IN[Z](A)NO Capítulo quatro A ÁRVORE


   A ÁRVORE                                                 Capítulo Quatro

 Cinco vidas podem ser cada um dos sentidos; dependentes e autônomos, portal para outros caminhos, outros mundos.

O pirata, ainda não sabia onde estava, nem como fora parar naquele lugar. Olhava tudo com o único olho que conseguia enxergar, o esquerdo. Tudo que seu único olho conseguia capturar vasculhou em questão de segundos. A visão limitada, exigia uma maior acuidade. Se por acaso um inimigo lhe viesse atacar pela sua direita, dificultaria sua percepção. E foi justamente o que aconteceu. O ogro dos metais entrou na taverna. Fez a varredura habitual, reconheceu o inimigo e avançou. O que queria era fazer-lhe uma recepção digna, com sua clave de combate cuja ponta ostentava um enorme prego atravessado bateu no abdômen do amigo que não via a bastante tempo. A reação de dor provocada no pirata foi imediata, deu-lhe um murro no tórax que o arremessou contra a parede que não suportou o impacto e cedeu.

A mãe de Seu Antônio tinha algo para lhe contar. Feliz da vida conversava com ela. Perguntou-lhe: O mãe! Por que já não me procurou para contar isso a mais tempo?

Ela preferiu não responder, porém, ao fitar seus olhos tristes, Seu Antônio conseguiu enxergar neles muitas coisas. Coisas que jamais tivera coragem de perguntar. Agora, já falecida, encontrava as respostas ali, no fundo dos seus olhos. Lembrou daquele final de semana, era domingo, a família toda fora para casa de tia Emília, que morava na encosta do rio. Geraldo o primo mais velho, era quem se encarregava de passear com as crianças pelo sítio, levando-os até o rio, a andar de charrete. Teve uma vez que matou uma cobra. A serpente apareceu no paiol, era uma jiboia, estava enroscada nos caibros na cumeeira do depósito, buscava os ninhos das corujas, para comer-lhes ovos, ou filhotes. Com o facão, Geraldo cortou-a ao meio, o sangue tingiu o chão, a mente e o coração do menino Isachar, que jamais esqueceria aquela cena.

A tarde quente sufocava, fazia suar por todos os poros, incômoda, a camiseta colava na pele, das costas, do tórax. O chão de areia dificultava o andar. O jumento avançava com sua habitual preguiça, exalando seu cheiro enjoativo de mofo. Uma águia gigante veio voando na direção deles. Não era águia coisa nenhuma, aquilo era um dragão. Os olhos vermelhos, os dentes pontiagudos, a língua de fogo, em uma das garras uma espada. O caubói sacou os dois revólveres dos coldres, e começou a atirar contra o réptil voador, que lançava labaredas contra os eles. Um tiro atingiu o ser alado na asa, arrancando pele e partindo ossos. Uma das labaredas atingiu o pobre asno, chamuscando-lhe a crina. O animal rolou na areia tentando apagar o fogo. O cavaleiro andante tentou se proteger do ataque mortal do dragão, indo para detrás de uma árvore. O dragão avançou e espetou com a espada o tronco. Do ferimento no tronco, um jato de sangue jorrou na areia quente. A poucos metros de curso d´água.

A verdade era que aquela árvore noutros tempos fora uma mulher, A mulher encontrada morta dentro do rio. História entrecortada de medos. Relampejo de insensatez, no brilho da lâmina da faca. A mulher de olhos esbugalhados diante da morte, após ser golpeada várias vezes com facadas, morre lentamente dentro d'água.

Muitos anos se passaram. Nunca aquele crime fora desvendado. No mesmo dia que Batista foi morto no meio da rua, na verdade, na noite daquele dia. A mulher morta a facadas, o homem morto a tiros. Seu Antônio era comerciante, e produzia artefatos de couro. Conversava com os homens que curtiam o couro, lá pras bandas das cachoeiras, rio a baixo.

Os curtidores de couro, o dia inteiro ficavam metidos, até a cintura, dentro dos tanques fedidos a carniça, enchendo com cascas de angico e revirando as peças de couro. A tinta largada da casca do angico impregnava seus corpos, a água, o couro. Os homens ficavam da cor de sangue. O mau cheiro quase insuportável, eles, porém, já haviam acostumado seus olfatos com aquilo. E até cantavam enquanto trabalhavam. O mais velho tinha uma história pra contar. História do tempo que era jovem, e viajava pelo mundo.

