanejos que estavam na missão, naquele monte, o frei capuchinho ergueu uma
capela de madeira. Usando toras de
aroeira e cedro ergueu diversas cruzes em espaços regulares na seguinte ordem: a
primeira dedicada às almas. E as sete seguintes representariam as dores de Nossa
Senhora. Outras catorze lembrariam o sofrimento de Jesus na sua caminhada para
o calvário no Gólgota. Em 1790 o santuário rupestre, foi reconstruído em
alvenaria. Tornaria local de romaria, ainda naquele ano elevada a categoria de
Freguesia por decreto de Lisboa, recebendo o nome de Santíssimo Coração de
Jesus de Nossa Senhora da Conceição de Monte Santo.
Benedito já um rapaz feito saiu do
convento como seminarista. Resolveu passar um tempo na terra da sua mãe, São
Raimundo Nonato. Conheceu Afrânio Dias Andrade o maior fazendeiro da região. Em
plena semana santa, visitou uma propriedade rural do homem influente, onde
realizou um retiro espiritual, que começou no início da quaresma e terminou no
domingo de páscoa. Visitou o parque nacional da serra da capivara, e ficou
encantado com o que viu. Inscrições e pinturas pré-históricas em cavernas.
Ficaria quatro semanas isolado da civilização, dentro do sítio arqueológico, num
lugar conhecido como caverna do eremita. Milhares de anos antes naquele lugar,
vivera um ermitão, que construiu de pedra uma cama, uma mesa, um fogareiro. A
vida de privações no convento em muito lhe ajudaria a sobreviver na indomável caatinga.
Naquele ambiente inóspito teve a oportunidade de conviver com serpentes,
morcegos e saguis. Durante aqueles dias experimentou uma paz espiritual tão
intensa, que teve plena certeza de ter tido contato com o criador.
Benedito constataria que a
história de São Raimundo Nonato, se confundia com a história de tantos e tantos
outros municípios nordestinos. Onde antes vivia uma tribo de índios Tapuias da
grande linhagem dos pankarerés. Daí chegaria colonos e religiosos, que entrariam
em conflito com os nativos. O então governador Dom João Amorim Pereira, da
capitania do Piauí ordenou ao comandante José Dias Soares que conquistasse a
região. A ferro e fogo se preciso fosse. E distribuísse com seus comandados as
terras conquistadas. Desde então conta a história que se iniciou um ciclo de
prosperidade na região, ampliando-se a lavoura e criação de gado. A construção
de uma praça, uma igreja sob o auspício de São Raimundo Nonato, e a organização
de uma feira semanal, aos sábados, no qual lavradores e colonos comercializavam
seus produtos.
Ao completar trinta anos, Benedito,
já havia largado o hábito. Já não era mais missionário. Naqueles últimos anos, já
havia sido vendedor de livros, palhaço circense, ventríloquo no meio da feira, vendedor
de unguento a base de óleo de aroeira. Acompanhou uma trupe, virou ator e
comediante. Foi poeta: escreveu centenas de livrinhos de cordel. Andou o
nordeste todo de carona, a pé, de bicicleta. Acompanhou milhares de romarias. Pagou
centenas de promessas indo a lugares onde havia missões com nomes de santos:
santa Bárbara do Oeste, Santa Brígida, Flexeiras, Juazeiro do Norte,
Ingazeiras, Cabrobó, São José da Coroa Grande, São Miguel dos Milagres, Canudos. Varreu
o raso da Catarina, a chapada Diamantina, o vale do Cariri, o planalto da
Borborema. A cada lugar, à constatação de como os lugares haviam nascido: duma
igreja, da catequese de missionários, da crueldade dos colonos, e desbravadores.
Da submissão dos nativos ao trabalho escravo com a perda de suas terras pros
governos e conquistadores.
De repente Benedito aquentou-se num
canto. Santana do Ipanema o acolheu, ali conseguiu o cargo de professor de
religião, numa escola que tinha nome de padre. Também se interessou
pela história do surgimento, daquele lugar, donde então se encontrava. Aonde tinha encontrado
guarida. Do terraço da pensão Santanense de dona Maria Valério.
Olhando lá pro alto do serrote do Pintado, teve uma visão. E tomou uma decisão,
disse a si mesmo: “-Vou fundar uma igreja!” Adotando o segundo nome de batismo,
auto intitulou-se Pastor Joaquim, sua igreja se chamaria: Igreja do Avô de
Deus. Seu templo, um antigo prédio onde fora um cinema, ficava a poucos
metros da igreja matriz de Senhora Santana. Enquanto pregava o pastor Joaquim pra seus
vinte e poucos seguidores, os cantos de louvores ecoavam na ex-sala de projeção.
E como gostava da história dos lugares, seria bom recordar ao pastor, que no ano
em que nascera, seu templo não passava duma sala onde se viam filmes. Onde jovens como
seus pais, apaixonados assistiam: “Dona Flor e Seus Dois Maridos.”
Fabio Campos