Outro dia, quando menos se
esperava aconteceu. Outro dia, logo cedo, do jeito que veio. Com a cara que
estava. Assim viria. Telhados, e brigas. “Solte meus cabelos! Ninguém me pega
assim! Você não manda em mim! Saia da minha casa!” O céu azulejado de azul. Empurrões.
As costas de alguém batendo com força contra a parede. As nuvens esbranquiçadas
de branco. Corpos em conflitos, agressões. Alguma coisa de vidro se quebrou. Espatifou
no chão. Choro longínquo. Desatado, destrambelhado. Acaso seria. Melhor não,
ter ouvido. Ouvidos pra nada daquilo. Não. Tem coisas que o dia. Seria melhor,
ainda melhor. Não ver. Um dia. A pleno sábado de Zé Pereira.
O carnaval, a praia. Coisas, carnaval.
Praia coisas, que combinam. Tantas, muito mais. Coisas descobinam. Ver o mar. Descolombina.
Se embebedar. Des concatenar. Desconcertante. Ver o mar. Verruma. Jangadas. Alegrar
a alma, de tanto mar. Encher o espírito, de mar. Amar ver o mar. Água de amar.
As ondas vão e vem. A ressaca. Vai o mar, vem. A ressaca. Vinha. E o que juntava
latas de cerveja vazia, com os olhos varria a praia. Outro que lambia as lindas
bundas das moças, de óculos escuro pra disfarçar. Com os olhos. Via. Avaliava.
Escolhia. Elogiava Elegia com a língua. Escolhia, dentre todas, pelo menos uma
ficaria na mente. Entre os dentes. Outra, ora precisaria. Mais tarde talvez. Verrumar.
O bêbado, embebido de mar, se
deixando levar, pelas marolas. As ondas. Achando, se cobrindo, de terra
molhada. De água do mar, e areia. Lavada. De alma. Calção, cabelos, orelhas,
ouvidos. Cerveja. Você, veja. O sol afagando a pele. Beijando os peitos. A face
avermelhada. O sol, a luz, o calor. O cheiro. A maresia. Paresia. Quase.
“Êi você aí? Me dá um dinheiro
aí/ Me dá um dinheiro aí/ Não vai dar, não vai dar não/ você vai a grande
confusão/ Eu vou beber, beber até cair...”
Nunca mais. Os anos passaram, nunca
mais. Nunca mais Doris Day. Quem sabe? Um dia talvez, nunca mais. Linda moça,
de biquíni molhado, com seu lindo sexo, intumescido. A almofada de pelos
pubianos úmidos. O frio da água gelada enchendo a pele das coxas de minúsculos
calombinhos. A imaginá-la nua. A vontade de fazer sexo vinha. Os bicos dos
peitos apontavam sua boca. Beijos salgados. Cabelos colados. A excitação dentro
d’água, as coxas roçando. A sunga se avolumando. Braços abraçando. Pernas
entrelaçado. Feito golfinhos em nado sincronizado.
O dia de carnaval, virara tarde
de carnaval. Dando a entender que mais ninguém teria compromisso nenhum. Pro
resto da vida. Tarde demais. Tarde de carnaval. O mundo a desobrigar a todos,
de tudo. Ninguém precisava provar mais nada pra ninguém. Só ver o mar, sentir a
brisa. Dormir na praia. Ver o sol se por. Espera que ao cair da tarde, chorasse
de tristeza, por acabar. E ter que ser. Assim.
“Aquela que vai passando por ali/
parece que é Estela/ vou assoviar pra ver se é/ fiiii fiiiii se olhar pra trás
é ela...”
Marina. A velha amiga da mãe. Viera
visitá-la. Havia dias que não vinha. Prontamente reconhecida. O tempo não
apagou as lembranças, nem nomes. Seu Sebastião. Tinha um cachorro perdigueiro.
Seu Sebastião ia caçar. Mesmo que fosse carnaval. Sempre voltava com várias nambus penduradas
no guidão da bicicleta. A espingarda a tiracolo. O chapéu, os óculos escuros. O
nariz e o bigode, imitavam um estereotipado disfarce carnavalesco.
Iolanda lembrava nome de país.
Uma mulher que era mais que um país. Os seios fartos, como duas colinas
majestosas, as ancas de sinuosas curvas, estonteante púbis. Ai que ventre, que
coxas... Argentina, mãe de Israel, esposa de Seu Holanda. A barraca de cachorro
quente. A voz polida, os substantivos substancialmente ditos, o verbo com seus
erres bem amarrados no rabo das falas. A voz pausada e mansa. Lânguido afago
nos ouvidos do menino, desenxabido.
“Mamãe eu vou ser soldado de
Israel/ não tem água no cantil/ mas tem mulher no quartel...”
Acaso, teria, tentaria, sobreviver
a mais um carnaval. O mundo depois do carnaval ficaria num canto amuado. As
portas ficariam tão tristes. As casas olhando pro chão. Os estandartes acenando
com voz trêmula. Como um melancólico adeus. As árvores visivelmente desoladas.
Esperariam com torpor, a chuva pra que lhes tirassem o pó. Os pássaros em vão
tentariam imitar os velhos acordes, dos clarins. Os Pierrôs e Arlequins se
desfantasiarem a plena via pública. E choravam choro bobo, de bobo. Choro de
alegoria. Pranto desalegria. Mais parecia, de mentira. Seria.
“É de fazer chorar/ quando o dia
amanhece eu vejo o frevo acabar/ ó quarta-feira ingrata chegou tão depressa só
pra contrariar..."
Acaso. Tinha que sair de casa.
Sairia atordoado. Transformado, transtornado. Brigar, brigando com a mulher. Logo cedo, a
pleno sábado de carnaval. É dose! Pior. Sairia a toda. Dirigir com raiva,
nada bom. A raiva sempre descontada em quem menos merecia. Alta velocidade. O
carro corria. Pegou a Br. Aquele carro ultrapassar. Mas que droga! De onde apareceu essa carroça de burro? Freada brusca, pneus cantando. O choque.
Capotamento. Sangue. O asfalto. O poste com fratura exposta pôs-se a ceifar
vidas. O fio de alta tensão. Feito cobra de cobre espreitando com seu veneno de
mais de dois mil volts. A primeira presa
foi um cavalo, e seu cavaleiro. Acaso. Cavalgaram pra morte. Por acaso. Um
jumento vítima da curiosidade, e um urubu acaso tentaria tirar proveito.
O vento, arrastava pobres
confetes desiludidos. O vento, ao ocaso, empurrava pra mais longe, em demasia.
Desmaiadas serpentinas. Desatinas. A baqueta do tamborim, pobremente esquecida
dormia. Na sarjeta. A caixa de fósforo, o maço de cigarro amarrotado, a lata de
cerveja, dormiriam o eterno sono de um ano. O soldado, teve um caso com a
empregada do juiz. Sábado de carnaval.
“Salve Salvador, eu sou do Pelô/ o negro é
raça, é raça e amor... Quando você chegar/numa nova estação, espero no verão”
Fabio Campos, 19 de janeiro de 2019.
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