E com certo orgulho contava que já havia passado fome nas andanças mundo à fora. Contou que uma vez chegou num vilarejo cujos habitantes na sua maioria era orientais. Entrou num boteco, tinha muita fome, e nenhum dinheiro para se alimentar. Aproximou-se do balcão e um velho chinês de bigodes longos perguntou o que queria. Disse que tinha fome, mas não tinha dinheiro. O chinês, com sua voz fina e de língua presa, soltou-lhe umas imprecações. Até de vagabundo o chamou. Uma velha senhora, também chinesa, apareceu de lá dentro. E olhando o forasteiro, fez um sinal para que saísse do boteco. E desapareceu na porta que dava pra cozinha. 

TATOO Capítulo 3 IN [ Z] A [NO] 04/01/2025





Capítulo 3                 Tatoo     04/01/2025   IN [Z] A [NO]

Os pássaros coadjuvantes da belíssima cena, compactuavam do risonho espetáculo do amanhecer. Desfilavam com seus cantos e bailados alados, terna poesia lírica. 

 A moto furiosamente avançava pela areia do deserto. O prateado do cano de escape refletia as cores do jeans desbotado, a bota de couro. O homem moreno que a pilotava, considerava a breve penugem sobre os lábios como se fosse um vasto bigode, ao qual alisava insistentemente com os dedos polegar e indicador. As dunas de uma aridez gritante. Os óculos refletiam um céu desanuviado. Uma estrada, um posto de combustível. Tudo parecia tão abandonado.

Ao lado do posto, uma elevação abrupta, uma pequena serra brotada do nada, solitária. O homem aproximou-se dumas pedras que parecia a entrada de uma mina. Guarnecida de toras de madeira, a entrada da mina continha uma placa avisando a quem ali chegasse: “Não entre! Perigo de desabamento.” Sem se intimidar com o aviso, o homem entrou. Engolido foi pela escuridão reinante, no túnel andou por alguns instantes, para em seguida sair num imenso vale de céu azul, onde havia um acampamento. Barracas a se perder de vista num formigueiro humano. As negociações eram feitas aos gritos, muito barulho de conversas. Aventureiros, comerciantes, mercenários, caçadores de aluguel, piratas, alienígenas. Um livre comércio acontecia ali.  

Batista gostava de roupas coloridas, muitos anéis nos dedos, cordão de prata no pescoço, um chapéu de caubói na cabeça, os óculos escondiam-lhe os olhos pregueados de origem indígena. Olhos vermelhos, pelas noites de sono, e uso de diamba. Um artista circense, se apresentava na feira livre, fazendo malabarismo, truques de mágica. Aproveitava pra vender pomada. Um unguento para todo tipo de problema de saúde, como o mesmo propagava. A sua chegada a comunidade sempre era esperada. Um colega, seu assistente de apresentações, Janio, lhe conseguia a erva ilícita para revenderem, na surdina, a fregueses combinados. Janio veio-lhe encontrar.

A feira livre, uma profusão de cores, cheiros e sabores. A multidão sempre dividida em duas categorias, os que têm algo pra vender, e os que querem comprar. Fosse o que fosse. Só esperavam que o destino os ajudasse nessa tarefa.

O vendedor de panelas de barro, o vendedor de cangalhas e colchões de capim, o vendedor de fubá enchendo a rua com seu aroma se misturando ao cheiro de pastel e caldo de cana. As tapioqueiras, as toldas de comida, o vapor das panelas ia de olfato em olfato, abrindo o apetite para um prato de cuscuz com carne de galinha e uma xícara de café fumegante. A feira é um espetáculo de vida. Os meninos carroceiros, ganhando um trocado pra levar as feiras das ciganas e das ricas mulheres com seus longos vestidos e turbantes, e iam de banca em banca comprando os víveres necessários para a semana que terminava, afinal.

De repente, no meio da multidão, um tumulto, uma briga iniciada entre um alienígena e um nativo. O índio devia ter dois metros de altura, e era só músculo. O alienígena, três metros de ferro e engrenagem, somente os braços e pernas eram de carne e osso. Uma língua de fogo saiu de sua boca em direção ao oponente, que se esquivando foi atingir uma tenda que logo virou uma fogueira. A balbúrdia estava formada. A briga iniciou-se porque ambos queriam ser atendido primeiro por um tatuador. As gangues, e facções entendiam aquilo como uma afronta. Aquilo era motivo mais que suficiente para o desfecho de mais um embate. Acabava que todos que estavam na feira viravam combatentes, mesmo os pacatos aldeões, que se quisessem sobreviver teriam que lutar. E tudo que estivesse ao alcance da mão virava arma de ataque e defesa. E mais uma batalha daquela eterna guerra recomeçara.