IN [S] [a] NOZ ANTONI UM 17/06/2025


 

Tem história que aparenta não ter pé nem cabeça. História que vai parecer não ter um sentido, não ter uma cronologia, uma lógica. Como um filme visto de trás para frente.  História de uma família, que morava numa casa de esquina. E que havia um mau presságio que dizia: "morar em casa, de esquina, não era muito bom." Ninguém dizia o que significava esse, "não muito bom". Poderia ser coisa desse, ou do outro mundo. Uma coisa era certa, não foi só uma, nem duas vezes, que Seu Antônio, de manhãzinha antes do nascer do sol, ao levantar-se, pra ir buscar o leite no curral, encontrou bem debaixo do poste da esquina um despacho. Um trabalho feito, algo do tipo feitiçaria, vudu, mandinga. Aquilo era coisa pra derrubar alguém. Para levar alguém a ruina. Esse alguém bem que podia ser um dos moradores da redondeza, ou simplesmente nada teria com ninguém dali. Isso não se sabia.  

Era noite chuvosa. A chuva açoitava o telhado, lavava insistentemente os vidros da janela. Dava para ouvir a água descendo pela calha, um choro lento e paciente. Do jeito que o tempo estava, bom mesmo era está debaixo das cobertas, numa cama bem aquecida. Uma xícara de café pousada na mesinha de canto. Seu Antônio, fumava um cigarro, a fina fumaça subindo e incensando os pensamentos que iam além, da vidraça, além da noite molhada, muito além daquela fria e escura noite. Dona Dulce, na cozinha, grunhindo uma cantiga de igreja acompanhada pelo tilintar de panelas e pratos. A chuva àquela hora da noite entristecia os cantos da casa, amofinava. O gato procurava lugares mais aquecido pra dormir. Gioconda, Tábata e Isachar se estivessem naquela casa com certeza já estariam recolhidos em seus nos quartos, acalentando sonhos aguardando o sono para dormir. Nunca jamais, onde estivessem esqueceriam daquela noite. Da rua ouviram um barulho, de carro, freada brusca, estampido de tiros. Seguido de pessoas gritando, gritos de homem e de mulher. Barulho de gente correndo. Seu Antônio jamais esquece, ao ouvir aquilo, foi até a janela, abriu o pórtico e teve a visão da rua. Lembra-se exatamente tudo que viu. Se um dia tivesse que relatar numa delegacia, ou num banco de testemunhas de um tribunal, saberia dizer com riqueza de detalhes o que viu. Um carro preto se afastando, o corpo de um homem no meio da rua. 

Isachar parecia não acreditar no que seus olhos via. Teve vontade de se beliscar pra ter certeza que não era só mais um sonho. Via seu pai Antônio sendo levado pela polícia. Era humilhante, era degradante 

O vento, a chuva batendo com seus pingos frios no seu rosto. Lá fora, estendido no calçamento, o corpo inerte de homem morto. Curiosos aproximaram, debaixo da chuva, protegido por guarda-chuvas, portando lanternas clareavam o corpo. O óculos quebrado, o chapéu encharcado caído pra um lado. Alguém providenciou um pano para cobrir o cadáver. Ao longe dava-se a ouvir a sirene da viatura da polícia.

Ísis e Osíris estavam na sala de reuniões do castelo. Uma sentada na cadeira do trono, enquanto a outra recostava-se no apoio. Discutiam de que forma armariam a defesa do próximo ataque dos rebeldes que se organizavam pra mais um ataque. De repente, pela janela da sacada entrou voando uma enorme águia. Ela possuía olhos de fogo e sua língua enorme saía do bico encurvado na ponta lançando faíscas e setas de fogo, suas garras potentes destruíam tudo que tocava e avançou para as duas moças filhas do rei Naim.  As mulheres guerreiras já estavam preparadas para o ataque e haviam desembainhado suas espadas. De um salto, Osíris alcançou o dorso da ave gigante. Montando-a desfechou-lhes golpes de sua espada no pescoço e enterrou toda a lâmina entre as asas da ave de rapina gigante. Ísis não tivera a mesma sorte, a ave concentrou todo seu ataque nela e a tinha presa em suas garras, a guerreira desferira vários golpes nas garras da águia, arrancando-lhes unhas e dedos. Enquanto isso, o palácio era atacado pelas tropas rebeldes. Muitos já haviam conseguido escalar as muralhas. Havia fogo e destruição para todos os lados. O reinado de Naim parecia estar sucumbindo. Da bravura e coragem de suas filhas, isso talvez fosse o que definiria como acabaria aquela guerra. 

Isachar não acreditava no que seus olhos viam. Teve vontade de se beliscar para ver se não era apenas um sonho. Um daqueles pesadelos que nos atormentam durante a noite. Tivera muitos daqueles. Via com seus próprios olhos seu pai Antônio sendo levado preso. Dois policiais o conduziam até a viatura que estava estacionada no largo em frente ao mercado da carne. Era um dia de quarta-feira, dia de feira livre, mascates, vendilhões, mercadores, carroceiros, quituteiras, mangaieiros, ambulantes, camponeses enchiam a via pública. A torre da igreja parecia uma moça rodeada de crianças no paço escolar. O sino de bronze, calado, só tocaria dali dez minutos, às dez horas da manhã, daria dez badaladas. As pessoas, os transeuntes, curiosos, todos olhavam boquiabertos a cena. Seu Antônio algemado sendo conduzido a viatura da polícia. Muitos pensamentos ruins passavam pela cabeça de Isachar. Que crime afinal cometera? Teria seu pai matado alguém?