
Decidindo levantar-se foi ao
banheiro. Aliviou a bexiga, escovou os dentes. Olhando-se no espelho, viu a
barba despontando, os olhos ainda inchados de sono. Fez uma careta pra si mesmo,
enquanto tentava pentear os cabelos com os dedos. Despiu-se. Tomou uma ducha
fria. Cobrindo-se com um roupão foi até a cozinha, colocou café numa xícara. O
jornal do dia anterior no sofá foi parar na única mão desocupada. Ligou a tevê.
Enquanto passava os olhos pelas notícias, ouvia o repórter repetir justo aquilo
que acabara de ler. A campainha tocou, foi ver quem era. Àquela hora da manhã?
Não tinha a menor ideia de quem fosse. Era um homem de meia idade. Em muito
lembrava ele próprio, altura, cor, porte físico. Seria algum parente? Trajava
terno, gravata e chapéu de massa, sapatos pretos de couro, envernizado.
Cumprimentando-lhe polidamente, perguntou se podia conceder-lhe alguns minutos
de seu tempo. Aquela voz lhe era familiar.
Abriu o portão do jardim, permitindo
que o estranho entrasse. O clarão do sol obrigado a encarar, cegava-lhe, de modo
que naquele momento o estrangeiro era muito mais vulto e silhueta. Dando-lhe as
costas fez com que o seguisse até a sala. Sentaram-se, ficando um de frente pro
outro. O visitante finalmente perguntou-lhe: “-Não está me reconhecendo Seu Apolônio?”
Pouco a pouco, acostumando à vista a luz ambiente, Seu Apolônio arregalou os
olhos, e quase teve um desmaio. Ao perceber que aquele homem era idêntico a
ele. Como podia alguém se parecer tanto com ele próprio! Antes que recobrasse a
fala, o estranho se apresentou. Estendendo-lhe a mão disse: “-Muito prazer Seu
Apolônio, eu sou a Morte. Para não causar muita estranheza, prefiro vir com as
feições da própria pessoa. Assim sinto que sou mais familiar. Afinal com a cara
que você já está acostumado, tudo fica mais fácil. Pois é Seu Apolônio, é
chegado o seu dia de ir. O senhor teve um AVC esta madrugada. Aliás, o melhor
que o senhor faz é voltar logo pro seu corpo, que está lá cama, em estado de
coma.”
Seu Apolônio apressou-se em
voltar até o quarto. E perplexo constatou que seu corpo jazia na cama. Em
decúbito dorsal, olhos fechados, respirando de modo quase imperceptível. Parecia
que dormia tranquilamente. O senhor Morte, voltou a falar. Agora permaneciam de
pé. “-Seu Apolônio, sei que o senhor acha que merecia viver mais, e que se acha
muito novo pra morrer. É sempre assim, nós entendemos. Mas eu venho apenas
cumprir minha obrigação. No entanto tenho uma proposta, e não tem aquela de
pegar ou largar, só tem mesmo que pegar. Não há outra opção. Vou levá-lo pra um
lugar onde o senhor passará por um teste. Se conseguir se sair bem, sua
situação será revista. Entenda que esta situação só é permitida a bem poucos: os
que ficam em coma. Se ligue, que muitos nem uma oportunidade assim lhes são permitida, simplesmente morreram e pronto. Portanto sinta-se um privilegiado.”
E de repente, lá estava ele num
vale inóspito. O sol era uma bola no horizonte, que refletia uma luz
tênue, de um róseo quase lilás, sem o calor do sol que aquele homem sertanejo
estava acostumado a sentir. Havia outras coisas estranhas que Seu Apolônio ia aos
poucos descobrindo. As nuvens pareciam ter descido do céu, e pairavam a poucos
centímetros do chão, formando uma neblina fria, que exalava um cheiro de flor
de cemitério. O solo era arenoso, como nos desertos, o que certamente dificultava
o andar. Aqui e acolá havia espécies de oásis, rodeados de plantas exóticas, e
os olhos d’água assemelhavam-se a pântanos, que borbulhavam como gigantescos
caldeirões de bruxa. E Seu Apolônio se
deu conta que se encontrava só, o senhor Morte se fora. Andando a esmo, nosso
personagem chegou a um lugar, onde havia um pedestal de mármore, delimitado por
oito colunas cilíndricas. Quatro de cada lado. Um altar iluminado
por duas piras de fogo laterais. Pra chegar até o altar, sete degraus tinham
que ser vencidos. Chegando ao alto, Seu
Apolônio percebeu um livro fechado, posto ao centro da pedra de mármore. Ao tocar o livro,
ouviu-se uma voz de trovão que dizia: “-Apolônio! A jornada vai começar, esperamos
que consiga superar os obstáculos. Reviverás fases de sua existência, e passará
por várias provas correspondentes a determinadas fases de sua vida.”
