XVI Outono Voyeur IN[Z](A)NO Capítulo Cinco 17/04/25


 


Isachar considerava-se o quinto personagem daquela história maluca. Queria muito entender porque deixara a casa dos pais. O tempo todo sentia saudade, tinha vontade de voltar, fazer como o filho pródigo, dizer pai: “só contra ti pequei, já não mereço ser chamado de teu filho.” Mas o orgulho besta, não permitia. A loucura o havia levado muito longe. O espírito de aventura talvez. Sei lá, que doidice fora aquela.

Tudo em volta parecia estranho. O mercado, as pessoas andando no meio da feira, a gritaria, as preocupações de cada um, que passava. Nem todos que se encontravam ali na rua era vivente, havia espíritos que vagavam, havia alienígenas materializados, ou hologramas. Também entes de sua imaginação plasmando-se e evaporando-se numa velocidade estúpida. Não entendia, mas tudo aquilo vinha-o importunar. Não tinha vocação pra Deus. No entanto, incomodava-o saber que povos estavam em guerra, que o clima estava descontrolado.

O céu era de meio-dia, também os clamores de sua barriga. Achou engraçado, estar com fome. E teve uma leve vontade, uma curiosidade de perguntar a alguém por que o céu estava roxo? Muito provável somente ele enxergasse o firmamento daquela cor. A bola do sol, ardendo de fogo, amarelo alaranjado, parecia um pêndulo, balançando pra lá e pra cá. Teve a impressão de ver sua mãe andando no meio do povo. Ia muito adiante, ele a via de costas. Mas era como se conseguisse vê-la de frente. Olhava-o com aquele mesmo olhar de mulher piedosa, de uma mãe que padece pelo sofrimento do filho. O que estamos fazendo aqui? Vamos pra casa filho. Só podia ser alucinação, aquela altura do campeonato dona Dulce já falecera, inclusive vieram-lhe boas lembranças dos tempos em que vivia ainda. Enquanto estendia as roupas no varal, e ele brincava com um aro de bicicleta atrás do quintal de casa.

Dona Dulce vestia o vestido, o mesmo que um dia posou para uma foto com ele na sala de sofá, ao lado, também estava seu pai. O traje do pai era terno completo, o vestido da mãe tinha folhas e flores como de repolho, em preto e branco. Não tinha cabimento aquelas recordações, não, para aquele momento. O braço começou a arder em brasa, e coçava muito. Três furinhos de sangue, três pontinhos vermelhos, na parte interna do braço direito. Percebeu um alienígena com cara de peixe e corpo humano, ali a sua frente. Segurava uma arma, uma espécie de pistola de metal com a qual lhe aplicara uma espécie de injeção. Isachar desmaiou.

Acordou, deitado numa maca de hospital, imobilizado completamente pelos braços e pernas. Era um lugar cheio de equipamentos médicos, painéis com bips e leds de várias cores piscavam. Ambiente refrigerado, luzes frias. Som apenas de equipamentos médicos. Tubos e sondas acoplados ao seu corpo monitoravam todos os seus sinais vitais, pressão arterial, batimentos cardíacos, temperatura, atividade cerebral.

Num painel a sua frente, um monitor mostrava exatamente o que ele estava pensando. Como podia? Naquela tevê, ali em frente, aparecia tudo o que ele pensava, no exato momento em que pensava. Teve uma sensação de quase pânico. Sentiu-se como que nu, invadido no mais íntimo do seu ser, da sua intimidade. Quem mais estaria assistindo? Vendo suas mais sigilosas mentalizações ali expostas? Sem poder fazer nada! Teria morrido? Seria aquilo o céu? Provavelmente mais se assemelhava ao inferno. Seus pensamentos começaram a vagar, foram parar no tempo em que vivia na casa dos seus pais. Estava, exato, com dezesseis anos. Vinte anos havia se passado desde então. O rosto de uma menina por quem era apaixonado, em segredo, encheu a tela do monitor, e logo sumiu. Novamente a menina apareceu, seus cabelos compridos iam até o respaldo da cadeira onde estava, na sala de aula. Sonia sentava a pelo menos umas seis carteiras a sua frente. Na fila paralela.

Naquela manhã de outono, o dia ainda acordava preguiçoso. As coisas iam ficando todas, cada vez mais alegres. A medida que o sol as tocava. As árvores, os pássaros nos ninhos. O assobio do vento trazendo animosidade para a vida. Dona Dulce foi ao quarto acordar o filho, acabou flagrando Isachar masturbando-se, na cama, nu, por baixo dos lençóis, olhava por uma fresta da janela, algumas mulheres, vestidas em suas calças coladas ao corpo, realçando seus glúteos e genitálias, conversavam animadamente na calçada. Bem ali em frente a janela do seu quarto. Iam para a caminhada matinal. De início, dona Dulce ralhou-o, ameaçou dar-lhe uns bofetões, Desconsertada, saiu de cena em disparada, num misto de vergonha e pudor. Isachar, depois do banho, meio que sem jeito, apareceu na cozinha. Sentou-se a mesa para o café da manhã, para ir à escola. A benção, a mochila, o caminho da rua.