
O rio, dava mais do que pedia
explicação. O trem de lama, dele e nele, se havia formado, por assim dizer. As
coisas todas que puderam se salvar, se salvaram. Os que não conseguiram,
desceram ao inferno. Um pé de umburana e outro de mulungu, a plantar bananeira
afogavam-se na correnteza. Seus braços de bruxa desesperadamente tentavam agarrar-se
aos tufos de catingueira e capim seco, das ribanceiras. As torrentes arremedando
um conhecido escultor alemão, de suas mãos fazia nascer tudo o quanto era arte,
reinventada do que a natureza mesma já havia feito. As nuvens, guardadas
especialmente para aquela ocasião, surgiam nos céus rabiscando lágrimas
apressadas. Desafiando a lei da física a subirem pro topo das terras das
montanhas. Acabavam assim desafiando a lógica bíblica do Criador que no início
haviam-nas separado. Os elementos água e terra agora se fundiam. O descortinar
de cortina de chumbo, derretendo desabando em estrondos, como pedras gigantescas
se partindo. Só podendo ser o calor das fornalhas sempre que Deus estava
fabricando chuva. Despencando do céu, caindo, desabando, descendo ao chão.
Causando gasto tão forte de energia que os homens todos, se sentiam oprimidos,
sufocados, e chegavam a desfalecer.
Émile Passion, a filha do mestre
Lucindo, em Paris, soubera dos preparativos do casamento de Antonieta. Sentiu
necessidade de revê-la, reencontrar depois de tempos que não se viam. A
distância que as separava Étole Chavalier da “Cidade luz” era de uns trinta
estádios. Lembrava agora, de quando era pequena, e Antonieta a levava pra
escola, de bicicleta a levava. Todos os dias, ter que acordar cedo, tomar
banho, o que café da manhã. E seguiam as duas, pelas ruas de Étole Chavalier. Graciosas,
menina e moça em suas roupas vaporosas, em tons pastéis, elegância e
ingenuidade com relação ao por vir. Émile teve que ir pra Paris, ingressaria na
escola São Denis de Artes e Ciências. Tanto tempo passara, já estava no quarto
ano do curso de Canto. Estudava música e artes. O estilo defendido pelos seus
mestres era o Galês-Romano. Altamente avançado pra época. Tiveram, ela, colegas
e professores, anos de muitas dificuldades. De defender ou abrir mão de
tendências, tudo para não entrar em confronto com os ideais da monarquia e do
clero. E nos anos de rigorosos invernos o grande inimigo eram as cheias dos
rios. Enchentes do Sena afetava a vida de toda a população parisiense da margem
esquerda principalmente. A aldeia do bairro Administrativo de Bercy sofria
tanto com os saqueadores aproveitadores das variações climáticas. Numa das
enxurradas uma embarcação, uma fragata foi arrastada pelas águas. Arrebentou os
fundos, de algumas casas e foi parar dentro do teatro de Saint Louis. Um mar de
lama e destroços invadiu ruas. Sensibilizada diante da tragédia a rainha
Vitória doou recursos da coroa, para recuperar parte das casas noturnas do
subúrbio de Paris. A fragata, no entanto, jamais foi retirada, passou por algumas
adaptações e passou a fazer parte do palco, duma das maiores casa de
espetáculos de então.
Rafael Bertrand, sobrinho de
mestre Lucindo, também morava em Paris. Estudava filosofia na mais famosa
instituição de ensino superior da Europa. A Universidade de Paris, que ficava
na nobre área de ‘Rive Gouche”, um imenso maciço amplamente urbanizado. De rica
arquitetura, o bairro surgiu debaixo de alamedas bem cuidadas, de palácios e
mansões suntuosas. Depois do trágico episódio de Étole Chavalier, em que seu
tio, o ferreiro Morion Lucindo misteriosamente aparecera morto, o moço sumiu da
vila de aldeões. Em Paris, a grande chance de sua vida viria surgir na sua
frente. Fez por onde conhecer o conde de Montepellier para quem seu tio, no
passado prestara relevantes serviços. O
conde deu-lhe guarida. Acomodou-o nos seus palácios, tudo fez pelo rapaz. Até
mesmo aulas particulares de esgrimas, bancou os seus estudos superiores. De como
Rafael se aproximou do conde, é uma história que merece um capítulo à parte,
foi assim: Rafael, no meio dos documentos do seu tio Lucindo, encontrou uma
carta do conde, de posse da missiva, foi fácil localizar a residência do nobre.
Desde então, Rafael passou a vigiar secretamente cada passo dele. E numa das
vezes que o conde foi ao teatro com a esposa, deu uma gorjeta a um menino de
rua pra lançar um punhado de pó de pimenta seca nas ventas dos cavalos da
carruagem. Os cavalos saíram em disparada, o cocheiro não conseguia controlar.
