"Lamarck, Eu preciso te dizer o quanto te amo,
o quanto você é importante para mim. Hoje acordei cedo. Você sabe, sempre
acordo tarde. Hoje, porém fiz diferente. Enquanto minha mãe e meu irmão ainda
dormiam, na pontinha dos pés, fui até a cozinha. Abri a porta dos fundos e
ganhei o quintal. O dia vinha amanhecendo... Meu Deus como é lindo ver o dia
amanhecer! E pensar tantas manhãs como aquela, que eu já perdi. Enquanto
simplesmente dormia. E perdia de ver momento tão maravilhoso! Aquele sol com
seu brilho, invadindo pouco a pouco todos os espaços! Espalhando sua luz e seu
calor sobre toda criatura. Fazendo sorrir as plantinhas do chão, verdinha com
suas flores coloridas. Pintadas com capricho pelas mãos do maior dos pintores,
o nosso Pai, Deus do céu o Criador! E ver os passarinhos cantando sobrevoando
os telhados, subindo além do imenso azul do céu. Lembrei de nós quando estamos
na praça, também brincamos e cantamos. Os adultos dizem que nós os jovens, não
pensamos em nada, e tudo que mais queremos é mudar o mundo, o que não é
verdade. Sabemos que o mundo nos espera, e o que pode, e tem a nos oferecer.
Jamais nos iludimos de que tudo é “um mar de rosas” ou que “tudo são flores”.
Sobre as flores, e os animais que habitam o mar, você mesmo, tem ideias
revolucionárias, o curso de Biologia lhe proporcionou muitas e novas
descobertas. Tens consciência do que dizes em tuas teorias, que pode serem rejeitadas,
jamais aceitas pela maioria. Eu porem faço minhas as palavras de Lavoisier,
àquele que o nosso professor de filosofia falou: “Posso não concordar com tudo
que dizes, porem defenderei até o fim o direito de dizeres.” Quando estamos
juntos trocamos carícias, nos beijamos e fazemos juras de amor um pra o outro.
E dizemos que nada, nem ninguém será capaz de acabar um amor tão intenso, tão
real, tão sincero, como esse que sentimos um pelo outro.Te amo muito meu amor!”
A mensagem tomava toda às costas
da capa. Não era porem ali, que acabavam as confidências da jovem Ariana. Folheando
um pouco mais, e adiante, depois de muitos escritos de escola, encontrei outras
coisas de si. Dizia que havia sido muito traumático, saber que a mãe estava
doente. “Doeu muito em mim, descobrir que minha mãinha tinha câncer. Ela estava
com um câncer de mama. Sempre que chegava do trabalho, cansada, reclamava de
dores embaixo do braço. Eu falava que achava aquilo normal, afinal a ocupação
de serviçal, por ela exercida no Tribunal de Justiça. O dia inteiro a passar o
pano, naquelas imensas salas. Bem que poderia ser a causa. Lembro ainda hoje, do
dia da consulta médica. Eu fui com ela. Depois de vários exames minuciosos, a
médica fez-lhe uma série de perguntas.
Desde quando sentia aquelas dores? Perguntou que idade tinha. Em que dias do
mês menstruava. Notei-lhe bastante envergonhada por estar relatando tanto de
sua vida íntima, não por conta da médica, mas da minha presença, sua filha. Foi
prescrita uma bateria de exames, entre elas, a tão falada ressonância magnética
que muito elucidaria. Pra acabar de vez a dúvida a tal biópsia, e com ela a
confirmação do diagnóstico: células tumorosas na mama esquerda, em adiantado
estado de formação. Foi-nos explicado
que era um tumor não benigno, em estágio avançado. Era caso pra extração
cirúrgica seguida de tratamento quimioterápico. O tratamento começou no outro
dia. E veio a parte mais cruel, para qualquer mulher. Ver que estava perdendo
os cabelos. Minha mãe ficou completamente careca. Chorávamos nós duas
abraçadas, eu tinha que ser forte, mas não conseguia. Eu olhava pra minha mãezinha
querida. E só em lembrar do quanto era ela uma mulher vaidosa, que tanto se
valorizava e tinha um astral lá em cima. Gostava tanto de viver! Ia aos bailes
e festinhas, com as amigas e amigos, colegas de trabalho. E levantava a
auto-estima de todos, onde chegava. Meu Deus, são os mistérios da vida. Ela e meu
pai, haviam se separado quando eu tinha só nove anos, e meu irmão era um bebê.
