O Dia em que Lopreu Enfrentou o Diabo


O que vamos contar, pode até parecer que nunca aconteceu de verdade, que tudo não passou de fruto da imaginação, dum desses caboclos contadores de história, do nosso tempo de criança, que a boquinha da noite, ajuntava em torno de si, uma ruma de meninos ávidos pra ouvir façanhas, de Cacão de Fogo, Mata-Sete e Pedro Malazarte. Garanto-lhes, aconteceu sim senhor! E foi num mês de agosto como esse. Mês em que, com muita ênfase, ficamos propensos ao sobrenatural, as coisas do além. Isso porque Sulino preto corria bicho, virado Lobisomem, o doido Justino “barba azul” virava Papa-figo, e havia uma menina do Sítio Baixio, que depois de amaldiçoada pela própria mãe, virada em porca, vagava pelas friorentas madrugadas de agosto, em Santana do Ipanema. 
      
Nossos personagens, talvez dispensassem apresentação. Ainda mais pelo fato de haver determinadas semelhanças, ou diríamos coincidências entre ambos. O Diabo, por exemplo, apesar da maioria de nós, não ter tido a oportunidade de encontrá-lo - graças a Deus! Desde que estamos neste mundo. Esteve ali atormentando-nos, sempre que teve ou tem oportunidade. Crianças, tivemos dos adultos, descrições pavorosas a seu respeito, caso desobedecêssemos, a Deus e aos mais velhos. Os experientes no assunto dizem é a representação de tudo o que Deus abomina: perversidade, apatia, tentação, luxúria, morte, destruição. Interessante é que possui uma gama de denominações, é também chamado de demônio e Lúcifer representa o que não é luz, ou seja as trevas. Na grega mitologia herdeiro direto de Hades, o deus do mundo dos mortos, local para onde as almas dos condenados eram enviadas. Após pagarem o barqueiro Caronte eram levadas a morada de Hades, antes precisavam passar por Cérbero, o cão de três cabeças que guardava os portais do Tártaro. Pra o catolicismo, era um anjo de luz e estava junto de Deus. Uma rebelião ocorrida no céu teria sido comandada por Lúcifer, portanto foi lançado fora dos céus, com seus anjos seguidores, que segundo o livro do apocalipse corresponde a um terço dos anjos celestiais. Desceram as profundezas da terra e se tornaram os responsáveis pelo mal no universo. Muitos são os nomes atribuídos a estes espíritos das trevas, Capeta, Encardido, Gramunhão, Salta-Moita, Coisa Ruim, Cabrunco. E mesmo Lopreu, que na verdade é nosso outro personagem.

Lopreu, nasceu Cícero França Campos. O apelido, porque era feio, negro, cabeçorra, beiçola e orelhas de abano. Filho do senhor Abdon Campos e dona Pretinha França. Era meu primo. Sua infância viveu na beira do Ipanema com os maloqueiros da Rua De Zé Quirino. O rio naquelas imediações, ornado na barranca de imenso areal, foi sendo ocupado por casebres de taipa e se tornaria a Rua da Praia. Havia ali, o sítio do seu pai, um pomar repleto de árvore frutífera, exótico coqueiral. Passarinhos, colméias, calangos, frágeis presas de suas aratacas, arapucas e petecas. Lopreu estudou, no Grupo Escolar Padre Francisco Correia. Ali, os primeiros estágios de menino traquino que sempre fora. Estas coisas não vêm de berço - como alguns dizem - se traz do além. Só pra gente ter uma idéia do que aprontava, teve um dia que chegou mais cedo à escola. Convidou outros colegas de sua extirpe, pra fazer uma presepada. João do Mato e Fernando entre outros, toparam na hora. Defecaram no meio da sala de aula, e esfregaram fezes na lousa, no birô do professor e nas carteiras dos colegas. Claro, não houve aula nesse dia.

Tempos depois, o senhor Abdon Campos, meu tio, resolveu mudar-se. Da beira do Ipanema, foi morar no Alto da Boa Vista. Lugar ainda mais paradisíaco, cheio de verde e plantas. Dali - fazendo jus ao nome - tinha-se um por de sol magnífico, e à noite podia-se ver boa parte da cidade, cintilando nas luzes dos postes. Projetando contra o céu negro creolina, salpicado de estrelas, um diáfano véu mercúrio alaranjado. Pra chegar até lá tinha que deixar a Avenida Pancrácio Rocha, e avançar por uma vereda margeada de arbustos. Esse foi o lugar do episódio.

O Lopreu que enfrentou o Diabo - não mais menino – era jovem, estudante da Escola Estadual Professor Deraldo Campos, educandário que um dia fora quartel, fincado estrategicamente às margens do Riacho Camoxinga, dirigida pelo saudoso professor Mileno Ferreira. Influenciado pelo amigo Antonio Eugênio, Lopreu esteve por uns tempos, ligado ao grupo de oração de jovens da igreja Matriz de Senhora Santana, mas estava escrito no livro de sua história tinha que seguir seu caminho, e se foi. Apreciador que era das noitadas boêmias, dos tempos de seresta. Na companhia do amigo Zé Alves e um violão, vagavam pelos bares da cidade, apreciando a arte de viver. Bebiam e bebiam, à vida. Um dia, no Bar de Renan no início da Avenida Coronel Lucena, onde fora o “Pic-nic Lanches” de Seu João Salgado. Por um mal-entendido, Ailton “Lebre” iniciou uma briga com Lopreu. De posse de um machado investiu contra o negro, desferindo vários golpes mortais, sem que conseguisse alcançar o intento.  Esquivando-se dos golpes com acrobacia e saltos descomunais, Lopreu deixou a todos impressionados com o que viam. “Lebre” teria dito: - Essa peste só pode ter parte com o Diabo!

Naquela mesma noite, de volta a casa, ao pegar o caminho de casa, Lopreu viu. Um bicho do tamanho de um homem, revestido de luz tinha a pele vermelha. Os olhos duas flamejantes labaredas. À destra, um tridente. Da cintura pra baixo coberto de pelos. Os pés dotados de garras e sobre a cabeça dois chifres. Punha-se como de guarda, não lhe interditando a passagem. Isso fez com que pensasse que podia ir em frente. Voltar seria sinal de medo, fraqueza, covardia. Decidido, seguiu em frente. Ao emparelhar com o cão, ouviu-lhe falar com voz de mil vozes, vinda das profundezas das trevas. – Não vai me agradecer! Negro safado filho de uma mãe? – O que? Quis saber o preto. – Ainda agora, lá no bar! Dê-lhe a habilidade do sapo, a sagacidade da cobra, e a coragem do cão! Pela cachaça consigo chegar até você, continue sendo meu seguidor, toda vez que tomar uma dose, despeje um pouquinho pra mim e sempre terá minha proteção! Deu uma estrondosa gargalhada provocando um imenso redemoinho, abrindo um imenso buraco no chão, pra onde o tinhoso precipitou-se e a terra revolvida tapou. E tudo voltou ao normal. 

Fabio Campos          

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