O Bebê Cap 3





O bebê. Todos eles se parecem, uns com os outros. Braços e pernas, com recheios de almofadas, a pele lisinha. Uma pelagem fina na cabeça, bochechas salientes. Quase sem pescoço, sem dentes. Mas todos eles, possuem uma característica que poucos sabem. Um sentido que apenas eles entendem. Suas ações repetitivas, o primordial modo de descobrir o mundo através da boca. A mulher se estava na varanda, admirando o sol que avançava pra cima da casa, sapecando as telhas de brasa. Queimando o lastro de madeira do alpendre rangedor. A mulher vestia um vestido longo, de mangas e gola. Um fio de suor na testa ameaçando a maquiagem. Na cabeça uma touca com aba de rendinha de filó. Levantou-se da cadeira, o bebê ao colo. Olhou pro céu como se olha pra um inimigo. O sol e a serra esperando um do outro uma cumplicidade. O pequeno parecia tranquilo. Para tanto só precisava estar alimentado, limpo, e livre de qualquer incômodo, tal qual calor que fazia. A alta luminosidade fazia com que mulher e menino quase serrassem os olhos. Não havendo sede, nem a necessidade da troca de fraldas, tudo estava tranquilo. O bebê aproveitava a calmaria, o som dos pássaros pra gesticular, como se batesse palmas. E levava as mãos à cabeça, às vezes. Os cílios longos quase que escondiam a íris castanha, entre as bochechas rosadas e a testa lisinha. As mãozinhas do bebê praticamente se escondiam dentro das mãos de longos dedos da mulher, esguia. 

De repente, a mulher despencou num desmaio. O bebê foi ao chão junto com ela. O bebê rolou alguns palmos pelo lastro de madeira. A mulher desmaiada. O bebê pôs-se a chorar. Choro de bebê, tem intensidade e volume, de acordo com a necessidade, como já dissemos. A necessidade naquele momento era sair do lastro de madeira quente. O tombo em si, nenhum trauma provocou nem na criança, nem na mulher. Uma cobra cascavel que estava o tempo inteiro ali escondida no capinzal do pomar, atraída pelo choro, veio vindo pelo meio das canas. E lentamente pôs-se a escalar os degraus de madeira da varanda. O bebê continuava chorando, sentado, enquanto a mãe permanecia estendida desmaiada. A cobra foi se aproximando, cada vez mais. Só alguns metros separava o ofídio de sua presa, o bebê. 

Antes de ser atingido pela machadada fatal. Senhor Djalma teve um momento de transe. Imperceptível, para os demais seres vivos, habitantes da terra. Senhor Djalma viveu, uma espécie de flash back de sua vida. Nos sessenta segundos que antecederam a morte. Em um minuto, toda sua vida passou diante dele, como num filme. O primeiro segundo, reviveu exatamente o dia que escapou da morte pela primeira vez. Escapou da peçonha de uma cascavel.

Fabio Campos, 08 de junho de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário