LUXÚRIA Capítulo: 15
Da Saga de Kira Koruchaua
Da Saga de Kira Koruchaua
Pra onde foram? Onde estavam, todas
as pessoas? Parecia Tudo, irremediavelmente perdido. Não era a primeira, nem
seria a última, que isso acontecia. A catástrofe dos dinossauros, deixara marcas
profundas. Num futuro qualquer, alguém diria que fora um meteoro. O sol ficou
olhando. Feito palpiteiro de um jogo chamado mundo. No sertão chamado de pirangueiro, de peru. Olhando como quem tivesse
interesse de saber no que ia dar. As montanhas fugiram pra muito longe. O Salloon parecia abandonado. A portinhola, no vai e vem, melancólico, quebrando o imenso silêncio, de solidão e pó. A
cadeira de balanço velha, no rangido enfadonho. Tudo teria sentido, se fosse
pedaços de filme do velho oeste americano. Só que não. Era sertão e sertão é mandacaru, calor, poeira, solidão da muita. E solidão.
A cabeça doía, uma não dor serena. Não serena dor. Dor. Uma dor amiga, daquelas que estão dispostas a ouvir, a aceitar nossos defeitos,
nossos erros. Como se tivéssemos tomado um anestésico, muito forte que nos causasse um estado lisérgico. Como se tudo em volta se tornasse holograma. E nada fosse de verdade, um quase letárgico sentimento. O céu, ameaçava desabar, como se feito à base de lona plástica, terrivelmente azul. Como lâmina cortante que viria junto a linha do horizonte. E destruiria um terço
da humanidade com um simples sopro. O ar atmosférico, nenhum pouco rarefeito, dificuldade de entrar
nos pulmões. Quando conseguia, o fazia em estado líquido, e ficava boiando,
causando estragos inimagináveis, incomensuráveis, indizíveis. Doido pra sair, e que caía pela ponta da língua. Caninamente pingando na
calçada quente. Saliva de cachorro. Suor de cão, que naturalmente não possuíam poros. Os olhos
lacrimejavam. Duas lágrimas negras ,petrificadas uma em cada canto do olho,
jamais atingiriam o focinho. As pupilas retraídas, tentavam evitar a força dos
raios ultravioleta.
De repente, uma matilha surgiu no
início da avenida. Veio vindo, veio vindo, junto com as folhas secas trazidas
ao vento. Vento de fogo. Fogo da tarde de verão. As árvores agarravam-se aos
fios de alto tensão, com se buscassem a morte. A potente descarga elétrica,
fatal, e destruidora. Mataria aos poucos. Matariam instantaneamente. Os dedos macabros, dedos de bruxa, magérrima
em suas esquisitices, como se drogada. Os morcegos e pirilampos furtariam a
tarde, como quem sobe a montanha. Não se enganasse que fosse esquizofrenia, canina. Ouvia vozes de cachorro. Entenderia conversa de cães, isso só podia ser
coisa de cães. Ele, isso não era, ou pelo menos não se considerava como tal. Apesar de
incorporar um.
O crepitar do mato queimando. A
fumaça subindo até azul real. Escalando os ares e patamares. Uma cadela no cio.
Arrastando um bando inteiro de cães pela rua. Dentes avançando pra jugular do primo
lobo. Dentes brancos, sangue vermelho. Sangue de cachorro no calçamento.
Rosnar de ódio. Olhos injetados de puro ódio. Patas horrivelmente destruidora
de tecidos epiteliais, dorso rasgado de canino. Eram pelo menos uns vinte cães,
em completa fúria, deliberadamente atacando uns aos outros. Nada escapava ao
ataque destruidor. Um pipoqueiro pagou caro a indiferença do ato deles, teve o carrinho
derrubado. Flocos branquinhos deitaram ao leito da passarela, dando impressão
de um inverno nevado fora de época.
Kira quando menos percebeu estava
bem no epicentro do furacão de cachorros, disputando o sexo de única fêmea.
