
Um gato enorme surgiu, no muro de
arrimo. Escalava a cabeça da ponte do lado da casa. O gato subia, enquanto o
muro descia, perpendicularmente descia. Por Deus, era Derick! Aquele gato era
Derick! Tagor saiu em desabalada carreira. Precisava encontrar o velho amigo.
Saber o que fazia naquelas redondezas. E tudo pareceria muito estranho, se não
fosse segunda-feira. Na ponte, todos os dias pareciam iguais. A não ser na
sexta-feira quando o gado apressado, era tangido pro matadouro, atravessando o
rio pela ponte. Pietro o italiano parou seu fiat “uno” sobre a ponte, e ficou
observando a paisagem. De onde Tagor estava (antes de sair correndo) não
passava o homem dum ponto branco (porque estava de branco) sobre a ponte.
Tagor, o italiano, e Derick. Três seres indistintamente diferentes. Destinos
desiguais. Histórias que convergiam e se cruzavam. O epicentro do encontro, uma
pedra pontuda, como se fosse um dedo gigante apontando. Mas para o quê apontava?
Talvez um dia descobrisse.
Uma pirâmide no meio do mato, do
nada surgida. Devia ter uns 20 metros de altura e o estilo lembrava a dos
astecas, com quatro lance de degraus nos lados e uma base, tipo um altar no alto.
O gato realmente era Derick. Tagor e Derick outra vez se encontravam. Em plena
caatinga, a pleno sertão nordestino. Coisas do ‘nor’, coisas do ‘destino’.
Derick disse estar duplamente surpreso: num lugar estranho, naquele fim de
mundo, encontrar seu melhor amigo. Um ano fazia que não se viam, uma
eternidade parecia ter passado. Derick falou que viera a Barragem de Santana
com uma missão. Tentaria descobrir o significado da pirâmide, que povo
a teria construído, e com que finalidade fora feita? Contou que os piratas
haviam partido. Saquearam um dos acampamentos dos aliens, roubaram uma de suas
naves, e foram embora. As escavações, a busca pelo metal precioso continuava,
muito embora pouco ouro havia conseguido. Eles aperfeiçoaram um detector de
metais, tornando-o mais eficiente. Com precisão matemática o dispositivo acusava
os locais onde deviam escavar. Com exatidão indicava as quantidades e mesmo o
grau de pureza do minério, até o montante de terra a ser tirado. Derick
desconfiava que debaixo da pirâmide do sertão, houvesse um tesouro. Os nativos,
no longínquo passado, envolveram as arcas cheias de ouro com um tipo de argila
que depois de seca impedia o detector de metais localizar. A argila era rica em
uma liga de chumbo. Mas que havia ouro ali embaixo, disso eles não tinham
dúvidas.
Um dirigível, no céu do horizonte
surgiu. Veio vindo. Devagar veio vindo, quando se deu fé, estava bem aqui,
debaixo de suas cabeças. Parado no ar. Sem mais navegar o céu, estacionado de
sua viagem. Naquele meio dia, em ponto. Suspenso em cima da conversa de Derick
e Tagor. A duzentos anos, antes daquele instante do reencontro aquele mesmo
dirigível passou por ali. A 24 de outubro de 1817 pra ser mais exato. E agora,
feito um disco de vinil, que por conta duma ranhura repete uma parte da música.
O dirigível repetia o trajeto, dois séculos depois. Seu Jorge era o nome do
piloto, solitário tripulante da nave. Voltado do túnel do tempo, o Zepellin de
um tripulante só. Seu Jorge, um homem viajado, experiente, vivido avançado na
idade e no tempo. Trajava umas roupas de marinheiro, na verdade roupas de pirata.
Trajes da cor de poeira. Aliás, tudo ali era da cor do pó vermelho do chão do
sertão. O bojo gigante da aeronave, os cordames que prendiam os andaimes, os
equipamentos, a casa de máquinas, a cabine de navegação tudo incrivelmente,
monocromaticamente, cor de poeira. Tudo da cor de barro. Sem pronunciar
palavras, ele disse: “-Eu sou Jorge garimpeiro”. Tagor, Derick e Pietro o
italiano, os três ouviram, o velho falar. Ele falava dentro de suas cabeças. Pois, de onde
estava, do alto onde estava, não daria pra ouvir sua voz. Enquanto eles estavam
cá em baixo, na ponte, no mato, no meio das pedras, do rio.
Tudo aquilo, talvez não passasse
de fruto de suas imaginação. Cada um deles, naquele momento pensou exatamente nisso.
