Tudo de antes, estava de voltava,
agora, com muito mais ênfase. O povo na Praça Champs Élysées, em Paris. A
multidão, naquela manhã de sábado, ia assistir a mais uma execução. O senhor
Tagor Zabulon Fashall, dali a alguns instantes morto seria pela guilhotina. Os
dias que permanecera no cárcere deixou-o muito magro, o rosto ossudo. O cabelo
e a barba haviam crescido. Usava uma camisola, chamada de túnica dos
condenados. Na cadeia da corte o ministro das execuções de justiça, determinava
ao carcereiro que na hora de morrer o réu, deveria estar usando apenas aquela
vestimenta, era peça única, alva, de linho. Trajos que seus parentes poderiam
ficar com ele, bem como os objetos pessoais do morto, depois de aplicada a
pena. Lívido, de pés descalços, ladeado
por dois verdugos com carapuças na cabeça, seguia. Devagar subia os degraus do
patíbulo. Iria pagar pelos crimes que cometera, devagar subia. Mas que crime hediondo
teria cometido contra a corte francesa pra merecer a guilhotina?
Os meninos das bicicletas,
Marcos, João e Tiago na Praça da Bandeira passeavam. Subitamente pararam pra
ver onde o amigo Tagor naquele momento se encontrava. O portal do tempo,
novamente se abriu, e os mostrou. A claraboia da torre da Capela de Nossa
Senhora Assunção foi crescendo, crescendo, até virar um imenso portal. Como a
tela panorâmica do cine Alvorada. E puderam contemplar, debaixo de um céu de
chumbo, entristecido, desenhado exclusivamente pra aquele momento, preludiando
o que estava pra acontecer. Os pombos voavam, tanto aqui como lá, de um sobrado
pro outro. Antonieta, de lá do interior da igreja de Santa Étienne-du-Mont, de
joelhos, com um véu sobre a cabeça, rezava, sob a imagem de Santa Genoveva.
No hemisfério de cima era tempo
de início da primavera. Alguns filhos desse mundo receberiam por batismo o nome
de April, em referência ao mês que abria o bom tempo da primavera. E poder dar
adeus ao rigor do frio, da clausura de dentro das casas, da lareira como sendo o
ponto central de tudo. Com a chegada da estação das flores, tudo mudaria, os
campos ficavam mais vistosos, as cores se tornavam abruptamente realçadas. Como
a estação da alegria estava implantada, nada no mundo podia lembrar tristeza,
em tal época. Parecia que o tempo passava a andar mais lentamente, como que querendo
aproveitar melhor cada instante daqueles momentos. É muito provável que Deus,
tivesse criado as estações do ano, para que Abel pudesse dividir o tempo em:
tempo de pastoreio, tempo do aprisco, tempo da apartação, ou desmame, e tempo da cobertura das ovelhas
pelos cabritos. Caim por sua vez, saberia em que época devia cultivar: frutas,
legumes, flores, hortaliças. Nessa época Deus andava no mundo, e admirava-se de
sua obra “Gênesis 3:7,8”, e portanto está dito: “e viu que tudo que tinha feito era
bom “Gênesis 1:10”
O Primeiro crime de Tagor,
somente ele sabia que havia cometido. Havia roubado um álbum de figurinhas do
seu amigo Ricardo que morava na rua do mercado. Muitas foram as vezes que fora
ele e os amigo pra casa de Ricarte e o irmão, pra brincarem no quintal. Lembrava
que havia uma cisterna cheia d’água da chuva, que os meninos mergulhavam pra tomar
banho. Era muito profunda só entrava quem sabia nadar. E assim passavam
praticamente o dia inteiro. Os pais dos amigos iam pro sítio Batatal. Então aproveitavam, por ficarem em casa sozinhos, faziam a festa. Os amigos vinham
fazer companhia, e tomavam banho na cisterna. E depois que abusavam de tanto banho, brincavam de muitas outras coisas. De jogar dama, ludo e baralho.
De bafo-bafo com figurinhas. E juntavam moedas, e compravam refrigerantes, pães e
salame e comiam com avidez porque as atividades físicas dava muito fome. Tagor
aproveitando a distração deles, apanhou um álbum de colecionar, que tinha futebol como
tema, e tinha uma capa verde, e as figurinhas eram como medalhas de latão,
redondas, autocolantes. Derick o gato viu tudo, foi a única testemunha do
primeiro crime de Tagor.
Leviatã odiava o Criador e toda sua obra. Jamais aceitava a
perfeição, onde houvesse paz tentaria instalar o caos. E desde então, onde
pudesse desmanchar tudo de bom que Ele havia feito, tentaria. E Deus disse a
Adão e Eva, depois de expulsá-los do paraíso, que dali por diante iriam suar
suor dos seus rostos para adquirirem seu sustento, e os expulsou do jardim do
Éden. Mas era preciso que se entendesse que isso, não significava necessariamente
que haveria mais castigo pra uma região, em detrimento de primícias pra outras partes do mundo.
