A MULHER Cap 4




Naquele dia na praça, ele, não a reconheceu. Algo nos olhos, ou entorno deles, deixaram-na diferente. A cobra cascavel, segundo sua mãe contara, quando tinha, já, mais de vinte anos, fora morta por seu tio Aldo, que chegou a tempo de acertá-la na cabeça, com um tiro de espingarda. As tardes no sítio tinha cheiro de passarinho. Cheiro que só quem viveu conhece. A água doce do riacho, vindo mansa, preguiçosa, traiçoeira, dando adeus aos barrancos que as limitava. Partiam saudosas, melancólicas, pra se encontrar com o mar. Liberdade e transmutação. 

Uma adrenalina boa, entrando por dentro das algas, das baronesas, dos peixes. Coisas que os pais já haviam alertado desde de pequeno: "Água do mar tem sal..." Esqueciam mas quando sentia nos olhos, nas escamas, no paladar era tarde demais. Senhor Djalma gostava de pássaros. Aliás de aves, de qual espécie fosse. As pessoas acabam ficando parecidas com os animais que gostam. O cabelo assentado, brilhoso, o pescoço vermelho, dava-lhe aparência de um galo de briga. As gaiolas penduradas no varal, a disputarem espaço com as samambaias e avencas, da Senhora Maria Augusta. A máquina de costura na maior paciência, sabia que senhora Maria só teria tempo pra ela, depois da cesta vespertina. 

O homem nu, continuava pela rua. O sonho recorrente. Ninguém ligava pra sua nudez, afinal era carnaval. O corpo lambuzado de tinta, de várias cores, que os colegas do bloco haviam jogado nele. O que ajudava a disfarçar. O álcool ingerido, não conseguira arrancar o pudor totalmente. Um resto de uma vergonha se entretinha com o vai e vem frenético de gente. A maioria em sumaríssimos trajes de banho. Blocos de bêbados, que a tarde empurrava pro mar. Os sexos à mostra. O homem tentou cobrir suas vergonhas com um pedaço de papelão que improvisou como uma saia. Segurava com força, temendo que alguém arrancasse dele, tal veste improvisada. Era tanta sutileza, que quase não acreditava que estivesse vivendo tudo aquilo. No entanto estava. Apesar de ter uma vaga ideia, gostava de acreditar que não tinha noção de como ia terminar aquele dia. Mas, o previsível final de dia de carnaval, seria como em tantos outros dias de folia. Acordaria tarde da noite com muita sede, num lugar ermo. 

A mulher estava sentada na areia. Olhava pro alto mar tingido de negro da noite. Um barco de pesca, a empanada emudecida pelas cordas. Uma barraca de pescador calada de tanta solidão. Sentou-se a alguns metros à trás dela. A reconheceu pelo cabelo, a cascata negra ao vento se juntando a escuridão da noite. Joelma "morena", um colar de conchas no pescoço. Senhor Djalma aproximou-se. Sentou-se ao lado da moça. Ela o olhou de soslaio. Mascava um chiclete, uma saia colorida deixando a mostra as coxas. A blusa estampada, minúscula, cobria-lhe os seios. Os braços estendidos sobre os joelhos. As mãos vez outra, acudia o cabelo. Talvez não houvesse necessidade de conversarem. Por isso nada perguntaram um ao outro. Senhor Djalma beijou-a no pescoço. Donde lhe veio um cheiro de manga, com sal. Em poucos segundos, também ela estava nua.

Fabio Campos 15 de junho de 2020.

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