Uma imensa cortina foi descerrada
par além do altar, e um portal se distendia adiante dos seus olhos. No umbral
do portal uma faixa anunciava: “Aliança de Cristal” e Apolônio viu se
descortinar a sua frente, o tempo de sua juventude. Tornado novamente num rapaz,
de volta ao ambiente do lar paterno. À vida familiar, de quando tinha apenas
quinze anos de idade, e revivia toda a rebeldia com relação aos seus pais. De
como os fazia angustiar-se por sua causa. Isso porque jovem sempre pensa
diferente dos mais velhos, e assim ele procedia. Havia um carnaval pra curtir,
e ele curtiu. E voltaria pra casa embriagado, e seus pais, um casal de idosos, sofriam
por conta dos desatinos do jovem filho. E a cena repetiu-se, o pai cobrando-lhe
responsabilidade de homem feito. E outra vez uma tora de madeira estava bem ali
ao seu alcance, com toda cólera que tinha, ele a atirou contra seu próprio pai.
E tudo se repetiu exatamente como antes.
De volta ao vale tenebroso, ele
andou muito. De tanto andar, se cansou, e teve sono, e acabou dormindo. E
quando acordou já tinha pouco mais de dez anos adiante daquela idade. E
vislumbrou outro portal, e outra descrição havia no umbral; “Aliança de
Alexandrita”. E por aquela época de sua vida, conhecera uma moça a quem depositava
muita afeição. Porem seus pais não via naquela, a pessoa adequada para sua
futura esposa. Outra vez ele desconsiderou os sentimentos, e opinião dos pais.
E levou adiante seus projetos, e contraiu matrimônio com aquela mulher, em
desagravo aos sentimentos de seus pais. Não viveriam muito tempo e a discórdia,
e a traição faria morada junto com eles. E aquela mulher contraiu moléstia
severa que a levou à sepultura.
Novamente Apolônio se encontrava
no pântano, e outra vez caiu em sono profundo, e tornou acordar. Desta feita
diante de outro portal, a faixa agora informava; “Aliança de Malaquita”. E não
havia muitos anos separando aquela época, da que recebeu o senhor Morte em sua
residência. Seu pai já havia falecido. Somente mãe, Seu Apolônio tinha agora. Havia se ajuntado a outra companheira. E não consentindo a si mesmo capacidade de dispensar-lhes cuidados, pois a
senilidade da sua genitora muito o incomodava. Ele simplesmente a descartou.
Buscou todos os seus pertences, encerou numa mala, e levou-a pra um Asilo de
Idosos. Nem um pouco sua consciência o acusou de nada, achava que aquele era o
procedimento mais abalizado.
De volta, Seu Apolônio foi se
encontrar a um leito de hospital onde jazia em coma. Já ia alta a noite do
domingo de carnaval. Sozinha a esposa, entre um e outro cochilo, tentava velar
por ele. Os sons da orquestra tocando frevo na praça, pelo vento sendo levado. Como
em um sonho longínquo, além dos telhados das casas, das ruas, e dos frios
corredores do ambulatório. O aparelho que acusava os batimentos cardíacos,
ligado ao nosso enfermo. E que até então subia e descia, dando bipes alternados,
passou a apitar ininterruptamente. Anunciando pra ninguém, que Seu Apolônio definitivamente
havia passado dessa para outra.
Fabio Campos
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