De volta ao vale, da menina dos dinossauros.
Inacreditável vale, de duvidar sobre o que seus olhos contemplavam. Continuava
perplexo. Como podia, aquela menina, ali? E se vestia tão diferente das demais,
da época. E pensar, quão inóspito lugar! Como sobrevivera a tantos intempéries.
Só havia uma explicação, tudo fruto do sobrenatural. Lembrava nitidamente como
estava. Foi pelos trejeitos, a rara beleza, o corpo de menina, que se
apaixonou. Era um vestido vaporoso, cheio de anáguas e babados. Um chapéu de
pano, engomado, cujo tecido imitava no padrão, a estampa do vestido. O cabelo
longo ia pelas espáduas e costas. Enchida ainda mais de encantamento. Trazia na
mão uma pequena valise. Com uma sombrinha, Se protegia do sol, cujas cores
semelhava as peças citadas anteriormente. Os sapatos tinham fivelas, e um salto
mediano. Tudo nela era graça e beleza. Uma candura, um caminhar que arremetia
aos áureos tempos do velho oeste. Mas, o que uma menina, do velho oeste
americano estaria fazendo naquelas paragens?
O menino Djalma, continuava sentado nos
degraus lateral da escola. Era um prédio antigo que remetia, nas pobres linhas
arquitetônicas, ao Ateneu de Raul Pompéia. Mas, apenas pretendia imitar. Os
meninos, de alguma forma tinham lá, algumas semelhanças. Um que era estrábico,
outro, cujo cérebro, por falta de uso, tinha por jazigo o quengo craniano.
Outro, que só tinha tamanho. Servia para tirar os amigos de enrascadas. E tinha
Geraldão, do qual o menino Djalma era amigo inseparável. De idas pro rio,
quando dava uma cheia. De incontáveis pescarias, que muitas vezes nada
pescavam. De algumas poucas caçadas, idem. E de excursões pelas cercanias.
A primeira paixão do menino Djalma, foi por dona
Carmem, professora de geografia, do segundo ano primário. Ah! Dona Carmem! Tinha
os olhos mais bonitos que um ser humano, em toda a face da terra poderia ter. E
os dentes de dona Carmem! Tão branquinhos, que perfeição! Teve sonhos magníficos
com dona Carmem. Em um deles, estavam os dois num bar, o clima era de muita
tensão. O menino Djalma, um gangster da máfia italiana. Portava uma potente Thompson
Submachine Gun, metralhadora de tambor redondo. Enquanto homens, em pontos
estratégicos faziam sua segurança. Trajava um paletó de linho. Um chapéu de
massa. Um cigarro apagado, pendurado nos lábios. Dona Carmem olhava-o com a
meiguice de sempre. Não tirava, um só segundo, seus lindos olhos do menino. O
mais valente, o mais perigoso daquelas paragens. Seu herói!
Geraldão, era um menino negro, que sabia de
muita coisa sobre as mulheres. O menino Djalma, muito tinha ainda a aprender
com ele. Os colegas falavam em “quebrar o cabresto”. Dizia que todo menino, na
primeira vez que tivesse uma relação sexual, ia sangrar pelo couro da cabeça da
“pica”, era assim que chamavam o pênis. Aquilo o assustava! Geraldão o
tranquilizava, dizendo: “Quando chegar a sua vez, saberá como, e o que fazer!” Sobre
as meninas, Geraldão dizia que as meninas-moças que nunca tiveram relação
sexual, tinha que se “tirar o cabaço”. Termo que designava a perda da
virgindade. Geraldão sabia demais. De tudo que falou, o que mais o deixou
impressionado, foi sobre a gravidez. Assunto
tabu, dentro de casa. Lá, se falava em cegonhas, que vinham pelas telhas trazer
os bebês. O menino Djalma, por um tempo chegou a acreditar naquela mentira. Geraldão
disse-lhe sorrindo: “O que faz a gente fazer bebês é a “gala”!” Assim era chamado o líquido que saía de dentro
da “pica”. Se a “gala” caísse dentro
do priquito - era assim que se designava a
vagina das meninas - elas engravidariam.
Significava que ia ter um bebê. O menino Djalma, juntou coragem e perguntou a
Geraldão: “E lá dentro do ralo do banheiro, não estaria cheio de minúsculos
bebês?” Por conta da quantidade de “gala” que deixara descer por ali? Geraldão
explodiu numa gargalhada. O negro riu, riu à balde cheio, do pobre menino. Tanta foi
a vergonha, que saiu correndo dali. Ficou por uns dias, sem se falar com o
amigo.
O Grand Canyon, talvez, nada tivesse daquele
lugar. Os enfeites eram muito diferentes: mandacarus, xique-xiques,
catingueira, rabo-de-raposa, coroas de frade. Se alguém se detivesse a
comparar, alguns detalhes veria que tinha a ver. Um cenário quase sem nuvem, um
azul plasmado que parecia petrificar o céu. O ar atmosférico se deslocava em
blocos. E pregava algumas peças nos viventes, às vezes sumindo, e quando
voltava, vinha com a força de um redemoinho, levantando bagaceira do chão. O
resultado disso era ventas entupidas, olhos lacrimejados, poros suados, e um
enlameado de poeira e suor no lombo. Os bichos todos, se dividiam em duas
categorias, predadores e predados. O homem o mais astuto deles, predava,
répteis, téius, calangos sardão, cobras. Mamíferos marsupiais e roedores,
cassácos, preás, mocós. Anfíbios, cágado d’água, tatu-peba, jibóia. E aves,
sariema, codorniz, rolinha, nambu. Aves canoras eram apreendidas para comércio.
Escapavam as de rapina, pelo mau agouro. O sertanejo só não contava nunca na
vida, era, nas suas empreitadas de caça, se deparar com um dinossauro. Ainda
mais assustador, apavorante e fantasmagórico vê-lo ao lado de uma menina, bem
vestida, elegante e linda de fazer gosto!
Ah! Dona Carmem! O menino Djalma, perdera a
conta das vezes que molhou os lençóis, depois de um dos sonhos que tivera com a
professora querida. Tantas vezes amanhecera com o pênis ereto, o pensamento na
professora, que dali a pouco veria, na escola. Será que um dia teria coragem
de contar pra ela, um dos seus sonhos? Jamais! Afinal dona Carmem era casada,
muito bem casada, por sinal! Nunca que iria se interessar pelas fantasias
sexuais de um menino, que mal entrara na puberdade.
21 de novembro, de 2020.
Nossa homenagem, pelo Dia da Consciência Negra. Ilustramos este capítulo, com Foto da Atriz, e Cantora, Zezé Motta.
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