E tinham particularmente motivos de sobra pra pensar assim. Tagor ponderava que tinham imaginação
muito fértil. Porém, daria tudo, pra saber, em que realmente podiam acreditar.
Lembrava nitidamente de ter saído ao encontro de Antonieta. Naquela tarde, de
carruagem dirigiu-se a academia de Belas Artes de Étole Chavalier. Sua amada
tinha, aula de pintura. Lembrou-se com exatidão até aquele momento. Quando o cocheiro
avisou-lhe de haver chegado, ao abrir a portinhola da charrete sentiu a vista
escurecer. Quando acordou estava lá, naquela casa do sertão. O italiano chamou-o a
parte. Confessou-lhe que não confiava muito no gato. Algo nele não lhe
inspirava confiança. Também Tagor havia notado algo estranho nele, mas não
sabia exatamente o que era. A emoção do reencontro o faria relevar tal particularidade,
mas o italiano em fim, trouxe-o a realidade. Só havia um jeito de descobrir E a hora
era chegada.
Seu Jorge disse, que da outra vez
que passou ali, sofreu um ataque cruel dos nativos. Por conta desse ataque perdeu seu companheiro de viagem, seu fiel escudeiro Zacarias, foi atingido por um tiro vindo da mata. Despencou da aeronave e Seu Jorge não sabe que fim levara seu amigo. Homens surgidos de dentro
do mato atacou o balão inflável. A frente dele havia um como se fosse o líder, montava um cavalo vermelho, e todos usavam chapéus, a despeito dos enfeites, parecidos seriam com o de Napoleão Bonaparte. Pedras, pedaços de pau e muitos tiros de
bacamarte disparados. Pela descrição, tratava-se de um bando de cangaceiros. Seu Jorge estava navegando muito baixo, a
poucos metros do solo, tentando reconhecer o terreno. Pretendia inclusive fazer um pouso na região. O
dirigível sofreu sérias avarias, quase sucumbiu ao ataque. No seu diário de
bordo registrou aquele dia como o “24 de outubro da Fuga Branca”. Apostando no
elemento surpresa arremessou, um a bombordo e outro a estibordo, dois grandes
extintores de incêndio, ao tempo que de pistola atirou estourando-os em pleno
ar. O gás carbônico que nele havia, acabou produzindo uma nuvem de gelo seco.
Daí escondido na nuvem de gás conseguiu despistar dos cangaceiros. A nuvem
demorou dias pra dissipar e os índios passaram a chamar aquele lugar de “caatinga”
que na língua tupi significava mata branca.
Tagor resolveu por o gato a
prova. Fez-lhe perguntas desconcertantes. Envolveu-o em recordações de fatos
acontecidos na ilha de Páscoa que somente os dois tinham presenciado. Como de
nada sabia o Derick falso desconversava. Sem ter como responder a respeito do
povo Motu Nui. A lenda dos homens-pássaros, ou Homem-Pajaro, Manutara uma
espécie de gavião da ilha, também conhecido como pássaro da sorte. Sobre a
competição dos atletas nativos, nada sabia. Na aldeia de Orango homens, numa
competição anual, disputavam as moças virgens, nadando léguas, de uma ilha a
outra, carregando intacto um ovo de albatroz. O verdadeiro Derick e Tagor
assistiram aquela festividade, havia cinco anos. O vencedor com honras de herói
era recebido pelo príncipe Motu Nui. Decorridos três dias da competição, o ovo
era esvaziado, preenchido com fibras vegetais, e numa espécie de cocar colocado
sobre a cabeça do primeiro colocado. E a partir de então passava a ser
denominado de “Manutara”. Sobre sua cabeça, o troféu devia permanecer por um
ano. Até que novo vencedor o conquistasse na competição do ano seguinte.
"Visão dos Cavalos. Do livro do profeta Zacarias. Capítulo 1, versículos 7 a 9 "No vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês (o mês de Sabat) do segundo ano do reinado de Dario, a palavra foi dirigida ao profeta Zacarias filho de Baraquias, filho de Ado, nestes termos: tive uma visão durante a noite. Percebi, entre as murtas do fundo do vale, um homem montado num cavalo vermelho e atrás dele estavam cavalos ruços, alazões, e brancos. Eu perguntei: "Meu Senhor, que cavalos são estes?". E o anjo porta-voz respondeu-me: "Vou explicar-te".
Fabio Campos, 01 de Fevereiro de
2017.
P.S. A gravura que ilustra este episódio, é do próprio autor, e já ilustrou outra história neste blog. A publicação data de 19/07/2011 Ilustra o Conto "Graf Zepellin em Santana do Ipanema" Vale a pena Ler!
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