Os feromônios falavam mais alto. Sempre eles, no comando da vida. Mordidas e
latidos ecoavam rua a baixo. Toda sorte de objetos pelos
transeuntes eram atirados nos cães. Panelas replicavam seu alumínio no ventre da rua. Tijoladas, pedradas,
chinelos, guarda-chuvas e tudo que estivesse ou se encontrasse ao alcance da
mão, atirado contra o ato libidinoso dos caninos. Transar no meio da rua nunca passou
pela cabeça de Kira. Pelo menos não enquanto humano. O orgasmo, a volúpia tudo junto, com a gritaria, o xingamento, as imprecações.
Morgana e Seu Teoton, com
seus filhos à mesa jantavam. A luz fraca da lamparina, mal iluminava o rosto amarelado ainda mais amarelo das crianças. Os olhares pálidos calados, concentrados no ritual severo da
refeição, última do dia. Kira tinha o rosto iluminado, sereno, enquanto
mastigava devagar, ia o pensamento pra mais longe, muito longe. Foi parar no rio das
ostras, na colônia de férias do ano que completara quinze anos. Nas excurções de férias. Tão boas
lembranças vieram. Os primos, os colegas de escola, as brincadeiras que tão
boas recordações traziam. Naquelas férias a prima Narda, fora com eles. Prima
Narda que tanto povoara seus pensamentos, paixões escondidas, nunca reveladas, desejos sexuais.
Teve um dia que ficaram os dois sozinhos, na beira do rio contemplando o por do sol. Como é bonito o sertão no fim da tarde, no por do sol. O prelúdio musical são os próprios pássaros, o revoar dos pardais, o cantar seco e triste do acauã. Os demais colegas já haviam votado pro acampamento, eles ficaram sozinhos. Era a realização de um sonho. Sonho provocado, sonho
artificial daqueles que criamos para dar vasão as nossas fantasias. No sonho
ela pedia que o abraçasse que estava com muito frio, e Kira providenciaria uma
toalha para envolve-la. E abraçados terminariam se beijando, o sonho tinha duas
versões pra o final.
A primeira terminaria no beijo. Era a versão carregada de culpa e de medo dos castigos de Deus. Na outra acabavam fazendo
amor. Uma versão muito libidinosa quando os desejos sexuais falavam mais alto. Os instintos selvagens, de cão e de homem sedento de sexo, de amor, de carinho, de ser tão, de sertão. A estrela D’alva lá no céu por testemunha, dizia a lenda, representava a
mãe da Lua. Mercúrio, teria traído Vênus esposo da Lua. E por causa disso um duelo entre
os dois teria acontecido, e que acabaria gerando a resplandecente Via Láctea. Por muitos anos Narda seria
sua musa, sua fonte de inspiração, até quando cresceria e tornar-se-ia adulto.
Kira penetrou a cadela, com destreza e rapidez, a montou.
Indiferente a tudo e a todos, fez amor canino, em plena via pública. O ato sexual
entre cães, estaria para os humanos, como ato mais despudorado entre sexo feito entre animais, que se possa
presenciar, em via pública. Os olhos dos passantes pareciam não quererem sair de lá, disfarçavam mas
indubitavelmente voltavam pra lá. Acompanhavam, cheios de luxúria, o amor desenxabido
dos caninos. Na verdade todos ávidos por sexo, cães e humanos.
Excitação dos meninos
inflamando seus sexos dentro dos seus shorts jeans, molhando de gozo as calças. Interessante
como a plateia se dividia, entre vagabundos que literalmente aplaudiam, mendigos e moradores de rua, e os
que rechaçavam o ato passantes e lojistas. A sociedade, sem o entender se expunha naquele ato, algo que pra alguns, só e somente só, devia ser concebido as escondidas entre quatro paredes, os cães a faziam em público. Os demais cães aguardam
o desfecho, igualmente aguardavam os homens a porta da taberna que olhavam e
disfarçavam. E como disfarçavam mal, aproveitavam pra comentar sobre o tempo, contemplavam o
céu, folheavam o jornal.
Fabio Campos, 19 de outubro de 2019.
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