A moça. Preferiu ficar sentada. A cadeira. Os óculos repousavam sobre a mesa. Sérios. A bolsa solenemente sóbria. O maço de cigarros. Uma romana passou. Seria grega? Talvez de Atenas. Mulheres de Atenas. Agora sorriam. Onde estariam seus maridos? Um faquir, a fugir de si. Um árabe que nada sabia de goma arábica. Uma turba de ladrões, com seus sacos de embustes. Um casal, de corruptos. Desfilavam. Como que sozinhos. Abandonados. Espantalhos claudicantes, de sim mesmos. Entre as mesas, quase vazias. O povo. Boa parte no dancing. Esbaldavam na falta de sinceridade de Aurora. “Se você fosse sincera ô ô ô Aurora. Veja só que bom que era, ô ô ô Aurora.”
DINHEIRO
Um litro de uísque. Presumiu que
pudesse ser furtado. Ali, abandonado. Nunca sairia da mesa. Jamais aberto. O
gelo das máscaras inexoravelmente derretendo. O gelo dos copos. Insólito!
Desmaiado. Furtivamente suando. O gelo. Se esvaia. Em bicas. Cubos de água de
coco, a boca. Salgadamente, adocicado. Adocicadamente salgado. O gelo da noite
inexistia. Um bafo abafado, sufocante. Gotas salgadas de suor precipitavam rosto
à boca. Um deserto invasivo de corpo. Primeira noite, sem alma. “Tanto riso ó
quanta alegria mais de mil palhaços no salão. Alerquim está chorando pelo amor
da Colombina No meio da multidão.”
Os bufões, pastelões. Acabaram
subindo ao palco. O cantor cantou, encantou. Desencantou. Encantou-se. De si
para si mesmo. A um canto, a marchinha se esborrachava contra as paredes. “Quanto
riso ó, quanta alegria. Mais de mil palhaços no salão. Arlequim está chorando
pelo amor da colombina, no meio da multidão. Foi bom te ver outra vez. Tá
fazendo um ano. Foi no carnaval que passou. Eu sou aquele Pierrô. Que te
abraçou e te beijou meu amor. Na mesma máscara negra. Que esconde o teu rosto.
Eu quero matar a saudade. Vou beijar-te agora. Não me leve a mal. Hoje é
carnaval.”
Ninguém bêbado. Estavam todos
tontos. Alucinadamente. Como que? Flutuantes. Antes. Flutuassem. Não torpor.
Horror. Todos zumbires. Zumbido de ouvidos, Redemoinho tétrico. Umas que riam.
Meneavam a cabeça. Em câmara lenta, sorrindo. Tetricamente. Espasmos de rosto.
Dentes. Alvos, cor de sangue. Sorriam tetricamente. Sobriedades de não sóbrios.
Vulgo vultos, volvendo vulgares. Sobriamente sombrios. Não sóbrios. Como que
enganando as próprias máscaras. Lança-perfume lançado no ar. Estado líquido. Estando
só. Solidamente gás. Tampões. Pulmões. “Menina me dá seu amor ai, ai, ai.
Madrugada já clareou. Parece que tudo termina em carinho. Você é tão linda, e
eu tão sozinho. A onda te trouxe, Sereia do Mar. Princesa do céu, quero
namorar.”
Nunca, aquelas paredes foram
nuas. Exageradamente, nunca foram. Nunca, jamais se despiram. Nem ninguém, as despiriam.
Nunca. Jamais foram verdadeiras. Sempre. Enganosas. Escorregadias. Sempre. Vendendo
sonhos. Imperfeitos. Ilusões baratas, que murchavam. Com o passar dos anos. Os
que um dia. Ali passaram. Em algum momento de suas miseráveis vidas. Adoeceriam
de doença grave que os levariam a morte. Ninguém. Quanto a isso poderia fazer
nada. Nada podiam fazer... Nada. Absolutamente. Para que fosse diferente. Sempre assim. Seria.
Os filhos, dos pais, e os pais dos filhos. Passariam de geração pra geração. Tornar-se-iam
novos foliões. Que se deixariam apaixonar. Se seduzir. E jamais esqueceriam
aquele carnaval. Em especial. Aquele.
