
“-Vô! Eu não consigo terminar meu Tiranossauro rex.” Quis saber, dentre tantas coisas que havia lá, qual era o dinossauro, que infelizmente não teria vindo ao mundo por completo. Por imaturidade do inventor, no seu gênesis jurássico.
O indicador da destra apontou um
círculo pintado de verde, com outros círculos menores na parte de dentro.
Prontificou se a explicar. “-Vô! Eu consegui fazer a cabeça. Isso aqui são os dentes.
E aqui os olhos! Faltam ainda as patas! As patas não consigo!” Rebusquei meus
arquivos memoriais, e a figura do rei dos dinossauros surgiu-me ameaçadora.
Constatei que na hora de criar o monarca do período Triássico, da Era Mesozóica,
Deus, assim como meu neto Thomas, caprichou nas arcadas dentária, porém suas
patas dianteiras pareciam atrofiadas. Ainda uma lágrima descia, entre um e
outro soluço. E de repente, um raio de luz entrou pela janela atingindo-nos em
cheio. Tive a sensação de estar encolhendo. Infelizmente não era apenas
pressentimento, realmente havíamos encolhidos. O feixe de luz nos fez deslizar,
até a superfície de papel. E lá estávamos agarrados em galhos azuis, de uma
árvore exótica, que liberava um cheiro forte. Eram galhos duma árvore pintada
com tinta azul de metileno. E tinha a árvore frutos parecidos com maçãs, só que
maiores, e blues. Olhando pro horizonte vi uma imensa bola cor de ouro. Dum
amarelo intenso, cor de cádmio. Era um sol, cor e luz, porem não liberava
calor. Um astro rei sem quentura. Fomos parar num mundo, onde as plantas não
realizavam fotossíntese, nada era verde, não possuía clorofila. Thomas quis
saber: “-Vô! Onde estamos?”
“-No seu desenho Thomas!” Com
algum esforço descemos da árvore. O chão onde pisamos era macio, todo
branquinho como neve, porem não havia frio, nem umidade. Uma neve que não era
neve. Como de pipoca o chão, de uma superfície tão alva que doía. Iniciamos uma
caminhada, sem ter a menor idéia pra que lado devêssemos ir. Ocorreu-me que a
qualquer momento poderíamos encontrar um dos bichos desenhado por Thomas. Melhor
seria não ter pensado em nada. Nem bem fechei o pensamento, e um carro surgiu
no horizonte. Os faróis acessos o que primeiro vimos. E veio vindo, sem fazer o
barulho característico dos carros, porque não tinha motor, portanto não
liberava dióxido de carbono na natureza. Um menino cor de grafite, porque desse
mineral era do que era feito, ao volante. O carro andava de modo desengonçado,
como se fosse se desmontar a qualquer momento, porque os pneus eram círculos irregulares,
imperfeitos. Feitos de caneta hidracor de cor lilás. Nesse momento Thomas sorriu,
pois reconheceu o piloto. Disse-me que se tratava de “um velho” amigo, Diego.
Na verdade, acabavam de encontrar-se criador e criatura. Um fraterno abraço
selou o encontro dos dois. E como se pareciam!
De repente uma nuvem negra,
cobriu nossas cabeças. Que nuvem que nada! Eram centenas de Pterodáctilos! Mais
que depressa Diego nos fez entrar no seu carro, cuja lataria se constituía de
riscos de caneta esferográfica! Era o que manteria nos protegidos dos pré-históricos
pássaros carnívoros. Permanecemos ali até findar a revoada dos pterousauros gigantes.
Uma vez que se foram, voltaram os amigos à conversa. Diego queria saber como
Thomas tinha ido parar na “Terra do Onde-Tudo-Era-Possível”, assim chamada segundo
ele, porque do branco tudo podia surgir. E disse mais: “-Naquele mundo, todos temiam
o lápis preto. Tida como a cor símbolo das trevas, devorava tudo que era luz.” Todos
seres daquele lugar fugiam do nanquim, como o diabo foge da cruz! Thomas disse-lhe
apenas como tudo tinha ocorrido que estava na sala mais o avô, quando uma luz
atingiu-os e eles encolheram. Diego disse não entender o que havia ocorrido,
mas que na “Terra do Onde-Tudo-Era-Possível” lá para além da montanha Branca,
morava o mestre dos Magos que com certeza sabia o que tinha acontecido. O
problema era encontrar a montanha Branca, num mundo onde, até aonde a vista
podia alcançar, tudo era branco.
