HORA DE MORRER! Cap, 2



O homem nu, foi  até o botequim da esquina, no outro lado da rua. A cabeça, povoada de lembranças pardas, do tempo de sua juventude, mesclada com outras de infância. Reflexos do passado chegavam mais forte, ou mais fraco. Dependendo da brisa que tocava sua pele, do cheiro que chegava aos seus olfatos, da forma das nuvens, e da cor do céu que impregnavam seus olhos. Lembrou de um tempo em que ia tomar banho de rio, com alguns amigos. Teve uma vez que levaram discos long plays,  uma vitrola portátil, salame e pão. Na ocasião desse piquenique se embriagou, com conhaque de alcatrão. Nesta época, gostava de criar galos de briga. Não sabia explicar porque se lembrava disso, sempre que estava triste. Foi sentar-se num daqueles bancos altos, que ficam próximo ao balcão, pediu uma bebida. Uma dose de uísque, veio parar na sua frente, e ficaram os dois se olhando. Vieram lembranças de quando criança, de um torneiro mecânico que foi fazer alguns reparos na sua casa. Senhor Djalma era apenas uma criança, e acabou flagrando àquele homem molestando sexualmente, um dos seus irmãos, que era ainda mais novo que ele. Traumas ficariam para sempre, em ambos.

Os braços apoiados no lastro do balcão, sem vontade de coisa alguma. Bebeu tristeza. Umas folhas de jornal velho, jaziam numa mesa, veio parar nas suas mãos. Os olhos, foram esquiar, pelo vale das pequenas letras pretas, das folhas encardidas. Não lia nada. Pra quê? Um outro freguês entrou no boteco. Ninguém pareceu se dar ao trabalho de ver quem era. Era um homem, de quase dois metros de altura, talvez estivesse bêbado, se passaria por um mendigo. Tudo nele, lembrava uma ratazana enorme, os braços imundos, peludos, o nariz projetado, as sobrancelhas de fios longos. Calmamente tirou um machado de lâmina bem afiada, que trazia pendido do cinto. Empunhando-o ameaçadoramente, se projetou contra o Senhor Djalma. A lâmina mortífera sibilou no ar. E todos ouviram ele vociferar: -Hora de morrer homem! Senhor Djalma instintivamente se esquivou, mas não foi suficiente para livrar-se do golpe, que atingiu-lhe o ombro, e ouviu-se, além da música, som de osso se partindo. Novo esquivo, novo golpe, dessa vez o machado enterrou-se no peito, o sangue jorrou morno, viscoso. Cadeiras e mesas derrubadas. O assassino preparou-se para desferir o golpe fatal. Da porta do bar, uma voz forte ameaçadora: -Pare ou atiro! Isso não intimidou,  nem homem, nem o machado que desceu, se enterrando na cabeça do Senhor Djalma. Um estampido seco, e a ratazana com corpo de homem, caiu por cima de Senhor Djalma. E estavam ambos, mortos.  

Fabio Campos 30/05/2020.

BABY-LLON Cap 1 "Ossos"



FICÇÃO: BABY-LLON                Cap.1 Ossos



Podia dizer que havia muito azul. Saindo de dentro do mar, entrando por dentro do céu. Galopando até um infinito. Matando por desprezo, o cais do porto, as gaivotas, os barcos e pescadores. As nuvens do jeito que estavam, algumas mais escuras gritando para as mais claras, pra que fugissem dali, depressa. Isso trazia coisas de recordar, de outrora. O homem, se lá não estivesse, talvez tanta falta não fizesse, porém ele estava lá. O silêncio nascia a partir dele. Não era poeta, junto com o gosto de fumo, na boca, um resto de poesia, de tempos idos. Aquilo deixava-o nu. Como no sonho recorrente.


As pessoas passavam. O sexo exposto, as nádegas magra, e fria. Quem passava, via-o, e seguia, indiferente. Uma mulher de cabelo preto, parte dele escondido debaixo do chapéu, branco, de pano engomado. O entorno dos olhos, um exagero de sombreado, a boca de batom, quase preto. Feito personagem das fitas de Carlitos. Deteve-se mais tempo olhando-o, porém sem parar, e seguiu. Os cafés estavam lotados, o fim de tarde se pronunciava, ameaçador, de chuva. Um pintor concentrado na sua tela, reproduzia o chafariz, a praça, a catedral ao fundo. 



Vinte e um homens, era o número de irmãos, que tinha. Nunca na vida jamais se reuniram. Quem sabe na infância talvez, e nunca mais, em momento algum. O pai viúvo. Aos noventa anos. Desde os sessenta anos, ficando caduco, broco. Detentor de dois mil hectares de ódio e terras. A maioria dos filhos, agourava a morte do velho, esperando herdar, cada um, sua parte. O homem nu na praça, ficara sabendo, do desaparecimento de alguns familiares. Em menos de dois meses, onze haviam sumido. Ninguém, além dele havia percebido isso. Dentre os desaparecidos, alguns primos, um tio, e mesmo um dos seus irmãos. Simplesmente sumiram. 

