ARMA BRANCA Cap. 5






Toda vez que pegava numa faca era assim. Sentia imediatamente o poder que ela exercia sobre ele. Talvez aquilo fosse trauma de infância. Vinha-lhe cheiro de sangue nas ventas. O calor do sangue se derramando, quente lavando suas mãos. Via claramente o sangue descendo pelas mãos pingando no chão. Jamais teve problema em ver cadáver, nunca sentiu medo de fantasmas, ou alma de gente morta isso nunca. Mas adagas impunham-lhe certo medo. Especialmente facas. A lâmina cor de prata , o cabo preto. Verdadeiro fascínio.

Era perto de meio dia. Mas como era inverno não dava pra sentir o dia. Parecia que ia anoitecer. O dia cheirava a roupa mofada precisando de sol que não via a vários dias. Se o silêncio conseguisse superar o barulho vindo da rua, daria pra ouvir grunhidos de ratos no porão. Havia uma mesa, um homem de cabelos grisalhos longa barba, de cara trancada. Comia como se estivesse com raiva. E bebia uma bebida, que derramava pelos cantos da boca empapando a roupa no peito. Berrava se queria algo. E seus pedidos tinham que serem prontamente atendidos. 

Um esturro soou como um pedido de água. Uma menina que estava o tempo todo sentada num canto calada,  olhou-o com ar de desprezo. Meio que descabelada, pele latina, franzina, suja. Calmamente ela disse: “O pote com água está logo ao seu lado...É só estender a mão.” Um murro estrondou sobre a mesa, e tudo que havia ali subiu quase um palmo. Um urro de ódio, dizia que o homem ficara irritado com a ousadia da menina. E claro dizia assim que não importava o quanto a água estivesse perto dele, queria ser servido. A menina continuou passiva, lívida. Olhando o homem como um animal selvagem em atitude de defesa. 

O homem empunhou uma faca. Com um golpe enfiou-a sobre o lastro da mesa. A faca ficou balançando pregada na madeira. O homem levantou-se da cadeira num salto. Dirigiu-se em direção a menina. De olhos bem abertos fixo no homem ela continuava passiva. Ele cambaleou até ela sob o peso do corpo e do álcool ingerido. Alcançou-a em dois passos. Segurou-a elevando-a do chão com apenas uma das mãos, com a outra ia desferir um murro que de tão poderoso de certo daria cabo da fedelha. 

A menina estava armada com um canivete, com ele desfechou um golpe certeiro sobre a mão do homem obrigando-o a soltá-la. Urrando de dor o brutamontes largou-a, e uma vez no chão a garota tratou de escapar. O homem foi até uma parede onde pegou um bacamarte, a menina alcançou a porta da rua. A arma foi  apontada, o tiro encheu o ambiente de fumaça fedida a pólvora.

22 de junho de 2020.




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