De volta ao carro de Diego,
iniciaram a jornada em busca da alba montanha onde morava o mestre dos Magos.
Não andaram mais do que umas vinte jardas, vencendo a neblina da neve, que não
era neve. E os faróis alumiaram uma imensa montanha verde. Ora! Se o sol não
emitia calor como nascera planta ali? “-Cuidado vô! A montanha está se mexendo!”
Que montanha que nada! Nossos incautos heróis tinham acabado de encontrar o
Tiranossauro rex inacabado, de Thomas. Como não tinha as patas inferiores
permanecia deitado, porém movimentava a cabeça para um lado e para o outro. Thomas
aproximou-se. Desta feita foi a vez do avô cobrar-lhe cuidados. O menino de
carne e osso, disse ao “vô” para não se preocupar, seu dinossauro não comia carne
(pelo menos não a dele!). O dinossauro era amigo. Dócil, queria saber do seu
criador, quando pretendia terminá-lo. Não via a hora de sair andando pela “Terra
do Onde-Tudo-Era-Possível.” Assim que encontrasse um jeito de crescer, e voltar
ao mundo dele, e do avô, respondeu-lhe Thomas.
O Tiranossauro rex então disse: “Ora! Não é à toa que me chamam de rei!”
E concluiu: “-Na ponta da minha cauda tem um osso pontiagudo, em forma de
lápis. Tudo o que um menino traçar sobre o branco com ele, vira realidade.” Pegando
a ponta da cauda do dinossauro Thomas desenhou no chão branquinho, um par de patas
traseiras pro dinossauro. Disse-lhe o avô: “-Dê-lhe o nome de Renato, porque
significa renascido.” Desenhou também um par de asas mecânicas gigantes e
colocou-as no carro de Diego. E voaram até a montanha do Mago da “Terra do
Onde-Tudo-Era-Possível”.
No terceiro dia de jornada encontram
o castelo. O mago recebeu muito bem os estrangeiros em seu palácio. Depois de
ouvir a história, explicou o que havia acontecido: “-Todo ano que termina com o
número quatro; quatro planetas do sistema solar se alinham. Exatamente na
metade do outono quando, faltam quarenta dias pro solstício de verão no
hemisfério sul. Se no exato momento do alinhamento, um menino que tenha quatro
anos, iniciar um choro, por um motivo muito necessário, em qualquer parte da
terra, desencadeia-se um campo de energia cósmica, do espaço sideral que faz
com que aquela criança, e quem dela estiver próximo encolha. O problema é o antídoto. É preciso
que a bisavó do infante esteja pensando nele, no exato momento do realinhamento,
quando a terra e os outros três planetas voltarão as suas órbitas de origem, o
que acontecerá daqui a sete dias.”
Minha mãe estava só. Era noite. A
luz fluorescente da cozinha derramava-se sobre seus cabelos brancos. Tornando
assim, ainda mais brancos. Tomou café. Sentou-se a sua poltrona. Pôs-se a folhear
o calendário: a folhinha do Coração de Jesus. Em que dia do mês estava? Perdera a conta. A
velhice tem dessas coisas, a gente esquece o dia, o mês, e até em que ano se
está. As horas passavam a passo de tartaruga. E vieram velhas recordações. O dia em que
morrera seu pai. Veio o padre Moisés
para as exéquias. Teria o sacerdote afirmado: “-Tomaz, morreu num grande dia:
25 de março dia da Anunciação!” E lhe ocorreu um pensamento: “-Um de meus
filhos tem um neto, com o nome de meu pai, só que ao invés de Tomaz chama-se
Thomas.”
Fabio Campos
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