O homem que estava na praça se chamava Djalma. Senhor Djalma, do ministério público estadual, aprendiz de rábula. Dentre os irmãos, nem era o mais velho, nem o mais novo. Ficava ali na faixa do meio. Possuía um rosto extemporâneo. Senhor Djalma, poderia ter nascido no século dez, ou no vinte e um. No Paquistão, ou nas América. Iria sempre aparentar um qualquer. O rosto espadaúdo, caucasiano, o bigode vasto, o cabelo ralo, um tufo de fios brancos se pronunciando nas têmporas. Senhor Djalma, poderia estar trajado de pirata, de cowboy, ou de padre, qualquer figura, cair-lhe-ia muito bem. Mas, naquele exato momento estava nu. Aliás, era como se sentia, naquele instante. Vestir vestia sim, uma camisa, de pano fino, vaporoso, bege, de gola, uma carreira de botões descia pelo meio do peito, A calça também de tecido. Uma das mãos no bolso, a outra segurava um disco de vinil, de Altemar Dutra. Dali a pouco iria pra um bar, e pediria uma bebida e que colocasse o disco pra tocar. Chapéu de massa, surrado, nódoas de bolor entre a fita da copa e as abas. O cigarro curto, de pouca fumaça, amassado próximo ao filtro, quase que desaparecia no bigode preto-castanho. Senhor Djalma pensava. Em que pensava? Nunca casara, mas tinha uma filha que se chamava Rana. Aonde e como estaria? 


Da praça onde estava, senhor Djalma podia ver, lá no alto, o muro do cemitério. Teve vontade de ir até lá. Visitar o mausoléu da família. Toda vez que via o cemitério, uma imagem lhe vinha. Os ossos de seus familiares, dentro de um saco de estopa. Foi no dia do sepultamento de uma tia, uma irmã de seu pai, que o detestava, era criança ainda. Ao escavar a urna o coveiro teve que retirar os ossos dos familiares. Pegava-os com as mãos. Colocava-os todos num saco. Gesto corriqueiro para a maioria dos que ali estavam. Para o senhor Djalma, que era só uma criança, não. Pois sabia, dali alguns anos, seriam os seus próprios ossos, que seus familiares estariam contemplando. Ao final, o saco com os ossos foi colocado sobre o caixão, e a tumba lacrada com cimento e cal. Jamais esqueceria aquela cena. Algo mais, além dos ossos, ficaria daquela cena.


DE VOLTA COM TRÊS POESIAS




POESIA: TÍTULO: COMO CENTAURO

UMA NOITE DESSAS
MERGULHEI NO MAR
MAR DE VÊNUS
COLHI ESTRELAS 
FAISCANTES
FILHAS DE CAPRICÓRNIO
ESTRELAS MENINAS

PERDI-ME
DENTRO DELAS
E NÃO PUDE MAIS...
ME ENCONTRAR...

FIQUEI COMO QUE...
UM CAVALO MARINHO
SEM LEI, NEM REI
EMBRIAGADO
ENEBRIADO
MINH'ALMA NO LEITO
DE UM ABISMO...
VENÉREO
MAS NÃO PASSA O AMOR

Santana do Ipanema- Alagoas, 11 de novembro de 1978


POESIA: TÍTULO:  UM POEMA

NUM RETUMBAR
DE PAIXÕES QUEBRADAS
NÃO FALEI...-
A LUA MAIS BONITA
ESTUPRANDO  À TARDE
RECLAMAVA 
NÃO TER SIDO CITADA
DAS MANHÃS DE SORRISOS
COR DE MEL
NÃO ME LEMBREI - NA HORA -
E O QUE RESTOU...
NÃO FOI UMA JANELA ABERTA
FOI, UMA OUTRA ÉPOCA
NUM OUTRO LUGAR...
ONDE?
RESTOU SÓ UM POEMA:
SEM "EMA"
SÓ O "PÓ"

Santana do Ipanema - Alagoas, 12 de novembro de 1978.


POESIA: TÍTULO:   ESBOÇO

PARALELO

ESCARPADO

DECLÍNIO, ERECTO, DILATADO
DESLIZE
ARCO
TORTUOSO
ARRANHADO
POLIDO

SUPERFÍCIES SUADAS...

RELAÇÕES SUSPENSAS...

PLANOS,

MADORRA 

Santana do Ipanema, Alagoas, 13 de novembro de 1978.

Com essas três poesias encerro mais um dos meus cadernos de estudante, guardados com poesias inéditas. Ora publicada aqui, neste espaço. A foto que ilustra é recente. Retrata-me, em cor e tons com as quais quero, ser lembrado. Agora, e sempre.