O conde havia descido. A condessa, porém, permanecia lá dentro. Eis que
heroicamente surge no seu cavalo Rafael, que consegue refrear a carruagem,
quase no final da rua. Agradecido pelo feito do rapaz, o conde se vê na
obrigação de recompensá-lo. faz questão de conhecê-lo, e de ajudar, o pobre
estudante de filosofia. E ele que antes dividia um quarto com outros quatro
jovens num albergue fétido e imundo da “Rue de la Bastille” subúrbio de
Saint-Antoine, próximo a prisão de Bastilha, agora passa a habitar o castelo do
conde de Montepellier, e desde então teve acesso, e amizade da corte
parisiense.
O Paranthropus o monstro sagrado
dos Ushaias despertara. Diziam os ancestrais da tribo Munbassa da aldeia de
Arusha, ao sul do Monte Kilimanjaro, a Tanzania, na África oriental, era um dos
mais antigos sítios arqueológicos da humanidade. Considerada por estudiosos
como “O Berço da Humanidade”. A mais de dois mil anos ele surgiu pela primeira
vez. E tinha estes aspectos, dois metros e meio de altura, mandíbula
proeminente, peludo dos pés a cabeça, apesar de no corpo parecer com um
orangotango, as feições era de um homídeo. Com sua força descomunal arrancava
uma árvore de cinco metros de altura com um simples puxão de uma das mãos. Mãos
de cinco dedos como as nossas, diferindo apenas no tamanho. Mãos capazes de
destruir um carro de passeio, com apenas um murro. Isso realmente aconteceu.
Tagor estava lá. Era primeiro de abril de 1979. O Paranthropus monstro, que apareceu na aldeia, era o bisavô
daquele com quem Tagor inda agora conversava na taberna. Enfurecido
a fera dizimou quase toda população de
aldeões. Pegava os nativos e partia ao meio, atirando os pedaços pros lados, pro
alto, por não ser um animal carnívoro lançava longe. O massacre da Paranthropus ficou
conhecida na aldeia como o Dia de Baal. Tagor integrava um grupo de cientistas
que fazia pesquisas arqueológicas, e que também foi atacado. Os guardiões da
caravana com seus rifles davam tiros no monstro mas parecia se quer o atingiam.
De um só golpe destruiu o carro, destruiu a barraca, e atirou longe o rifle. E
o pobre nativo acompanhante da expedição teve a espinha dorsal dilacerada. Ia
matando e atirando sobre uma árvore, nativos e estrangeiros. E os corpos iam
ficando pendurados. Aquele lugar seria amaldiçoado pelos anciãos. O local jamais
voltaria a ser povoado. De ano em ano iam lá, fazer reverencias aos que morreram
no massacre de Paranthropus. A árvore dos corpos, ficaria conhecida, até hoje,
como a árvore dos condenados.
O direito de estar junto a
nobreza de Paris, deu a Rafael prestígio e poder. Conheceu importantes mestres
de Filosofia e Teologia. Passou a interessar-se pela Alquimia. Frequentava
todas as escolas superiores, Liceus e Academias localizadas no luxuoso bairro
de “Rive Gauche”. Tinham-no, como enteado do conde. Livre acesso lhe era
concedido para treinamento com os gerentes e administradores de instituições
militares e eclesiásticas. Passou a ser assíduo frequentador da Biblioteca
Nacional de Paris. Devorava todos os livros que falavam de Alquimia, chinesa e
greco-romana. Leu os fragmentos de Neipian e os “Capítulos Internos” de
Baopozi. Rafael, na verdade, queria chegar ao Elixir da Longa Vida. Nunca
esquecera o episódio do tio Lucindo. Descobrir o mistério de como conseguira
ressurgir do mundo dos mortos. Tinha esperança de encontrar a fonte da
juventude. Só havia uma pessoa capaz de ajudá-lo nesse empreendimento. Alguém
que ele nem conhecia ainda, mas não tardaria, em breve iria conhecer.
Chouchoulina a bailarina do
cabaré de Paris, precisava ainda, descobrir o que a lenda da Ponte de Montilieu
tinha a ver com o suposto tesouro deixado por seu pai. Onde estaria o segredo
pra desvendar o mistério? Tagor Fashall tinha parte da resposta. Mas, como compartilharem de informações se estas criaturas se encontravam em lugares distintamente
diferentes. Em épocas diferente. Tão
longe se encontravam um do outro. Tagor, por si só, começou a ligar os fatos. A
xícara com os números, o bule, as flores. Lembrava do gato da lenda, ele tinha
uma panela presa ao rabo. Talvez quem sabe, fosse aquele bule que aparecia no
quadro? E se pertencesse ao rei Luiz XV
era, sem sombra de dúvidas, uma peça valiosíssima, para qualquer época. Para um
colecionador uma relíquia! Quem sabe a vasilha real estivesse ainda por lá,
largada no pé direto da ponte. Talvez, depois que passou o vão da ponte tenha
se soltado do rabo do gato e ido ao fundo do rio. Tagor e Chouchoulina, ela e
ele, mesmo sem o saber tinham um encontro marcado. Tinham ambos, uma viagem a
fazer. Uma viagem que os levaria, quem sabe, para dentro de si mesmo.
Fabio Campos, 03 de Abril de
2017.
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