Acaso 2º Episódio da Série Frivolu's


Outro dia, quando menos se esperava aconteceu. Outro dia, logo cedo, do jeito que veio. Com a cara que estava. Assim viria. Telhados, e brigas. “Solte meus cabelos! Ninguém me pega assim! Você não manda em mim! Saia da minha casa!” O céu azulejado de azul. Empurrões. As costas de alguém batendo com força contra a parede. As nuvens esbranquiçadas de branco. Corpos em conflitos, agressões. Alguma coisa de vidro se quebrou. Espatifou no chão. Choro longínquo. Desatado, destrambelhado. Acaso seria. Melhor não, ter ouvido. Ouvidos pra nada daquilo. Não. Tem coisas que o dia. Seria melhor, ainda melhor. Não ver. Um dia. A pleno sábado de Zé Pereira.

O carnaval, a praia. Coisas, carnaval. Praia coisas, que combinam. Tantas, muito mais. Coisas descobinam. Ver o mar. Descolombina. Se embebedar. Des concatenar. Desconcertante. Ver o mar. Verruma. Jangadas. Alegrar a alma, de tanto mar. Encher o espírito, de mar. Amar ver o mar. Água de amar. As ondas vão e vem. A ressaca. Vai o mar, vem. A ressaca. Vinha. E o que juntava latas de cerveja vazia, com os olhos varria a praia. Outro que lambia as lindas bundas das moças, de óculos escuro pra disfarçar. Com os olhos. Via. Avaliava. Escolhia. Elogiava Elegia com a língua. Escolhia, dentre todas, pelo menos uma ficaria na mente. Entre os dentes. Outra, ora precisaria. Mais tarde talvez. Verrumar.

O bêbado, embebido de mar, se deixando levar, pelas marolas. As ondas. Achando, se cobrindo, de terra molhada. De água do mar, e areia. Lavada. De alma. Calção, cabelos, orelhas, ouvidos. Cerveja. Você, veja. O sol afagando a pele. Beijando os peitos. A face avermelhada. O sol, a luz, o calor. O cheiro. A maresia. Paresia. Quase.

“Êi você aí? Me dá um dinheiro aí/ Me dá um dinheiro aí/ Não vai dar, não vai dar não/ você vai a grande confusão/ Eu vou beber, beber até cair...”

Nunca mais. Os anos passaram, nunca mais. Nunca mais Doris Day. Quem sabe? Um dia talvez, nunca mais. Linda moça, de biquíni molhado, com seu lindo sexo, intumescido. A almofada de pelos pubianos úmidos. O frio da água gelada enchendo a pele das coxas de minúsculos calombinhos. A imaginá-la nua. A vontade de fazer sexo vinha. Os bicos dos peitos apontavam sua boca. Beijos salgados. Cabelos colados. A excitação dentro d’água, as coxas roçando. A sunga se avolumando. Braços abraçando. Pernas entrelaçado. Feito golfinhos em nado sincronizado.

O dia de carnaval, virara tarde de carnaval. Dando a entender que mais ninguém teria compromisso nenhum. Pro resto da vida. Tarde demais. Tarde de carnaval. O mundo a desobrigar a todos, de tudo. Ninguém precisava provar mais nada pra ninguém. Só ver o mar, sentir a brisa. Dormir na praia. Ver o sol se por. Espera que ao cair da tarde, chorasse de tristeza, por acabar. E ter que ser. Assim.

“Aquela que vai passando por ali/ parece que é Estela/ vou assoviar pra ver se é/ fiiii fiiiii se olhar pra trás é ela...”

Marina. A velha amiga da mãe. Viera visitá-la. Havia dias que não vinha. Prontamente reconhecida. O tempo não apagou as lembranças, nem nomes. Seu Sebastião. Tinha um cachorro perdigueiro. Seu Sebastião ia caçar. Mesmo que fosse carnaval.  Sempre voltava com várias nambus penduradas no guidão da bicicleta. A espingarda a tiracolo. O chapéu, os óculos escuros. O nariz e o bigode, imitavam um estereotipado disfarce carnavalesco.
Iolanda lembrava nome de país. Uma mulher que era mais que um país. Os seios fartos, como duas colinas majestosas, as ancas de sinuosas curvas, estonteante púbis. Ai que ventre, que coxas... Argentina, mãe de Israel, esposa de Seu Holanda. A barraca de cachorro quente. A voz polida, os substantivos substancialmente ditos, o verbo com seus erres bem amarrados no rabo das falas. A voz pausada e mansa. Lânguido afago nos ouvidos do menino, desenxabido.

“Mamãe eu vou ser soldado de Israel/ não tem água no cantil/ mas tem mulher no quartel...”

Acaso, teria, tentaria, sobreviver a mais um carnaval. O mundo depois do carnaval ficaria num canto amuado. As portas ficariam tão tristes. As casas olhando pro chão. Os estandartes acenando com voz trêmula. Como um melancólico adeus. As árvores visivelmente desoladas. Esperariam com torpor, a chuva pra que lhes tirassem o pó. Os pássaros em vão tentariam imitar os velhos acordes, dos clarins. Os Pierrôs e Arlequins se desfantasiarem a plena via pública. E choravam choro bobo, de bobo. Choro de alegoria. Pranto desalegria. Mais parecia, de mentira. Seria.

“É de fazer chorar/ quando o dia amanhece eu vejo o frevo acabar/ ó quarta-feira ingrata chegou tão depressa só pra contrariar..."

Acaso. Tinha que sair de casa. Sairia atordoado. Transformado, transtornado.  Brigar, brigando com a mulher. Logo cedo, a pleno sábado de carnaval. É dose! Pior. Sairia a toda. Dirigir com raiva, nada bom. A raiva sempre descontada em quem menos merecia. Alta velocidade. O carro corria. Pegou a Br. Aquele carro ultrapassar. Mas que droga! De onde apareceu essa carroça de burro? Freada brusca, pneus cantando. O choque. Capotamento.  Sangue. O asfalto.  O poste com fratura exposta pôs-se a ceifar vidas. O fio de alta tensão. Feito cobra de cobre espreitando com seu veneno de mais de dois mil volts.  A primeira presa foi um cavalo, e seu cavaleiro. Acaso. Cavalgaram pra morte. Por acaso. Um jumento vítima da curiosidade, e um urubu acaso tentaria tirar proveito.

O vento, arrastava pobres confetes desiludidos. O vento, ao ocaso, empurrava pra mais longe, em demasia. Desmaiadas serpentinas. Desatinas. A baqueta do tamborim, pobremente esquecida dormia. Na sarjeta. A caixa de fósforo, o maço de cigarro amarrotado, a lata de cerveja, dormiriam o eterno sono de um ano. O soldado, teve um caso com a empregada do juiz. Sábado de carnaval.

 “Salve Salvador, eu sou do Pelô/ o negro é raça, é raça e amor... Quando você chegar/numa nova estação, espero no verão”

Fabio Campos,  19 de janeiro de 2019.


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