OUTRO DIA, DAQUELES... Cap.27



De volta ao vale, da menina dos dinossauros. Inacreditável vale, de duvidar sobre o que seus olhos contemplavam. Continuava perplexo. Como podia, aquela menina, ali? E se vestia tão diferente das demais, da época. E pensar, quão inóspito lugar! Como sobrevivera a tantos intempéries. Só havia uma explicação, tudo fruto do sobrenatural. Lembrava nitidamente como estava. Foi pelos trejeitos, a rara beleza, o corpo de menina, que se apaixonou. Era um vestido vaporoso, cheio de anáguas e babados. Um chapéu de pano, engomado, cujo tecido imitava no padrão, a estampa do vestido. O cabelo longo ia pelas espáduas e costas. Enchida ainda mais de encantamento. Trazia na mão uma pequena valise. Com uma sombrinha, Se protegia do sol, cujas cores semelhava as peças citadas anteriormente. Os sapatos tinham fivelas, e um salto mediano. Tudo nela era graça e beleza. Uma candura, um caminhar que arremetia aos áureos tempos do velho oeste. Mas, o que uma menina, do velho oeste americano estaria fazendo naquelas paragens?

O menino Djalma, continuava sentado nos degraus lateral da escola. Era um prédio antigo que remetia, nas pobres linhas arquitetônicas, ao Ateneu de Raul Pompéia. Mas, apenas pretendia imitar. Os meninos, de alguma forma tinham lá, algumas semelhanças. Um que era estrábico, outro, cujo cérebro, por falta de uso, tinha por jazigo o quengo craniano. Outro, que só tinha tamanho. Servia para tirar os amigos de enrascadas. E tinha Geraldão, do qual o menino Djalma era amigo inseparável. De idas pro rio, quando dava uma cheia. De incontáveis pescarias, que muitas vezes nada pescavam. De algumas poucas caçadas, idem. E de excursões pelas cercanias.

A primeira paixão do menino Djalma, foi por dona Carmem, professora de geografia, do segundo ano primário. Ah! Dona Carmem! Tinha os olhos mais bonitos que um ser humano, em toda a face da terra poderia ter. E os dentes de dona Carmem! Tão branquinhos, que perfeição! Teve sonhos magníficos com dona Carmem. Em um deles, estavam os dois num bar, o clima era de muita tensão. O menino Djalma, um gangster da máfia italiana. Portava uma potente Thompson Submachine Gun, metralhadora de tambor redondo. Enquanto homens, em pontos estratégicos faziam sua segurança. Trajava um paletó de linho. Um chapéu de massa. Um cigarro apagado, pendurado nos lábios. Dona Carmem olhava-o com a meiguice de sempre. Não tirava, um só segundo, seus lindos olhos do menino. O mais valente, o mais perigoso daquelas paragens. Seu herói!

Geraldão, era um menino negro, que sabia de muita coisa sobre as mulheres. O menino Djalma, muito tinha ainda a aprender com ele. Os colegas falavam em “quebrar o cabresto”. Dizia que todo menino, na primeira vez que tivesse uma relação sexual, ia sangrar pelo couro da cabeça da “pica”, era assim que chamavam o pênis. Aquilo o assustava! Geraldão o tranquilizava, dizendo: “Quando chegar a sua vez, saberá como, e o que fazer!” Sobre as meninas, Geraldão dizia que as meninas-moças que nunca tiveram relação sexual, tinha que se “tirar o cabaço”. Termo que designava a perda da virgindade. Geraldão sabia demais. De tudo que falou, o que mais o deixou impressionado, foi sobre a gravidez.  Assunto tabu, dentro de casa. Lá, se falava em cegonhas, que vinham pelas telhas trazer os bebês. O menino Djalma, por um tempo chegou a acreditar naquela mentira. Geraldão disse-lhe sorrindo: “O que faz a gente fazer bebês é a “gala”!”  Assim era chamado o líquido que saía de dentro da “pica”. Se a “gala” caísse dentro do priquito -  era assim que se designava a vagina das meninas -  elas engravidariam. Significava que ia ter um bebê. O menino Djalma, juntou coragem e perguntou a Geraldão: “E lá dentro do ralo do banheiro, não estaria cheio de minúsculos bebês?” Por conta da quantidade de “gala” que deixara descer por ali? Geraldão explodiu numa gargalhada. O negro riu, riu à balde cheio, do pobre menino. Tanta foi a vergonha, que saiu correndo dali. Ficou por uns dias, sem se falar com o amigo.

O Grand Canyon, talvez, nada tivesse daquele lugar. Os enfeites eram muito diferentes: mandacarus, xique-xiques, catingueira, rabo-de-raposa, coroas de frade. Se alguém se detivesse a comparar, alguns detalhes veria que tinha a ver. Um cenário quase sem nuvem, um azul plasmado que parecia petrificar o céu. O ar atmosférico se deslocava em blocos. E pregava algumas peças nos viventes, às vezes sumindo, e quando voltava, vinha com a força de um redemoinho, levantando bagaceira do chão. O resultado disso era ventas entupidas, olhos lacrimejados, poros suados, e um enlameado de poeira e suor no lombo. Os bichos todos, se dividiam em duas categorias, predadores e predados. O homem o mais astuto deles, predava, répteis, téius, calangos sardão, cobras. Mamíferos marsupiais e roedores, cassácos, preás, mocós. Anfíbios, cágado d’água, tatu-peba, jibóia. E aves, sariema, codorniz, rolinha, nambu. Aves canoras eram apreendidas para comércio. Escapavam as de rapina, pelo mau agouro. O sertanejo só não contava nunca na vida, era, nas suas empreitadas de caça, se deparar com um dinossauro. Ainda mais assustador, apavorante e fantasmagórico vê-lo ao lado de uma menina, bem vestida, elegante e linda de fazer gosto!

Ah! Dona Carmem! O menino Djalma, perdera a conta das vezes que molhou os lençóis, depois de um dos sonhos que tivera com a professora querida. Tantas vezes amanhecera com o pênis ereto, o pensamento na professora, que dali a pouco veria, na escola. Será que um dia teria coragem de contar pra ela, um dos seus sonhos? Jamais! Afinal dona Carmem era casada, muito bem casada, por sinal! Nunca que iria se interessar pelas fantasias sexuais de um menino, que mal entrara na puberdade.

21 de novembro, de 2020. 

Nossa homenagem, pelo Dia da Consciência Negra. Ilustramos este capítulo, com Foto da Atriz, e Cantora, Zezé Motta.


 

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