A Montanha Cap. 7




O homem estava-se a contemplá-la. Sentiu que estavam envelhecendo. Ele, mais que a montanha. Não tinha ânimo para empreender a subida. Talvez, se ali estivesse os amigos que um dia a escalara junto com ele. Pensava na vida. Estava num período em que amontoar recursos, ficar rico, bem de vida, ter reserva de dinheiro no banco, posses pra deixar pra família, era ideia que ia cansando, e como desejava que fosse ficando ultrapassada. Ia lhe vencendo pelo cansaço. Tentava almejar agora, coisa de alma, coisa que tivesse a ver com paz. Paz de espírito. O mundo e suas vaidades, a medida que os anos foram passando, pelo menos queria que fosse ficando cada vez mais longe. Mais distante, algo inalcançavel, inatingível. Se imaginava como alguém que vai numa estrada montado num cavalo veloz. Quanto mais galopava, e quando olhava pra trás... O que via? O passado. E se passado, era lá  que devia permanecer, no passado. Reviver, parte dele era martírio. Parte dele instigava o cavalo. E ir deixando pra trás, ficando cada vez mais distante era bom. Perceber as coisas que um queríamos tanto, vão mudando tão sutilmente. Interessante era ver que conseguimos nos enxergar quase como sendo a mesma pessoa, um dia menino, e agora quase chegando ao ocaso da vida. Muitas das vaidades de antes, quase que não notara, mas como ficaram lá trás, nos trinta, por aí. Se pudesse manter ao menos a lucidez, já consideraria grande conquista. 

O terceiro segundo de tempo, vivido na hora da morte, de quando recebeu a machadada na cabeça lá na taberna. Naquele momento fora parar num tempo de praça, onde meninos brincavam, andavam de bicicleta, jogavam bola de gude, e de rouba bandeira. As coisas  para um menino fica tudo projetado para um futuro que parece distante, inimaginável, inatingível. Mas que um dia chegaria. Não se preocupar é uma consequência. Os abutres revoavam no céu, a busca de uma presa. O homem não era oferta de proteína pras aves de rapina, não naquele momento. A montanha, ficaria lá nunca morreria, nunca seria pasto de abutres, nem de vermes no cemitério, ficaria lá eternamente, para que filhos, netos e outras gerações a contemplasse. Talvez alguém tivesse a consciência que a montanha trazia guardada, no coração, história de pessoas como ele. 

Diversos homens trabalhavam num curtume. Eram tanques cheios de um líquido avermelhado, extra´dos da casaca do angico uma planta nativa. O cheiro forte, da pele dos bovinos recém tirada do bicho atraía os abutres. Os homens estendiam os couros de boi dentro do tanque. O mal cheiro era quase insuportável. Embora para aqueles não surtia mais efeito. Não usavam qualquer tipo de proteção no trabalho. O contato com a água rubra e mal cheirosa dos tanques enrugava, engilhava as pontas dos dedos dos pés e mãos. Um homem de meia idade que estava dentro de um dos tanques, aproveitava para contar, para o rapaz que o ajudava na lida com os couros, fatos de sua vida. Dizia.

Entrou num bar, num lugar de entreposto, havia muita gente, muitos estrangeiros, gente de todo tipo e raça chegando e saindo. índios, mestiços, pardos, brancos trajavam-se de acordo com a região de onde viera. Se aproximou do balcão, pediu uma bebida. Trajava um casaco de pele de urso, um gorro de pano grosso. A barba dura de frio. Uma mulher se aproximou, perguntou se ele precisava dos serviços dela. Era uma índia, tentava com muito esforço parecer civilizada. Olhava-o como um cãozinho necessitando, nem que fosse de um afago na cabeça. Dava pra ver nos seus olhos, tinha fome. Muita fome. O homem simplesmente pegou o copo com a bebida e dirigiu-se a um canto da taberna onde havia menos pessoas. Sentou-se numa mesa. A mulher o acompanhou. Entonou a dose de cachaça. O rosto de pedra, nem parecia que acabara de ingerir um trago de quase álcool puro. Os lábio umidecidos. O que mais queria era descansar. O taberneiro atendendo seu chamado, trouxe-lhe outra dose de cachaça. Ele reteve a garrafa de cachaça. O homem aproveitou para pedir uma chave de um dos quartos que havia nos fundos da taberna. Saiu, a índia o acompanhou. 

04 de Julho, de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário