SENTIMENTOS Cap 8




Estavam sentados na calçada, e bebiam. Era dia de festa na vila. O espírito de alegria habitava a maioria dos corações. Havia muita algazarra, todos se divertiam. Os ventos eram leves, uma brisa suave soprava da montanha pro mar. Passando por cima da vila, coberta de coqueiral. Lá do alto, dava pra ver um declive imenso que parecia uma gruta, uma verdadeira garganta do diabo. Parecia um outro mundo. E ficava bem ali, só a alguns metros do povoado. A terra vermelha evidenciava um contraste com o verde, predominante ali. As casas enfileirada, quebrava o estigma de coisa pesada, que a montanha fomentava. Era como se a montanha observasse a vila. Como um monstro escondido, calado, a espreitar a urbe, dia e noite. 

Senhor Djalma estava rodeado de amigos. Havia um, entre aqueles que era mais amigo, porque o conhecia de outros lugares. E isso como que afagava sua alma. Porque quando se vai parar num lugarejo onde você não nasceu, não cresceu, nem tem laços familiares, é como pisar em campo minado. E um amigo nessas horas trás um sentimento bom. As pessoas da vila, só aos poucos iam passando a fazer parte da vida do estrangeiro. E só aos poucos vão se deixando conhecer. Alguns mais, outros menos, se deixando envolver pelos que chegam. Nem todos estão dispostos a se expor. Especialmente para quem veio de fora.

Coisas, pessoas exercem poder e fascínio, umas sobre as outras. Um cruzeiro fixado a poucos metros da praia, diziam muito sobre datas e navegantes. Aos moradores da vila já não dizia muito, aos que chegam muito falavam. Nos dias atuais, só servia pra moças e rapazes deitarem e se espreguiçarem diante da tarde marítima. Até sono dava com a melodia das ondas, a ressaca, o cheiro de pescado vindo das canoas. Os pés pisando a areia fina. 

Senhor Beto, eletricista, passava de bicicleta. A alma brejeira, a prosa com os transeuntes. Pra cada pessoa que via uma conversa ocasional. E se ia, levando no bagageiro a mala das muitas utilidades, o sustento da família de cada dia. E os filhos ficavam sentados na porta, no jardim, enfeitando as avencas e samambaias que Suzana cuidava com esmero. Sílvia do "Coco de roda", irmã de Eliúde, e Sônia. Cada uma com sua beleza natural. De lábios carnudos, de pele morena, de cabelos cacheados, de laços de fita, de roupas estampadas a cobrirem despudoradamente suas carnes tão desejadas. Ai! O que havia debaixo daquela saia, era o meu fim! Um dia, as meninas inventaram de ficarem totalmente nuas, numa praia solitária. Algum pescador viu e espalhou. Tarde demais, já se tinham ido! Voaram, e voaram as ninfas, deixando sonhos. Escaparam entre os dedos que agora seguravam seus mastros rijos. Assanharam desejos e escapuliram. E tiraram o sono de muitos varões. No desejo solitário, a covardia de uma mão, lutando contra um membro pulsante de delírios.

As datas escondem mistérios. A festa da padroeira. As rezas, os cortejos. As procissões. As lanternas levadas pelos coroinhas. Os paramentos sacerdotais, usados somente em ocasiões festivas. Depois da celebração o padre foi até a casa do Senhor Djalma. Queria saber porque ele não estava na missa. Seu Djalma, estava de ressaca, havia tomado um porre monumental na véspera. Quando a procissão passou estava deitado na praia. A cara enfiada na areia, de fora só as ventas pra respirar. A baba caindo pelo canto da boca na areia. Ouviu de longe, o sino repicando, os fogos de artifício estourando. Anoiteceu no velho casebre. Uma luz tênue. Combinava com a ressaca moral. A melancolia, parecia melhor e maior que a tristeza.

O padre, o encontrou deitado na camarinha. Um colchão velho, umas telhas negras ums caibros roliços desiguais, umas paredes de taipa buchudas, mal feitas, ameaçavam cair sobre o homem, ainda alcoolizado, desde do dia anterior. Ao ver o padre, em sinal de respeito sentou-se na cama. O pároco perguntou-lhe, por que não fora pra procissão, pra novena? Preferiu mentir, disse que estava doente. Mostrou um lado da perna ferido. Na verdade, tinha mesmo levado uma queda, de tão bêbado caíra sobre uma jangada na praia. O padre, claro, teve que engolir a história. Aproveitou e calmamente deu-lhe conselhos. Senhor Djalma, prometeu que mudaria de vida. Dali alguns dias, ficou sabendo que o padre fora transferido para outra paróquia. Melhor assim. Vão-se os dedos, ficam os anéis.

13 de Julho, de 2020.





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