Não era um hospital, mas um
pequeno posto de saúde. Pouco importava, a realidade era a mesma. Pessoas feito
robôs, nas aparências, nas atitudes. Teto branco, piso branco, paredes, e vestes
brancas. Cartazes, orientações, cuidados, nem sempre seguidos. O material
analisado, o humano, por outros não menos humanos. Transformado todos, em coisas,
objetos, vivos, manuseados, sob procedimento padrão. Distanciamento, não apenas
físico, também de sentimentos, frieza de espírito. Perguntas frias, exigindo
respostas precisas, de preferência destituídas de emoções. Folhas de papel, anotações,
carimbos e rabiscos. Tudo pensado para transformar humanos em números. Papéis
valendo mais que gente. Os sentimentos, relegados a nenhum plano, por assim dizer.
O homem o reconheceu. Tinha
certeza, conhecia àquele, que vinha caminhando na calçada, antiga. Naquela
calçada onde eles mesmos, ainda crianças, tantas vezes, passaram. O
reconheceria, em qualquer lugar do mundo. Mesmo depois de tanto tempo. Claro,
que era ele! Não tinha a menor dúvida, era ele. Pronunciou seu nome com ênfase.
Sempre fazia assim, quando encontrava alguém, que achava que era conhecido.
Pensava: se for, institivamente olhará em direção àquele que o chama. Os
olhares, dos dois se encontraram. Não reconheceu, de imediato aquele que o
chamava. O que chamara porém, continuava tendo certeza que aquele, era ele.
O casal, estava em lua de mel.
Cedo do dia, de mala e cuia chegaram a casa dos compadres. Abusados, por assim
dizer, dos ares do sítio, correram pra cidade. Péssima ideia, em tempos de
pandemia. Tão belo, o amor manifestado entre duas pessoas. Em quase toda
sua essência, cego para os individualismos, surdo para os egoísmos. O amor
entre dois que, miseravelmente se amavam. Amor quase despojado de
cobranças um do outro. Amor novinho, quase cristalino! Recém babados de amor! Olhares
de cumplicidade, prova cabal do quanto era chato ser feliz, a dois. O propósito
parecia estar funcionando, demonstrar para os outros. E quem
visse, que morressem de inveja de tanta felicidade. A vontade de fumar, desencadeando
a vontade no outro. O único palito aceso compartilhado, cheio de romantismo besta,
no reles ato. Debaixo do pé de goiabeira, as goiabas velhas corroídas pelos
passarinhos, caídas ao chão, olhava-os, com seus olhares, apodrecidos de tanto amor. Palavras doces de fel, enfadonhas. Vieram mesmo foi tentar descobrir,
onde o casal da casa, escondia o segredo para se suportarem, por tantos longos
anos de convívio. Onde será que escondiam o álibi perfeito, para o crime de assassinato do amor? E de como conseguiam enganar tão bem os invejosos,
roubavam a paz dos gananciosos, dos odiosos que não suportavam mais ver tanta
felicidade! Daí, só uma coisa restava: os expulsar do paraíso. Vão pra casa de
vocês! Pelo amor de Deus! E se foram.
O teste para o covid, da filha,
deu positivo, mas já não estaria mais transmitindo o vírus, adquirira imunidade
e não transmitia mais, que beleza. Pior era saber, que isso não significava que
podia ir buscar os pequeninos de volta pra casa. Permaneceria em quarentena.
Passaria o próprio aniversário se recuperando da doença. O filho que estava com
a irmã, e o que estava na casa dos pais do companheiro iriam continuariam lá.
Como se não já não bastasse de complicação, outras pessoas, muito próxima da
família estavam morrendo. Parentes muito próximo estavam adoecendo, cada vez
mais se fechava o cerco. Não entendia, nem queria entender, porque, alguns
diagnosticado davam entrada no hospital, e de lá só saiam mortos. E porque só alguns conseguiam sair com vida. Um ritual de comemoração pela vida tornara-se praxe,
nas portas dos hospitais. O paciente vindo, pelos corredores, debilitado ainda,
conduzido numa cadeira de rodas, uma fileira de profissionais da saúde, como
num “corredor polonês”, pela vida! Palmas, cartazes nas mãos avisavam: “Venci o Covid!”
música, louvores, sirenes, balões, confetes, serpentinas. Tudo para comemorar a
vitória da vida sobre a morte. Páscoa.
O velho amigo, tinha um caso para
lhes contar, estava tomando conta de um chácara, a pelo menos dez anos atrás.
Era uma manhã como outra qualquer, logo cedo, foi consertar uma cerca de cinco
fios de arame farpado. Precisava pregar umas estacas. De repente, a vista escureceu.
Apagou. Calculou, mais ou menos uma hora desacordado. Ao acordar, percebeu que estava
caído sobre a cerca, embolado nos fios de arame. Não conseguia mover-se, depois
de muitos gritos de pedido de socorro, a mulher apareceu. Tentou movê-lo, sem
sucesso, a mulher também doente, magra, sem força, portadora de deficiência física,
sequelas da diabetes. Tentou, tentou, tirá-lo de lá, sem sucesso. Chamou um
vizinho de sítio, conseguiram levar pro terreiro de casa. Ali, debaixo de um
frondoso pé de azeite, totalmente inerte, apenas consciente, conversou com
Deus. Sabia, acabara de sofrer um acidente vascular cerebral. Sabia, não era
hora pra questionamento, porém tinha uma pergunta: “E agora Senhor?” “O que
faço?” Naquela mesma manhã, deu entrada no hospital, conduzido em uma cadeira de
rodas, os procedimentos iniciais ainda na recepção. Aferição da pressão
arterial, que deixou o médico atônito, disse-lhe: “Com essa pressão, era pra
você ter morrido lá mesmo, enrolado na cerca!” Mas estava lá, vivinho da silva.
Causando incômodo a medicina que não tinha explicação. Ora, seu doutor estava
dizendo que ele era um milagre de Deus. Sim! Era isso que estava tentando
dizer? Só conseguia mover um braço, só movia uma das pernas, a boca um pouco
torta. E ficou largado ali, no corredor, numa cadeira de rodas, sob observação. De ninguém.
Duas longas horas, se passaram no
silêncio, do corredor do hospital. A mulher esperando, que a equipe médica
resolvesse alguma coisa. Silêncio noturno, corredores de hospital. Deserto. De repente,
lá vinha alguém, andando. Era ele! Incrível! A Mulher cochilava num dos bancos
da sala de espera. Cutucou-a: Mulher! vamos embora. E saíram os dois, andando,
pela porta da frente do hospital.
Fabio Campos, 10 de Abril de
2021.
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