Isachar
não tirava os olhos da fileira de lanternas coloridas penduradas de um caibro a
outro, na praça efusiva de luz e cor. O barulho de uma boca difusora de som, a
algazarra esfuziante dos meninos girando no carrossel, correndo de um lado pra
outro, portando bugigangas compradas dos vendilhões de guloseimas e pingentes
que todos faziam questão de ter. O som melancólico e nostálgico do realejo do
homem do algodão-doce, o cheiro forte de bolinhos fritos no óleo de dendê,
entrava pelas ventas, só aguçando olfatos e paladares. Homens e mulheres bem
vestidos, sorridentes e perfumados, ternos e gravatas, vestidos de saias
longas e rodadas. Os rapazes não perdiam a oportunidade de galantear as moças
prendadas, que desfilam no paço com seus vestes coloridas.
Seu
Antonio fora preso, por haver sido pego trapaceando no jogo do baralho. Armaram
para cima dele. Uma concubina chamada Zélia, hà muito amasiada com ele, por
vingança, o delataria a um novo companheiro conhecido na malandragem por Pedro
Timbau, que vivia de jogatina, e era gigolô nos cabarés.
Na
prisão, Seu Antonio sentado na cama de cimento, cabisbaixo, fumava um cigarro. A
luz que havia vinha de um bico de lâmpada no corredor da cadeia. Um rádio tocava uma música triste, tão longe dali que mais parecia fruto da imaginação, de quem a escutava. A
música falava de um homem que amava, e sofria por não ser amado. Infelizmente
não era aquela a realidade, de Seu Antônio, sempre tivera uma mulher que o amava. E era dedicada a ele e aos filhos, toda vida o fora. O homem, não parava de pensar nos filhos, na esposa e no que
pensariam dele dali por diante. Estava decidido quando saísse dali, tomaria
outro rumo na vida. Largaria a vida de andar, de cabaré em cabaré, nos finais
de semana. Precisava levar a sério sua vida de casado, ter uma profissão digna,
ganhar dinheiro com trabalho sério, e honesto. Exerceria a profissão que
aprendera do pai, mascate no meio da feira, quem sabe aprimorasse a profissão
de açougueiro de seu primo Abelardo.
Parecia
uma figura mitológica. Na verdade, era um ser descomunal. Posicionado sobre uma
pedra, recém-saído de dentro das águas do rio. Um ser aquático, possuía
guelras, escamas por todo o corpo, películas natatória entre os dedos, olhos e
boca de peixe, o corpo todo de um humano. Se não fosse por alguns detalhes. Era metade
peixe, metade homem. Interessante, observar o momento da aparição, geralmente seres como aqueles
surgiam amparados pelas trevas, aproveitavam as sombras noturnas, protegidos
pela escuridão. No exato momento em que adeptos de seitas, em rituais de invocação de
entidades e espíritos que habitam o vale dos mortos, os invocavam. Aquele, no entanto, estava
ali, meio-dia em ponto. Sol a pino, tinha um propósito a cumprir, raptar uma
daquelas crianças cujas mães deixavam-nas ali largadas, brincando e tomando
banho enquanto lavavam roupas na ponte molhada, sobre as águas do rio.
Naquela época do ano límpido e manso. Das profundezas do poço dos homens surgiu
outra entidade, uma sereia, uma formosa mulher de longos cabelos loiros, corpo
opulento, cheio de curvas, sensualidade, musculatura de guerreira. Emergiu
com um tridente a destra. Apontando para o descomunal homem anfíbio. Uma luta sangrenta,
em instantes, se iniciaria ali.