"Go to hell man!" Cap. 30


O homem, disse: “Go to hell Man!”, e fez o que tinha de fazer.  O que disse, ficou impresso na mente, para sempre. Vestia uma calça jeans. O velho jeans desbotado, era o que mais chamava a atenção em cima dele. Nos pés um par de botas velhas, a camisa surrada, marrom da cor do cenário. O chapéu de caubói, dava-lhe um ar de americano. A sua mochila tinha, na aba, que servia de tranca, vários botons com cores e estrelas, azuis e vermelhas. A frase escapou-lhe da boca, como um tapa de estalo, na cara da tarde. Sorria um riso cínico, de uma carreira de dentes minúsculos, artificiais. As palavras lhes saíam assoviadas, secas, de uma língua sem saliva. As pupilas dilatadas Se não fossem atentos os ouvidos que ouviam, jamais entenderiam. Cairiam no oco da tarde. A vontade de viver, se perdendo nos prados amarelos, no meio do sol quente, do vento, e da poeira. Indo acabar se enganchando nas latas de lixo, cheias de moscas a beira da estrada. O homem tinha várias tatuagens. Uma, que tomava todo o antebraço era uma mulher nua, enroscada por uma enorme serpente. Ficou conhecido como o homem do crime, no Bar do Bola Sete.

O homem, que disse que amava todas as meninas. Alguma coisa muito cavernosa tinha, que ninguém, além dele, sabia. Tem certas horas, que aparentamos sermos pessoas tão puras, tão poesia. Pra em seguida, nos revelarmos verdadeiro chacal, habitante das trevas, e do lamaçal. O coração, coitado, cheio de lodo fétido! Isso dependia do estado de humor que o espírito tivesse. Era motorista de um jeep verde, de capota preta. Os óculos de aros e lentes tão redondas, deixavam-no com certo ar de intelectual. Estupidamente inteligente. Jamais vestira uma calça jeans na vida. Impecável no manequim de tecido, engomado. Detestava os hippies. Achava que eram todos um bandos de maconheiros, filhinhos de papai que nunca sofrera na vida. E que viviam de sombra e água fresca. Um bando de maricas que odiava o trabalho, o capitalismo, a exploração do homem pelo homem. Cujo lema: paz e amor, era só um lema. Se traduzia pela paz que o cigarro de maconha lhes proporcionava, e o amor, em sexo grupal, total, liberal.

O homem que morreria, senhor Djalma, entrou no bar. Sentou num daqueles bancos altos que ficam próximo ao balcão. Apoiou os pés numa espécie de estribo. Pediu uma cerveja. Nem bem o barman ligou a vitrola, tomou-a! Engoliu-a em menos de três minutos, tanta era a sede. Sentiu-se cheio, de espuma. O arroto subiu queimando as narinas, trago forte de cevada. Daria um tempo, antes de pedir mais outra. Os olhos vermelhos, escondia-os atrás de um óculos ray-ban. Lembrou da motocicleta que, um dia deixara quebrada, lá trás, na estrada. Não seria melhor ter pedido café?

O homem, e sua xícara de café. Uma xícara de café tinha tanto a dizer. Dizia de uma tarde fria, chuvosa. Lá pela tardinha, o dia se foi, e antes que a noite viesse, com seu vento negro, de matar as cores, de cobrir o mundo. O mundo, chorou. A chuva, tinha esse poder de fazer as coisas ficarem tristes, pensativas e de fazê-las chorar. Dona Alzira, toda manhã ficava na calçada, com uma vasilha na mão. Esperando o homem do leite, que viria no mesmo instante em que os meninos entrariam pelo portão da escola. Logo ali a frente. Perfeita sincronia, leite chegando, meninos entrando na escola. Dona Alzira que rimava com vasilha, menino que rimava com traquino, jogar bola que rimava com escola. Os meninos se foram, cresceram, viraram homens feito. Seu José do leite morreu, morreu o cavalo que montava. Morreu a rua de paralelepípedo, que virou avenida. Morreu o pé de castanhola do pátio da escola, morreram também as professoras, a diretora e a zeladora. O velho portão com as iniciais do nome: G.E.P.F.C. tudo se acabara. Dona Elvira, no entanto continuava lá, de pé, na calçada. Esperando o homem do leite.     

O homem moreno, com cara de setenta anos. As rugas eram de verdade, e cabelos grisalhos também. Andava como quem dançava coco, e tinha tantas histórias no andar. Conversava com a estrada. Pedia a Deus que a dor no braço não viesse muito cedo, precisava de força pra aparar as canas caiana, que o engenho manual faria virar garapa. As abelhas dóceis, atraídas pelo doce mel, da cana. O pneu do carrinho baixou, estava furado. Ao passar na rua da feira, ia cantando as modinhas do coco de roda que à noite iria ensaiar com as meninas.

“Menina do laço branco/Sobrancelha da cor de veludo/Me dá o teu vestido/ vou te olhar atrás do muro”

Não, não havia mais nada a fazer. O fim estava próximo, literalmente. Tentou lembrar onde tudo começou, inútil tentativa. Melhor ficar quieto. Aceitar, doía menos. Agora, pouco importava, se quando morria, se tomava café, se tomava cerveja, se vestia jeans, ou calça de tecido. Isso pouco importava agora. Se o que o matara era um mendigo, ou um hippie. Se fora morto por conta de uma traição, de um triangulo amoroso, ou de uma dívida não paga. Se era uma manhã cheia de sol, ou era tarde, chuvosa. Importava o que havia vivido. O amor que havia sentido. Não tinha certeza, se fora olhar, a menina, que talvez se chama-se Cícera, Letícia, Alícia... a tomar banho nua, no quintal da vizinha. Não havia mais certeza, alguma. Se tivera tantos irmãos, se seu pai deixara sua mãe. Se a estrada logo ali a frente, tão cheia de luz, lhe levaria pra casa, ou pro céu. Isso, pouco importava agora. Não tinha tanta certeza, se o que vivia era sonho, ou fantasia. Tudo isso, pouco importava... Agora.

14 de dezembro de 2020.

Ilustra este último capítulo do Conto: Baby-llon, foto da Contra-capa do disco Long play, de Djavan "Alumbramento" 1979. Ganhei de presente, do meu filho Joaddan.



 

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