SEXO
Não era pra deixar o sexo a
vista. Mas estava. Pra quem quisesse ver. Ninguém se incomodava com isso. Pelo
contrário riam. Afinal. Era carnaval. Tudo. Era válido. A vista, nenhum tipo de censura a vista. As moças de longos cabelos, parecia nunca estarem lá. Viam o
que não deviam ver. O homem com seu sexo exposto. No meio do povo. No meio do
frevo. Nunca estivera lá. O calor de corpos. O calor dos cães. O calor
aconchegante dos infernos. O suor porosamente suando. Carnaval de indecisos. De
incircunciso. De idólatras. Metidos, e mentindo a jovens. Pequenas flores nunca
antes tocadas por varões. Virariam. Espumas. Se esvaiam pudores. Se iam.
Cabelos e seios molhados.
E mesmo um milhão de tempo jamais conseguiria apagar
de suas memórias o que viviam, e viam, naquele instante. Pele de tigre. Pelos de gente. Roçando. Infatigável veneno. Doce empatia. Discórdia. Azulejo salpicado de empáfia e luz. Mosaico deturpado. Vinha uma antiga fadiga de ser e de pensar. De esquecer e lembrar. O quanto fora bom. Já não mais. Nunca mais seria o mesmo. “Nos quatro cantos
cheguei . E todo mundo chegou. Descendo a ladeira. Fazendo poeira. Atiçando
calor. E na mistura colorida da massa. Fui bater na praça a todo vapor.
Descambei passando pelos bares. Cherei a menina e voei pelos ares. No pique do
frevo caí como um raio. Me segura se não eu caio. Me segura se não eu caio.”
O DIABO
Ódio a todos. Sacrifício de
corpo. Adeus aos delírios. Ódio ao ódio. Delírios nunca mais. O chão fugia. O
sol nunca mais iria aparecer. O coração dizendo pra que veio. Do que era feito.
Pra que servia. Pra morrer. O arlequim fez amor com o pierrô. Pierrot que
errou. Colombina apenas sorria. Traindo se traía. Mil vezes se preciso fosse. Não queria ser.
Só queria ser. Nunca quis ser.
Meu Deus como você era linda!
Deixou-me louco de amor. De amor por você, que nunca me amou. Nunca existiu de
verdade. Você é uma fantasia inventada. Por mim mesmo. Invenção da minha cabeça. Só pra
contrariar. Invenção duma noite de carnaval. As vaginas todas tinham cheiro de
suor. O suor exalava. Cheiro de vagina. Os seios brincavam. Carnaval. A
fantasia que nunca ficava pronta a tempo. Os aviamentos pregados as pressas,
acabavam soltando. Não resistindo ao frevo. E os sexos tão desejados, se expunham
a apreciação de olhos ávidos.
Um. fantasiado de diabo. Estaria
fantasiado? Não seria o próprio. Tão real. E como se parecia muito com o diabo.
A pele vermelha. Seria tinta vermelha? O corpo inteiro. Nenhum pedaço de tecido
sobre. Somente tinta. O sexo pintado. Como de borracha. Os pelos grudados a
pele. O álcool, nunca foi amigo de ninguém. A fome de frevo. A sede, de sexo. A
vontade de beber, tinha que ter. Fim. A vontade de fazer sexo. Queria transar.
Queria possuir. Esfregava-se nas mulheres. A moça pirata abraçada com o
cão. Se beijavam. Ele a possuía. Em
pleno salão. O desenho, do fundo, com o olho cego. Sorria! Não estava sério a
pouco? O tapa-olho. O tapa-sexo, que inexistia. O fundo do olho que não via.
Nunca via. O que nunca queria ver. A música, desenhando desenhos. Melodias nas
paredes, nas roupas, nos sexos cheios de luzes.
As fantasias fantasiam
fantasmasiavam seres que nunca deveriam existir. Nunca mesmo. Jamais existiram. Desistiriam de
existirem de excitarem de exercitarem, de excluírem todos. Duma única vez. Pra
nunca mais. Até ano que vem.
Fabio Campos, 02 de março de
2019.
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