Os meninos das bicicletas, muito queriam entender porque na região que moravam
passavam anos a fio de muita seca. As estiagens prolongadas fazia seus pais perderem rebanhos,
plantações. Não dava pra entender porque muitos dos aldeões que possuíam glebas
de terras e cultivavam e criavam, assim como Caim e Abel, e conformavam-se a
verem o gado morrendo sem nada puder fazer. E suas montanhas a ficarem peladas,
destituídas dos vegetais que tão belamente ornavam outrora. Agora
praticamente desapareceram, escassearam e tornara tudo tão árido e inóspito. Tempo dos sertões entristecidos chorarem sua dor.
A medida que subia o patíbulo, e
aproximava-se do terrível instrumento de causar morte, e morte artificial, Tagor, via passar
na sua frente, como num filme, momento a momento da sua vida. A infância junto
a seus outros seis irmãos, os ensinamentos recebidos de seus pais. O respeito que
deviam, ele e os irmãos, devotar aos mais velhos, a sabedoria que deles poderia
adquirir. As reverencias religiosas, recitar três vezes por dia versículos de
salmos bíblicos, ao cair da tarde a recitação do santo terço, pedir a benção
aos pais, tios e avós pelo menos três vezes por dia, caso estivesse em suas
presenças, por ocasião de acordar ao levantar-se, ao fazer a refeição principal do
almoço, e ao recolher-se para dormir. Se pudesse escolher, a forma como queria
ser executado, talvez não soubesse direito, se ia preferir morrer como o amigo
Joaquim, o alferes lá de Minas, que morrera dependurado numa corda. E ainda por
cima o esquartejamento. Dizem que até mesmo o terreno da sua casa teria sido
salgado, Deus, quanto ódio contra um homem e seu ideal de liberdade. O Cristo
Jesus, este outro amigo, também sofreu martírio, só que injustamente sofrera.
Tagor lembrava agora, do seu
segundo crime, que teria cometido, matara Derick o gato de seu melhor amigo. Depois
daquele dia em diante, botou na cabeça que detestava gatos. Isso porque o olhar
do bichano, ao vê-lo cometer o primeiro crime foi inquisidor, até hoje ao
lembrar incomodava-se. Jamais esqueceria o olhar do gato sobre ele. Penetrando
seu olhar, como se soubesse que o que ele estava fazendo era errado. Mas o que realmente o levaria a matar Derick, fora
porque muitos anos depois o bichano, que nunca se apartaria do seu convívio, foi
morar na rua de uma outra vida sua, já na idade adulta. Ali se reconheceram e passaram a viver. E eis
que Derick acabou comendo um seu Hamster, um roedor que comprara na feira do
rato, pra ter um amigo e companheiro, e o mantinha preso numa gaiola. Alimentava-o,
conversava com ele e devotava-lhe cuidados diariamente. O amigo vizinho dono de Derick, jamais ficara
sabendo que tinha sido ele, que colocara veneno pro gato morrer. Esse era
um dos crimes que, mesmo não sendo do conhecimento da justiça francesa, estava
ele levando pra guilhotina.
O terceiro crime de Tagor, dizia razão a coroa
francesa. O que parecia sim, ser o menos grave crime. Depois de ter sido
absolvido da acusação injusta de ter matado mestre Morion Lucindo, o ferreiro,
que acabara ressuscitando. Tagor agora se via sob a acusação de lesar a coroa
francesa. Era acusado de ser contrabandista, desviando ouro das reservas reais de
França. Isso fazia ao apoiar as escavações e intervenções dos aliens em terras
francesas. Estariam os extraterrestres levando pro espaço, mais precisamente
pro planeta Urano, o metal precioso para a produção de Megano o vital alimento
e combustível dos aliens.
Os meninos das bicicletas, se
iniciaram numa discussão sobre o que poderiam fazer pra libertar Tagor. E
conseguir tirá-lo daquela situação periclitante que se encontrava. E se havia real
possibilidade disso. Certeza tinham que obstáculos existiam, primeiro teriam que
entrar no túnel do tempo, e se conseguissem, pois fácil não seria, teriam que enfrentar a corte com seus batalhões de soldados rigorosamente armados, além de uma
multidão ávida por ver mais um condenado executado. Não sabiam se podiam contar
com a ajuda dos alienígenas A verdade é que eles sempre precisaram de Tagor,
quem sabe Derick, o gato seu amigo pudesse ajuda-lo. Rafael Bertrand, de longe
apenas assistia, motivo não tinha para envolver-se, aliás Tagor pra ele não
passava de um desconhecido, um pobre desafortunado. Mestre Lucindo, nem este podia evitar o
holocausto, infelizmente nem estava lá, seu paradeiro, naquele momento, era
outra galáxia muito distante da terra. Antonieta, não tendo outra coisa a fazer
rezava.
Um frade capuchinho foi trazido
pelos soldados da guarda francesa, conduzido até a parte superior do patíbulo, para
encomendar a alma do condenado. O capuz da sua veste de franciscano estava
levantado de modo que ninguém conseguia ver seu rosto. Ao chegar de frente a
Tagor ele retirou o capuz. E todos puderam ver, o próprio Tagor de frente a ele
mesmo. Só que mais novo, sem barba, nem cabelo grande. E apenas disse: “-Fique
tranquilo, estou aqui para te salvar.”
Fabio Campos, 22 de Abril de
2017.