Lamarck não tivera melhor sorte.
Sendo sua amada órfã de pai vivo, com ele ocorrera o contrário, era órfão de
mãe morta. Mais ainda traumático a forma como a teria perdido. Foi assim: Seu
pai, Estevão da Paz, filho de família ilustre de sua terra natal, Santana do
Ipanema, fora um rapaz boêmio dado as farras na juventude. Namorou e casou cedo
com Maria Anália, tirando a jovem da casa dos seus pais, ainda quando estudava
o curso normal. Só depois de casada, com sacrifício foi que se formou
professora. Contra a vontade do marido ciumento, não queria que ela estudasse. Ao completar vinte anos de idade Estevão Paz,
por influência política de sua família ingressaria, na Polícia de Alagoas. Como
oficial chegou a major, destacou muitos anos no interior. Foi delegado em
vários municípios. Aponto de ficar famoso por promover a paz nas localidades
onde passava. Tranquilidade muitas vezes conseguida com o derramamento de
sangue. já próximo de ir pra reserva, foi morar na capital do estado. No
quartel tornou-se músico da banda da polícia Militar de Alagoas. Numa vez que a
banda foi se apresentar numa cidade do litoral norte do estado. Por ocasião da
inauguração de uma usina de cana-de-açúcar, um rapaz embriagado teria dirigido
um galanteio a sua esposa que se encontrava no local. O major acabaria se
envolvendo numa briga com esse homem. Sacou sua arma e na tentativa de acertar
o galanteador, acabou atingindo sua própria esposa com um tiro no pescoço.
Senhora Anália morreu a caminho do hospital. Lamarck era só um menino quando
isso aconteceu. Porem jamais perdoaria seu pai por isso.
Interessante como era a vida, aquele
menino, depois dum trauma sofrido. ficou incrédulo para as coisas de Deus. Passou a acreditar puramente nas
ciências. Nas teorias, nas leis criadas pelos homens. Assim era Lamarck
estudante de biologia. E queria provar uma tese que um seu xará o biólogo francês
Jean Lamarck defendia desde o século dezoito. Por méritos próprios conseguiu
uma bolsa de estudos, para aprofundar sua teoria numa universidade francesa, em
Bazentin-le-Petit cidade onde nascera o grande biólogo Jean-Baptiste Pierre
Antonie de Monet, “Chavallier” de Lamarck “Filho mais novo, duma prole de onze
irmãos. Seu pai fora barão francês da infantaria, o que incentivou-o a entrar pro exército
quando tinha vinte e quatro anos. Abandonou a carreira militar para dedicar-se
a medicina e a botânica. Aos trinta e quatro anos de idade publicou três
volumes do livro “Flora Francesa”. Obra que lhe valeu a nomeação para o cargo
de botânico do herbário real de França pelo então imperador Napoleão Bonaparte.
Professor de zoologia do Museu de História Natural de
Paris.” A biografia do mestre constava do seu trabalho.
Lamarck, em tão breve história
de vida que tinha, já encontrara tantos desafios pela frente. Sentado naquele banco da praça
ter que decidir sua vida. Ir embora pra França e concluir sua tese sobre a
Evolução dos seres vivos, ou ficar em Santana do Ipanema. Casar-se. Concluírem
os dois, o curso de Biologia na universidade do Sertão. E conformar-se com o
destino de sertanejo a si reservado. Ser professor, escrever, livros, compor
poesias. Fazer filhos com Ariana. Dar aulas numa escola pública. Levar seus
alunos a visitarem sítios arqueológicos, rios intermitentes do vale da
caatinga e reservas florestais. Talvez se déssemos um grito pudesse me ouvir. Aproveitaria a oportunidade e devolver-lhe-ia o caderno - esquecido num banco de praça – de sua amada Ariana.
Fabio Campos
Nenhum comentário:
Postar um comentário